Por Conceição
Lemes no VIOMUNDO
Em 26 de maio
de 2015, numa votação histórica, o Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a
doação empresarial para campanhas eleitorais de partidos e
políticos. Foram 264 votos favoráveis, 207 contrários e quatro
abstenções. Por se tratar de proposta de emenda constitucional, eram
necessários 307 votos a favor.
27 de maio de
2015. Numa manobra do presidente da Casa, o deputado federal Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), o Plenário foi levado a votar novamente o financiamento empresarial
a partidos.
Com o apoio de
46 deputados federais do PSDB, a Câmara aprovou por 330 votos a favor e 141 um
absurdo. Colocar na Constituição Federal de 1988 a doação empresarial a
partidos. Magicamente um contingente significativo de parlamentares “altera a
sua posição”, para aprovar o que havia rejeitado no dia anterior.
Resultado: a
constitucionalização da doação empresarial a partidos é ilegalmente aprovada em
primeiro turno pela Câmara dos Deputados.
Em 28 de maio,
63 deputados de seis partidos – PT, PSOL, PCdoB, PSB, PROS, PPS – entraram com
mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a anulação
dessa votação por três graves violações da Constituição Federal: o inciso I, o
parágrafo 5º e o parágrafo 4º, incisos II e IV, do artigo 60 da
Constituição Federal. A relatora é a ministra Rosa Weber.
“Ter posto
novamente em discussão a constitucionalização das doações empresariais,
uma matéria já superada, que na noite anterior havia sido rejeitada, é, sem
dúvida, uma grande ilegalidade”, sentencia o advogado e deputado federal Wadih
Damous (PT-RJ), em entrevista ao Viomundo. “Viola cláusulas pétreas da
Constituição. Por isso, estamos tentando sensibilizar o Supremo Tribunal
Federal.”
“Sessenta e
três parlamentares é um número expressivo”, acrescenta Damous. “Mostra que nem
tudo está perdido. Significa também que há parlamentares que não admitem o
autoritarismo do presidente da Câmara.”
Wadih Damous
está em seu primeiro mandato parlamentar.
Respeitadíssimo
no meio jurídico, ele é ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil,
seção Rio de Janeiro (OAB-RJ). Criou e presidiu a Comissão da Verdade do Rio
(que reuniu elementos sobre o papel da Justiça Militar na ditadura) e a
Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB nacional.
Cotidianamente,
ele defende a urgência de reformas estruturais no sistema político, de
justiça e a democratização da mídia. Também é um defensor dos direitos humanos,
com atuação destacada no enfrentamento a quaisquer formas de opressão, em
especial, as praticadas contra mulheres e jovens,em sua maioria negros e
pobres. Atua, ainda, firmemente contra a criminalização dos movimentos sociais.
“São bandeiras
que venho defendendo ao longo da minha vida e vou continuar defendendo na
Câmara dos Deputados”, avisa.
Não é à toa
que, ainda no dia 27 de maio, Wadih Damous começou a articular o mandado de
segurança ao STF contra a ilegalidade praticada por Eduardo Cunha.
Diga-se de
passagem, nesse mesmo dia, Damous e outros deputados do PT e do PSOL foram alvo
de agressões de fascistas do Revoltados OnLine, que interromperam coletiva
de imprensa na Câmara dos Deputados. E foi por aí que esta repórter começou a
entrevista com o deputado federal e ex-presidente da OAB-RJ.
Viomundo – Esse episódio retrataria o
momento atual?
Wadih Damous — Retrata, sim. Esses grupos de extrema direita,
fascistas, estão sendo incentivados inclusive por partidos de uma oposição, com
certa complacência da grande imprensa. Eles entraram livremente no Congresso,
foram lá provocar e cercaram a deputada Maria do Rosário. Eles foram recebidos
democraticamente, mas depois dessas atitudes antidemocráticas acabaram
prontamente repudiados ali.
Aliás, esse
episódio retrata as manifestações de uns tempos para cá em que grupos fascistas
clamam por golpe de estado e intervenção militar. Estes acabam incentivando o
que alguns integrantes do Revoltados OnLine fizeram na quinta-feira no
Congresso.
Viomundo – Quando questionado, um
Revoltado Online clamou por liberdade de expressão. Isso é liberdade de
expressão?
