Dag Vulpi - 27 de outubro de 2025
A frase atribuída a Bertolt Brecht — “A cadela do fascismo está sempre no cio” — volta a ecoar com força no Brasil contemporâneo. Seu sentido não é o de ofensa, mas de alerta: o fascismo não dorme, apenas se disfarça. O 8 de janeiro de 2023 foi a prova de que as sombras do autoritarismo ainda rondam nossas instituições, alimentadas pelo medo, pela desinformação e pela sede insaciável de poder.
A célebre advertência de Bertolt Brecht — “A cadela do fascismo está sempre no cio” — é menos uma metáfora do passado e mais uma convocação à vigilância permanente. Ela nos lembra que o fascismo não morre com o fim de um regime, mas se esconde nas frestas da sociedade, à espera de novas brechas para emergir. Seu cio é a oportunidade: o caos, o medo, a crise, o ressentimento.
O Brasil vivenciou, em 8 de janeiro de 2023, uma dessas brechas. A tentativa de golpe de Estado — planejada, estimulada e alimentada desde 2021 — expôs o que muitos insistiam em negar: a cadela do fascismo rondava solta, farejando o momento exato para avançar.
Não se tratou apenas de vandalismo ou de um surto coletivo. Houve ali um projeto de poder sustentado por um discurso que despreza o diálogo, que divide o país entre “nós” e “eles”, que desumaniza o adversário e que se alimenta da crença de que a força pode corrigir o resultado das urnas.
A analogia de Brecht encontra, nessa tentativa de golpe, sua mais trágica reedição tropical. O fascismo, tal como o cio da cadela, manifesta-se quando encontra calor e estímulo: o ódio cultivado, o ressentimento orquestrado, a desinformação sistemática, o medo de perder privilégios. Ele seduz pela promessa de ordem, mas oferece apenas obediência cega.
O bolsonarismo — enquanto fenômeno político — não é idêntico ao fascismo histórico, mas compartilha suas sombras: o culto à personalidade, o desprezo pela ciência, o ataque às instituições, a manipulação simbólica da fé, a substituição da verdade pelo mito. São sintomas de um mesmo apetite — o desejo insaciável de controle.
O fascismo não nasce no poder; ele é gestado nas relações humanas deterioradas, na ausência de empatia, no encontro de indivíduos que se reconhecem pela raiva comum e não pelos valores compartilhados. Quando o ódio encontra eco, ele se multiplica. Quando a razão se cala, ele governa.
Por isso, a frase de Brecht continua atual: a cadela do fascismo continua fértil. E só a vigilância cotidiana — a cultura do diálogo, o respeito às diferenças, a coragem de ouvir e compreender — pode impedir que ela volte a parir regimes de exceção.
Não há democracia definitiva. Ela é um exercício diário de atenção e responsabilidade. Quando o cidadão abdica de pensar por si, alguém pensará por ele — e, invariavelmente, contra ele.
Um convite à reflexão serena sobre os sinais contemporâneos do autoritarismo no Brasil e o perigo da repetição histórica. Inspirado na frase de Bertolt Brecht, o texto propõe um olhar maduro sobre o 8 de janeiro de 2023 — não como um ponto isolado, mas como um alerta sobre a constante fertilidade do fascismo nas sombras da sociedade.
