O relator, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), pediu a cassação ontem (1º) do
presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
por quebra de decoro parlamentar. Ao apresentar seu relatório no
Conselho de Ética, Rogério disse que Cunha quebrou o decoro parlamentar
ao não informar a existência de contas no exterior durante depoimento à
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras. O deputado
Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de Cunha, apresentou um pedido de vista,
adiando a discussão e votação do parecer de Rogério, o que deve ocorrer
na próxima semana.
“Houve uma intenção deliberada de escamotear a
existência de toda uma estrutura montada para o recebimento de propina e
ocultação de patrimônio ilícito”, disse Rogério, que acusou Cunha de
ter agido dolosamente ao mentir na CPI.
“A ida [de Cunha] na CPI
constituiu muito mais que uma clara tentativa de colocar o Congresso
Nacional contra as investigações que o procurador-geral da República
[Rodrigo Janot] vinha conduzindo naquele momento. Aqui resta evidente
que o falso praticado na CPI foi premeditado na tentativa de colocar o
Congresso Nacional contra as investigações que vinham sendo efetuadas
pelo procurador-geral da República naquele momento, do que um ato de
colaboração com os atos processuais que vinham sendo praticados pela
comissão parlamentar”, acrescentou.
O parecer de Rogério
está sendo lido desde o início da tarde desta terça-feira no colegiado.
Rogério disse que levou em conta o conjunto das provas contra Cunha, mas
que a imputação no parecer diz respeito ao Artigo 4º Código de Ética
que trata de procedimentos passíveis de perda de mandato.
Relatório
No
parecer, Rogério evocou o Inciso V que proíbe expressamente
parlamentares de “omitir intencionalmente informação relevante ou, nas
mesmas condições, prestar informação falsa”.
“É inegavel que para o direito brasileiro Eduardo Cunha é ou foi titular de pelo menos três contas na Suíça”, disse o relator.
Durante
as investigações, Marcos Rogério disse que foram identificadas quatro
contas de Cunha na Suíça. Duas delas acabram fechadas a pedido de Cunha,
após o início das investigações da Operação Lava Jato. Outras duas
tiveram os bens bloqueados pela Justiça suíça, totalizando mais de 2,5
milhões de francos suíços.
“Durante anos, ele omitiu a Câmara e
nas sucessivas declarações de renda encaminhadas à Receita a
titularidade de milhões de dólares no exterior. Mas quando prestou
depoimento na CPI da Petrobras e negou ser proprietário de contas no
exterior, ele havia acabado de retornar de Paris, viagem na qual
gastaram, ele e sua família o valor de US$ 46 mil em hoteis, lojas e
restaurantes de luxo. Quando esse número é somado a outras despesas em
viagens internacionais verificasse que os valores gastos são
incompativeis com os rendimentos declarados pelo deputados e sua
família, afirmou.
Em depoimento no Conselho de Ética, Cunha
disse não ser o titular de contas no exterior e, portanto, não ter
mentido durante a audiência da CPI da Petrobras, quando afirmou não ter
contas no exterior em seu nome. Segundo Cunha, a participação que tinha
em um truste (tipo de negócio em que terceiros - uma entidade de
trusting - passa a administrar os bens do contratante) não representa
patrimônio, mas “expectativa de direito”.
Rogério dividiu o
seu voto em quatro partes: questões preliminares, duas partes para
matérias pertinentes ao mérito e conclusões. Na primeira parte, ele
argumentou que já havia provas suficientes de que Cunha usou o cargo de
deputado federal para receber vantanges indevidas no exterior. “Ora
praticando atos privativos de parlamentares, ora usando seu prestígio e
poder para indicar aliados a postos-chave da Administração Pública, o
que torna censurável sua consuta perante a CPI da Petrobras no sentido
de negar peremptoriamente fatos que, logo depois, viriam a lume à
sociedade”, disse.
O relator também argumentou que contrariamente
ao que a defesa de Cunha argumentou, de que ele não era o proprietário
de quatro contas na Suíça e não declaradas a Receita Federal, o truste
dá origem a uma copropriedade, e não a um usufruto, tese da defesa de
Cunha. “Ele pediu para o banco e correspondência do truste era enviada
aos EUA, sob a alegação de que no Brasil os Correios eram ruins”, disse
Rogério.
Para o relator, o beneficiário do truste se torna um
proprietário econômico dos bens, conferindo a si renda e patrimônio.
“Pode-se até discutir, na doutrina nacional, qual a melhor forma de
enquadrar o truste no direito brasileiro – usufruto, fideicomisso,
propriedade ficudiária, etc. O que é indiscutível é que o beneficiário
de qualquer truste tem um direito de evidente conteúdo econômico, o qual
lhe confere renda e patrimônio. No caso do representado, como veremos,
sua situação é mais grave pelo fato de ter constituído trustes
revogáveis a seu puro arbítrio”, explicou em seu parecer.
Segundo
Rogério, Cunha deveria ter declarado os trustes a Receita Federal. Ele
argumentou que a legislação determina expressamente que a pessoa física
deve declarar pormenorizadamente bens móveis, imóveis e de direitos seus
e dos seus dependentes. “A instituição de um truste revogável não pode
servir como desculpa para a sonegação tributária e a ocultação de
patrimônio”, disse.
Defesa
Antes da
leitura, o advogado de Cunha, Marcelo Nobre, repetiu os argumentos de
que seu cliente não é dono de contas no exterior. Para o advogado, a
instrução não conseguiu demonstrar a existência de recursos em outros
países. "Não existe uma prova material, isso é claro", disse.
Nobre
disse que a Receita Federal não autuou Cunha em razão dele não ter
declarado as contas de truste, mantidas no exterior. Segundo Nobre, a
Receita não considera que este tipo de investimento deva ser
obrigatoriamente declarado. "Eles não fizeram nada porque não existe. Se
alguém declarasse um truste aqui no Brasil teria cometido um crime. A
propriedade não é dele", disse.
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