Por Ricardo
Lima
A crise
econômica e politica que tomou conta do país significou a quebra de um bloco
histórico que se ergueu desde 2003 com a ascensão do Partido dos
Trabalhadores a presidência. Agora o que temos diante de nós é a
emergência de um novo período histórico, mas que carrega traços de períodos
históricos anteriores.
Os últimos
treze anos da república brasileira foram baseados no chamado
neodesenvolvimentismo, com uma presença mais protagonista do estado na economia
através do financiamento dos chamados campeões nacionais e numa relação obscura
entre líderes governamentais e grandes empreiteiras, cujas relações com o
estado remontam a década 1950 maior destaque para politicas de assistência
social, atenção especial para o agronegócio por meio da defesa da exportação de
commodities; ênfase em grandes obras de infraestrutura e a reatualização da
ideologia do Grande Brasil; tentativa de criar um polo alternativo de
poder, claramente terceiro mundista, na politica externa através da valorização
dos BRICS; cooptação de líderes de movimentos sociais para a máquina do estado
com o objetivo de arrefecer as mobilizações por direitos sociais objetivando
criar a paz social necessária para investimentos externos; e, por último, e não
menos importante, a Politica da Grande Conciliação, onde o governo
federal, apoiando-se no grande desenvolvimento capitalista, conseguia, por
assim dizer, equilibrar relativamente os antagonismos, num país
de cinquenta milhões de miseráveis, ao conseguir incorporar parte deles na
esfera do consumo à revelia de questões como a reforma agrária e a questão das
populações tradicionais.
Mas vivemos na
época do capitalismo mundial e qualquer equilíbrio ou conciliação tende a ser
transitório. As contradições da nossa democracia liberal, sempre assediada pelo
poder econômico e cada vez mais distantes do cidadão comum, refém das elites
locais e do Grande Capital, alcançaram níveis que esgotaram, para o bem e para
o mal, o subsistema político; a política de exportação de commodities, por sua
vez, apresentou seu esgotamento, deixando as taxas de exportações claramente
comprometidas; os altos índices de corrupção que eram trazidos a tona, numa
época em que os valores da ética e da transparência se tornam quase um senso
comum na subjetividade coletiva brasileira, terminaram por cavar o túmulo da Nova
República.
Em outras
palavras, os processos de desencaixe criados pela Modernidade Mundo fraturaram
as estruturas de uma sociedade anômica, levando-a a um impasse entre dois
caminhos: a conciliação pelo alto ou reformas de base vindas de baixo para
cima.
Seguindo a
tradição conciliatória entre grupos majoritários e nossa vocação para nos
apegarmos a modelos tradicionais e superados, acabamos optando pela primeira
opção.
Apesar de
estarmos no início de um novo velho período, é possível traçar
algumas linhas, ainda que de caráter impressionista, das suas
principais características, conforme já disse o cientista político Christian
Edward Cyril Lynch. Entre as principais está o esfacelamento da velha
esquerda, que passará a adotar uma postura defensiva por anos ao perder continuamente a
luta pelo domínio da narrativa dos caminhos do Brasil. Hegemonia politica
da centro-direita, repartida principalmente entre os chamados liberais
conservadores. Declínio do nacional desenvolvimentismo; o Estado
Nacional tenderá a passar sua tarefa de árbitro social para o Mercado. Também
espera-se o esvaziamento de pautas relacionadas aos direitos humanos e às minorias,
com o desvio de recursos antes direcionados para a assistência e
desenvolvimento social para politicas de segurança de caráter claramente
repressivo; o objetivo disso é combater manifestações populares contra
medidas de economia politica do Novo Velho Governo e conceder a paz social
necessária à reprodução dos investimentos externos, que terão menos
regulação. Emergência de um parlamentarismo disfarçado, algo que já acontecia desde a
vitória de Eduardo Cunha para presidência da Câmara em 2014, com uma
maior força do parlamento sobre o executivo, significando que cada medida
urgida pelo pseudo-presidente Michel Temer acarretará em cada
vez mais cargos e emendas negociadas com a base parlamentar.
Mais força do que Lynch chama de Mandarinato Jurídico, que exercerá
um poder cada vez mais moderador e regulador da politica e das relações entre
as esferas de poder, redundando numa judicialização dos conflitos políticos.
Por fim, teremos os golpes finais sobre o legado trabalhista de Getúlio Vargas com a
aprovação de leis que deixarão os trabalhadores cada vez mais à deriva
no mundo do trabalho; recebendo cada vez menos e tendo que produzir sempre
mais, teremos uma maior incidência de doenças relacionadas aos locais de
trabalho e queda do padrão de vida médio dos mesmos. Um fenômeno que já era
comum, de pessoas tendo dois empregos e precisando trabalhar pelo menos doze
horas por dia, tenderá a ficar cada vez mais corriqueiro.
Obviamente
que, em se tratando de ciência politica, sociologia e processos macro-históricos,
principalmente os que acabei de descrever, os caminhos nunca são lineares e os
fenômenos e fatos sociais nunca mudam de maneira mecânica. Cada ator social
neste feixe de forças (trabalhadores não qualificados ou semi-qualificados,
classe média, elites judiciárias, politicas e econômicas, movimentos sociais progressistas
e regressistas entre outros, impossível para os propósitos deste texto listar
todos) tende a reagir aos movimentos de cada um e criar consequências, alianças
e lutas muitas vezes imprevistas. Mesmo assim, é possível divisar um bloco
liberal e conservador cujo caminho para aprovação das suas medidas num
congresso de perfil homogêneo e avesso a mudanças terá pouca resistência.
Aos grupos
progressistas, nos quais estou incluído, resta resistir nas ruas (e fazer o que
for possível na esfera da politica formal e minimalista), mesmo sabendo que
isso acarretará em mais repressão, prisões e mortes.
Mas penso que,
em vez de ficarmos numa cantilena ingênua de Fora Todos ou qualquer outro
slogan secundário e colateral, deveríamos iniciar a estratégia de contra-hegemonia
sendo propositivos, mostrando ao trabalhador porque o projeto de esquerda na
verdade nunca se esgotou, pois o que defendemos é a radicalização da
democracia, da igualdade, da liberdade e da solidariedade.
O Inverno
finalmente chegou e cabe a nós decidir se nos renderemos ou lutaremos contra os
Vagantes Brancos que, na verdade, sempre estiveram ai desde a invasão europeia
na América.
Bem-vindos à
Novíssima Velha República. E que os Orixás nos protejam.
Brasil nunca vai mudar.........................
ResponderExcluirBoa noite meu caro Ivan, agradeço a sua sempre assidua presença e participação no blog.
ExcluirConcordo com você. É impossível mudar a qualidade de um bolo se sempre usarmos os mesmo ingredientes e a mesma receita. rsss