Recontando
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A Onça estava quietinha no seu canto
quando lhe apareceu o compadre Lobo, que logo foi lhe dizendo:
— Comadre Onça, com o perdão da
palavra, você não é o bicho mais valente e destemido que existe neste mundo,
nem o Leão, com toda a sua prosa dos reis dos animais.
— Como assim? Berrou a Onça enfurecida.
Quem é esse bicho mais valente e poderoso que eu?
O Lobo amaciando a voz respondeu:
— Ó comadre, me perdoe. Já estou
arrependido de dizer tal coisa... Mas minha intenção era apenas preveni-la de
um bicho terrível que apareceu nesta paragem.
— Bem... Você não deixa de ter alguma
razão, retrucou a Onça, mais sossegada. Mas quero saber o nome desse bicho.
Como se chama?
— Esse bicho, comadre, chama-se homem,
conforme me disse o papagaio. Em toda a minha vida, nunca vi um bicho mais
valente. Ele sim e mais ninguém é o rei dos animais. Basta dizer, que de longe,
o vi matar, com dois espirros, nada menos do que um jacaré dos grandes. Ih!
Comadre, com o estrondo dos espirros parecia que tudo ia pelos ares. Deus me
livre!
— Oh! Compadre, não me diga!
— É como lhe conto. E o que mais me
deixa admirado é o bicho-homem ser tão baixinho que parece ser fraco; além
disso, é mal servido de unhas e dentes.
— Pois bem, compadre, fiquei
curiosa. Quero que me leve, sem demora, ao lugar onde se encontra tal
animal.
— Ah, comadre, peça-me tudo menos isso.
Você nem imagina os estragos que ele fez com seus malditos espirros. Não me
atreveria a tal aventura.
— Pois queira ou não queira, vai me
mostrar o bicho, ou então não sairá daqui com vida.
— Está certo, disse o Lobo amedrontado.
Iremos. Mas temos de tomar todo o cuidado possível. Eu — com sua licença —
posso correr mais que a senhora. Assim, levaremos um cipó, daqueles que não arrebentam
nunca. Amarro uma das pontas no pescoço da comadre e a outra em minha cintura.
Em caso de perigo, se for preciso fugir, a comadre e eu corremos...
— Fugir! Veja lá o que diz! Você já
viu, seu “cagão”, alguma vez onça fugir?
— Não me expliquei bem. Eu é que
fugirei. A comadre será apenas arrastada por mim. Isso não é fugir. Está certo?
— Está bem. Faremos como quer.
Partiram. A Onça com o cipó atado no
pescoço, e o Lobo muito respeitoso e tímido, a puxá-la.
Quando chegaram ao destino, o
“bicho-homem”, surpreendido, ao avistá-los, tirou da cinta a garrucha e lascou
fogo, isto é, espirrou, uma, duas vezes, foi um estrondo dos diabos.
O Lobo, então, mais que depressa,
disparou numa corrida desabalada, empenhando um enorme esforço para arrastar a
Onça pelo cipó “que tinha atado no pescoço dela”.
De repente, já muito distante, sentiu
que a Onça estava mais pesada. Então parou, e contemplou a companheira
estendida no chão, com os dentes arreganhados, sem o mais leve movimento.
O Lobo sem perceber que a Onça tinha
morrido enforcada no laço do cipó, mas pensando que apenas estivesse cansada,
disse-lhe tremendo que nem vara verde:
— Eh, comadre! Não ri, não, que o
negócio é sério. ®Sérgio.
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Dag Vulpi