Com a
expectativa de recuperar R$ 10 bilhões em impostos, juros e multas com recursos
não declarados descobertos pela Operação Lava Jato, a Receita Federal
conta com uma ajuda para repatriar o dinheiro desviado. O fechamento de acordos
internacionais de troca de informações desde os atentados de 11 de setembro de
2001, nos Estados Unidos, tornou-se um instrumento imprescindível no combate à
corrupção e à lavagem de dinheiro.
Celebrados por
pressão dos Estados Unidos para facilitar a identificação de transações de
grupos terroristas, os acordos de cooperação tributária estão aos poucos
impondo a transparência financeira global, diminuindo a possibilidade de evasão
de recursos por meio de paraísos fiscais. “Existem basicamente três benefícios
desses acordos: a luta contra o terrorismo, o combate à lavagem de dinheiro e a
diminuição da sonegação fiscal”, diz José Henrique Longo, advogado tributarista
e sócio do escritório PLKC.
Desde a década
de 1920, o Brasil tem acordos bilaterais com cláusulas de troca de informações
sobre o patrimônio de contribuintes. Esses mecanismos, no entanto, não tinham
sido postos em prática até o início desta década. “Sempre faltava vontade
política, o que mudou quando os Estados Unidos começaram a pressionar o resto
do mundo para obter informações sobre o terrorismo”, explica o advogado
tributarista Hermano Barbosa, sócio do escritório BMA e professor da Fundação
Getulio Vargas e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Evolução
dos acordos
Por meio dos
acordos internacionais, os países podem trocar informações tributárias, de
movimentação de recursos e do patrimônio de contribuintes sem precisar pedir
autorização à Justiça de outros países. No entanto, o repasse dos dados está
restrito a casos suspeitos, em que um governo precisa requerer as informações
na esfera administrativa.
Os acordos
evoluíram a partir do fim dos anos 2000, com o Ato de Conformidade Fiscal de
Contas Estrangeiras (Fatca, na sigla em inglês), que prevê que as trocas de
informações passem a ser automáticas. A crise econômica de 2008 deu impulso aos
acordos de troca automática, que passaram a ser multilaterais – assinados
simultaneamente entre vários países.
“Sem dinheiro,
muitos países passaram a fechar acordos para tentar recuperar dinheiro
sonegado. O G20 [grupo das 20 maiores economias do planeta] e a OCDE
[Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] entraram no jogo e
assinaram protocolo para expandir a troca automática”, acrescenta Barbosa.
Ratificações
Atualmente, o
Brasil tem acordos de troca de informações tributárias por meio de requisição
administrativa com nove países: Bermudas, Estados Unidos, Guernsey, Ilhas
Cayman, Jamaica, Jersey, Reino Unido, Suíça e Uruguai. Desses acordos, no
entanto, somente a troca de informações com o governo norte-americano está em
vigor desde 2013. O restante precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional.
Em relação aos
acordos de troca automática, desde setembro do ano passado, Brasil e Estados
Unidos repassam informações por meio do Fatca. Assinado em 2014, o Fatca foi
ratificado pelo Congresso Nacional brasileiro em julho de 2015. A troca de
informações abrange contribuintes de um país com contas correntes com saldo de
pelo menos US$ 50 mil no outro país.
O acordo do
G20 e da OCDE entrará em vigor em duas etapas. Parte dos países trocará
informações em 2017 e outra parte, que inclui o Brasil, em 2018. O Congresso
Nacional, no entanto, precisa ratificar o compromisso assinado por 50 países na
reunião do G20 em novembro de 2014 para poder assinar um novo acordo em 2018.
Identificando
irregularidades
Ao assinar o
acordo, o governo brasileiro, por meio da Receita Federal, recebe as
informações sobre patrimônio, movimentação financeira e pagamento de tributos
de brasileiros com recursos em outros países. O órgão então compara os dados
com a declaração do Imposto de Renda do contribuinte e cobra os tributos
devidos em caso de sonegação.
O Fisco pode
acionar o Banco Central e o Ministério Público, dependendo da irregularidade
identificada. “Sem dúvida, operações como a Lava Jato não teriam o mesmo
andamento se não fossem os acordos com os Estados Unidos [Fatca e acordo de
troca administrativa]”, diz o advogado tributarista José Henrique Longo.
“Vivemos uma mudança de paradigma, da opacidade total à transparência
financeira.”
Barbosa também
reconhece o valor do combate à corrupção, mas se diz preocupado com a violação
de privacidade dos contribuintes. “O Supremo reconheceu a legalidade de o Fisco
acessar dados bancários. A questão não é inconstitucional, mas acho que a
implementação desses acordos foi apressada. Os sigilos bancário e fiscal não
estão mais protegidos como antes”, diz.
Por 9 votos a
2, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, no último dia 24, a validade da
Lei Complementar nº 105/2001, que permite à Receita Federal acessar informações bancárias de
contribuintes sem autorização judicial nos casos de apuração de
fraudes fiscais. A Receita Federal defende o acesso aos dados fiscais para
combater a sonegação fiscal.
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