Por Eliane
Brum – título original: Por quem rosna o Brasil
Por aqui
acreditamos por gerações que éramos o país do futebol e do samba, e que os
brasileiros eram um povo cordial. Clichês, assim como imaginários, não são
verdades, mas construções. [...] O Brasil hoje é uma criatura que não se
reconhece no espelho de sua imagem simbólica.
Essa pode ser
uma das explicações possíveis para compreender o esgarçamento das relações, a
expressão sem pudor dos tantos ódios e, em especial, o atalho preferido tanto
dos fracos quanto dos oportunistas: o autoritarismo.
Num momento de
esfacelamento da imagem, o que vendem os falsos líderes, estes que, sem
autoridade, só podem contar com o autoritarismo? Como os camelôs que aparecem
com os guarda-chuvas tão logo cai o primeiro pingo de chuva, eles oferecem, aos
gritos, máscaras ordinárias para encobrir o rosto perturbador. Máscaras que não
servem a um projeto coletivo, mas ao projeto pessoal, de poder e de
enriquecimento, de cada um dos vendilhões.
A ideia do
brasileiro como um povo cordial nunca resistiu à realidade histórica de uma
nação fundada na eliminação do outro, os indígenas e depois os negros, lógica
que persiste até hoje. [...] O Brasil que, diante da desigualdade brutal,
supostamente respondia com uma alegria irredutível, ainda que bastasse prestar
atenção na letra dos sambas para perceber que a nossa era uma alegria triste.
Ou uma tristeza que ria de si mesma.
Os
linchamentos dos corpos nas ruas do país e o strip-tease das almas nas redes
sociais desmancharam a derradeira ilusão da imagem que importávamos para nosso
espelho. Quando tudo o mais faltava, ainda restavam os clichês para grudar em
nosso rosto. Acabou.
[...] quando o
esfacelamento dos imaginários se soma ao esfacelamento das condições materiais
da vida, o discurso autoritário e a adesão a ele tornam-se um atalho sedutor. É
nisso que muitos apostam neste momento de esquina do Brasil.
Inventar
inimigos para a população culpar tem se mostrado um grande negócio nesse
momento do país. Se as pessoas sentem-se acuadas por uma violência de causas
complexas, por que não dar a elas um culpado fácil de odiar, como “menores”
violentos, os pretos e pobres de sempre, e, assim, abrir espaço para a
construção de presídios ou unidades de internação?
Fabricar
“cidadãos de bem” numa tábua de discriminações e preconceitos tem se mostrado
uma fórmula de sucesso no mercado da fé.
Lula, o líder
carismático, foi muito eficiente ao ser ao mesmo tempo o novo – “o operário que
chegou ao poder” num país historicamente governado pelas elites – e o velho –,
o governante “que cuida do povo como um pai”. A centralização na imagem do
líder esvazia de força e de significados o coletivo.
O Brasil do
futuro não chegará ao presente sem fazer seu acerto com o passado. Entre tantas
realidades simultâneas, este é o país que lincha pessoas; que maltrata
imigrantes africanos, haitianos e bolivianos; que assassina parte da juventude
negra sem que a maioria se importe; que massacra povos indígenas para liberar
suas terras, preferindo mantê-los como gravuras num livro de história a
conviver com eles; em que as pessoas rosnam umas para as outras nas ruas, nos
balcões das padarias, nas repartições públicas; em que os discursos de ódio se
impõem nas redes sociais sobre todos os outros; em que proclamar a própria
ignorância é motivo de orgulho na internet; em que a ausência de “catástrofes
naturais”, sempre vista como uma espécie de “bênção divina” para um povo
eleito, já deixou de ser um fato há muito; em que as paisagens “paradisíacas”
são borradas pelo inferno da contaminação ambiental e a Amazônia, “pulmão do
mundo”, vai virando soja, gado e favela – quando não hidrelétricas como Belo
Monte, Jirau e Santo Antônio.
Neste Brasil,
a presidente Dilma Rousseff (PT), acuada por ameaças de impeachment mesmo
quando (ainda) não há elementos para isso, é um personagem trágico. Vendida por
Lula e pelos marqueteiros na primeira eleição, a de 2010, como “mãe dos
pobres”, ela nunca foi capaz de vestir com desenvoltura esse figurino
populista, até por sinceridade. [...] O próprio Lula parece ter perdido sua
famosa intuição sobre o Brasil e sobre os brasileiros. Em suas manifestações,
Lula soa perdido, intérprete confuso de um Brasil que já não existe.
Agora que já
não contamos com os velhos clichês e imaginários, a crueza de nossa imagem no
espelho nos assusta. Diante dela e de uma presidente com a autoridade corroída,
cresce a sedução dos autoritarismos. Nada mais fácil do que culpar o outro
quando não gostamos do que vemos em nós. Em vez de encarar o próprio rosto,
cobre-se a imagem perturbadora com alvos a serem destruídos.
Os
manifestantes de 2015 gritam contra a corrupção, mas basta escutá-los com
atenção para compreender que gritam para deixar tudo como está. E, se possível,
voltar inclusive atrás, já que uma parte significativa parece ter se sentido
lesada por políticas como a das cotas raciais e outros tímidos avanços na
direção da reparação e da equidade.
Muita gente
bacana ainda segue acreditando no conto de fadas de que é possível alcançar a
paz sem perder nada. Não é. Quem quiser de fato reduzir a violência e a
corrupção que atravessa o Brasil e os brasileiros vai ter de pensar sobre o
quanto está disposto a perder para estar com o outro. É este o ponto de
interrogação no espelho. É por isso que o som ameaçador dos dentes sendo
afiados cresce. E cresce também onde menos se espera.
bonito texto mas........................raiva e diferente de odio
ResponderExcluireu sinto raiva porqe mesmo nao votando no PT..........qando lula ganhou pensei agora o Brasil muda.............aqeelas promessas de uma vida inteira era mentira................so qeria chegar ao poder.