Wadih Damous — Claro
que não é. Nenhum jornalista profissional de qualquer órgão de imprensa se dirige
às pessoas que dizem querer entrevistar da forma como eles se dirigiram. Eles
estavam se comportando de forma intimidativa e provocativa. Eles não são
vítimas do cerceamento à liberdade de imprensa. Eles foram repudiados
porque não passam de agentes provocadores.
Viomundo – O
senhor chega à Câmara dos Deputados num momento em que assistimos ao avanço da
criminalização dos movimentos sociais e da própria política. Além disso,
parte do judiciário age sistematicamente contra o PT e protege deslavadamente o
PSDB.
Wadih Damous — Eu concordo plenamente com você. Isso é
patente. Isso se vive no dia a dia. Veja as manifestações contra o
ex-ministro Mantega em São Paulo [No Hospital Albert Einstein e em um
restaurante]. A manifestação contra o ex-ministro Padilha [num restaurante].
São diversos
os relatos de parlamentares e de filiados ao PT nas suas cidades, nos seus
estados, que sofrem hostilidades abertas, chegando a agressões morais, muitas
vezes quase às vias de fato. Então, nós estamos vivendo um momento muito
difícil. E isso, sem dúvida, parte de um movimento orquestrado de
criminalização da política em geral. E, em particular, do PT.
É como se
quisessem dizer: a política é um ambiente de criminosos e que os maiores
criminosos são os petistas.
Isso é muito
perigoso para a democracia.
Primeiro, que
isso não é verdade.
Segundo,
revela intolerância. Mostra que não há disposição para o diálogo, para o amplo
e livre debate de ideias e projetos, mas sim de eliminação de um inimigo. O
nome disso é fascismo. Não há outro nome para designar esse tipo de
comportamento.
Viomundo – E sobre a postura do
Judiciário que age sistematicamente contra o PT e alivia descaradamente para o
PSDB, o que o senhor tem a dizer? Por que o Judiciário age dessa forma?
Wadih Damous – De fato, isso está acontecendo e é muito
perigoso. Eu tenho alguns amigos juízes – obviamente são juízes esclarecidos,
de mente aberta –, que me contam que é impressionante a hostilidade ao PT nas
diversas redes intranet.
Como fica
fechado, não se tem acesso, não se tem como pegá-los. Mas esses juízes
deveriam se dar por suspeitos em qualquer processo que envolvesse o PT
ou militantes do PT. Isso a que você se refere é um sentimento
ideológico não de todos os juízes, mas de importantes segmentos da
Magistratura, inclusive no Supremo Tribunal Federal.
Isso é
perigoso. Ao mesmo tempo, muito preocupante, porque o que um cidadão espera de
um juiz é, antes de mais nada, honestidade e imparcialidade. O juiz parcial é o
que pode haver de pior em termos de estado democrático de direito.
Viomundo – Como sair dessa situação,
já que a sociedade civil não tem como interferir no Judiciário?
Wadih Damous — O
momento está exigindo coragem e paciência.
Viomundo — O senhor já presidiu
a OAB-RJ, a Comissão de Direitos Humanos da OAB nacional. Portanto, tem
experiência legítima na área e competência comprovada. Esses ataques que os
parlamentares do PT e do PSOL sofreram na quinta-feira e que assistimos
diariamente contra os movimentos sociais, contra a política e contra o PT, o
senhor já tinha visto antes? Esse quadro atual tem paralelo com que
momento da história do Brasil?
Wadih Damous – Eu não presenciei nada igual. Os mais antigos
dizem que é um quadro parecido ao que vitimou o Partido Comunista Brasileiro [o
PCB, que ficou conhecido como Partidão] no final da década de 40 e na década de
50, época em que o PCB foi colocado na ilegalidade.
Agora, era um
contexto internacional, de guerra fria. Tratava-se de uma luta ideológica
que resvalou para a perseguição e a intolerância.
Mesmo
personagens daquela época, militantes antigos do Partido Comunista
Brasileiro, me contam que não viveram nada parecido com o que está acontecendo
com o PT.
Viomundo – O
senhor articulou o mandado de segurança ao STF para questionar a legalidade das
decisões pelo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Como foi a adesão
dos parlamentares?
Wadih Damous – O mandado (na íntegra, ao final desta entrevista)
foi impetrado na sexta-feira, tentando sustar o processo deliberativo
ocorrido na Câmara dos Deputados no que diz respeito ao financiamento
empresarial de campanhas. Esse mandado de segurança foi impetrado por
parlamentares de diversos partidos: PT, PSOL, PCdoB, PSB, PROS e PPS.
Foram 63
parlamentares. É um número expressivo e que revela que nem tudo está perdido na
Câmara. Mostra que há parlamentares que não admitem o autoritarismo do
presidente da Câmara dos Deputados.
Viomundo — Quais as ilegalidades
cometidas por Eduardo Cunha na votação da reforma política?
Wadih Damous – A maior ilegalidade foi ele ter posto novamente
em discussão, matéria já superada e que na noite anterior havia sido rejeitada.
Ela diz respeito à constitucionalização das doações empresariais.
O presidente
da Câmara perdeu por maioria expressiva e, no dia seguinte, por meio de numa
manobra regimental, colocou a matéria novamente em discussão, conseguindo
reaglutinar a sua maioria. Isso é uma grande ilegalidade.
O artigo
60, parágrafo 5º, da Constituição da República diz: “a matéria constante de
proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de
nova proposta na mesma sessão legislativa”.
Essa é uma
cláusula pétrea da Constituição e o presidente da Câmara a violou.
Viomundo – Os senhores pretendem
entrar com outras ações se houver novas manobras do gênero?
Wadih Damous — Toda vez que o presidente da Câmara
atropelar o regimento da Casa ou a Constituição haverá uma reação da nossa
parte dentro dos marcos do estado democrático de direito, que é procurar o
poder judiciário.
Viomundo – O presidente da Casa
está enxovalhando o Parlamento. Desrespeita a Constituição. Trata com
autoritarismo os seus pares. Os deputados agem assim por medo do Eduardo
Cunha? Eles não estão sendo cúmplices das arbitrariedades cometidas?
Wadih Damous — Não é só medo, não. É cumplicidade. Eles são
aliados. O Eduardo Cunha atende aos interesses de boa parte da Câmara dos
Deputados. Boa parte pensa como ele pensa, age como ele age, e se
identifica com os métodos dele.
Viomundo – Militantes
de inúmeras organizações e movimentos sociais foram impedidos de entrar na
Câmara para assistir aos debates da reforma política. Por que o Eduardo Cunha
age assim?
Wadih Damous – Exercício de puro autoritarismo. O deputado
Eduardo Cunha não aceita agrupamentos e pessoas que pensam diferente
dele. Mas permite a entrada de grupos fascistas.
Ele permite
que integrantes da Força Sindical joguem cédulas de dinheiro na votação do
ajuste fiscal, mas não permite a entrada da CUT, dos trabalhadores rurais…Isso
é autoritarismo.
Viomundo — O que a sociedade civil
pode fazer diante disso, doutor Wadih?
Wadih Damous –Denunciar,
denunciar, denunciar. E perseverar, não desistir, até que um dia isso mude. Não
há nada mais a fazer a não ser isso nesse momento.
Viomundo – Gostaria de acrescentar
mais alguma coisa?
Wadih Damous – Na quinta-feira, eu usei o microfone do Plenário
da Câmara e falei por três minutos. Vou repetir aqui o que disse lá.
Eu entendo que
o parlamento foi concebido para ser uma casa de debates. E qualquer
parlamento numa democracia estável se caracteriza pela pluralidade da sua
composição. Lá tem direita, esquerda, empresário, trabalhador, católico,
protestante, umbandista, evangélico.
Isso significa
que o parlamento e os seus integrantes devem ter tolerância em relação às
diferenças. Então o parlamento não pode ser uma casa de xingamento, uma
casa de agressão física, agressão moral por mais duros que sejam os debates.
Eu estou indo
para a Câmara com esse espírito. O de debater projetos de interesse do país, e
não ficar xingando, apontando o dedo em riste, como acontece hoje, xingando o
colega de corrupto, ladrão, disso e daquilo.
E vou defender
também as bandeiras que, ao longo da minha vida, venho defendendo. Vou defender
os direitos humanos, a ordem jurídica do estado democrático de direito, os
princípios da Memória, da Verdade e da Justiça na apuração dos crimes da
ditadura.
Então, tudo o
que vinha fazendo na advocacia, na presidência da OAB, na Comissão da
Verdade, eu vou fazer na Câmara.
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Abração
Dag Vulpi