As pequenas vantagens de virtudes grandemente subestimadas, analisadas por quem entende tudo do assunto, desde sempre.
Por Juliana Linhares na Veja 14/08/2014
Editado em 22/08/2022 por Dag Vulpi
(Favor considerar o mês de agosto e o ano de 2014 para as referencias temporais)
A vida em estado natural: "Solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta"
Engana-se quem pensa que civilidade é uma matéria relacionada a senhores pomposos e mesas cobertas de talheres esquisitos. Mas é verdade que o tema foi tratado por cavalheiros com quilometragem de pelo menos alguns séculos. Tudo o que disseram, porém, sobre a necessidade de convenções sociais para promover a boa convivência e administrar conflitos permanece de urgente contemporaneidade. Quando Schopenhauer, o gigante da filosofia alemã do século XIX, dizia que as pessoas deveriam seguir o comportamento do porco-espinho - se fica muito perto de seus pares, morre espetado; se fica muito longe, morre de frio -, não estava pensando no uso do telefone celular em público, mas bem que poderia. Thomas Hobbes, um dos gênios do pensamento político produzidos pela Inglaterra, constatou no século XVII que em estado natural, sem as construções sociais, "a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta". Em outras palavras, um congestionamento em São Paulo em dia de chuva. Por isso, emergem leis necessárias, entre as quais que "os homens cumpram os pactos que celebrarem" (e não parem em fila dupla, por exemplo) e "não declarem ódio ou desprezo pelo outro por atos, palavras, atitude ou gesto" (e não façam perfis falsos na internet). Especialistas em ética, comportamento e controle dos monstros interiores fazem análises e sugestões nesse pequeno manual das virtudes da civilidade. Todo mundo pode aprender - e até lucrar com elas. "O stress é causado em grande parte por relacionamentos humanos mal resolvidos. Se melhorarmos a capacidade de nos relacionar, teremos menos brigas, menos stress e, consequentemente, menos processos e pessoas doentes", diz o italiano Piero Massimo Forni. Professor da Universidade Johns Hopkins e um dos maiores especialistas mundiais no estudo da civilidade, ele até calculou o custo da falta dela nos Estados Unidos: 30 bilhões de dólares por ano. Já pensaram se ele conhecesse o Congresso brasileiro?
1. Questão de honra
Houve um tempo em que tudo girava em
torno dela: ter honra era ser um legítimo membro da tribo; não ter, preferível
morrer. O conceito de honra, na sua interpretação mais tradicional, nasceu na
Grécia antiga, foi remodelado em Roma e reemergiu na Idade Média. "Na
época feudal, a honra era uma qualidade atribuída aos nobres, essencialmente
guerreiros, cuja função social era proteger o rei, as crianças e as
mulheres", diz Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp.
Hoje, a HONRADEZ pode ser mais relacionada à fidelidade aos próprios
princípios ou ao próprio eu. Ou, no popular, ter vergonha na cara. É por isso
que o tribunal da própria consciência continua a pesar mesmo quando se alega
que "todo mundo faz", a começar dos "caras lá de cima",
então "que mal tem" em levar a avozinha para passar na frente na fila
de comprar ingresso, desrespeitar a precedência na hora de pegar uma vaga no
estacionamento do shopping ou deixar uma toalha guardando lugar o dia
inteirinho na espreguiçadeira da piscina disputada? O mal, evidentemente, está
em desprezar a própria dignidade.
O fato
É difícil imaginar exemplo mais
completo de desonra que o do piloto NELSON PIQUET JÚNIOR. Ameaçado de
demissão da escuderia Renault, ele confessou bem a posteriori ter concordado em
fraudar o Grande Prêmio de Fórmula 1 de Singapura no ano passado. A certa
altura da corrida, para facilitar a situação de seu companheiro de equipe,
Fernando Alonso, Nelsinho recebeu a ordem de bater seu carro contra um muro.
Obedeceu. Os privilégios de nascimento - bonito, rico, sobrenome famoso -
agravam o tamanho da indignidade cometida contra si mesmo e do mau exemplo dado
à sociedade.
A análise
"Ser honrado, hoje em dia,
significa ser portador de exemplaridade para uma comunidade. E, para ser
exemplo, o sujeito precisa ser probo em todos os aspectos da vida dele. Não
basta, por exemplo, ser só bom médico ou bom piloto. É preciso ser bom pai, bom
marido, um sujeito respeitoso e incorruptível", diz o cientista político
Bolívar Lamounier.
2. Os intransigíveis
O conceito de INTEGRIDADE tem
raízes na Grécia antiga, onde o sujeito íntegro era chamadoaplos, uma peça
só - projetando com esse nome a imagem de inteireza, de alguém que não tem duas
palavras, duas lealdades. "Não é íntegro aquele que transige em valores
inegáveis de uma sociedade", diz Bolívar Lamounier. Integridade é não
abusar do poder, não desmerecer os outros, não tripudiar. E também outras
interdições mais prosaicas: não se esgueirar melifluamente na fila de embarque,
não "deixar o carro aqui só um minutinho", não dizer que vai atender
"só esta chamada" no meio da refeição compartilhada e não começar
nenhuma piada dizendo "esta é politicamente incorreta" caso você não
trabalhe no Casseta & Planeta.
O fato
Ele já deixou a primeira-ministra alemã
Angela Merkel esperando enquanto falava ao celular, já passou cantada numa
médica entre ruínas de um terremoto e já fez piadinha racista com Barack Obama
(é "bonito e bronzeado", disse). Mas será que o primeiro-ministro
italiano SILVIO BERLUSCONI também tem o direito de fazer o que quiser
quando está na sua casa - como promover orgias e contratar prostitutas?
A análise
"O conceito de integridade não
pode ser aplicado a Berlusconi porque ele não tem essa inteireza. Teria de
apresentar um comportamento probo, imaculado, uma vez que deve espelhar o que
há de melhor na sociedade. Mas o que prevalece nele é outra faceta, a de quem
se movimenta com escracho, sem respeitar a liturgia que o poder exige",
diz Bolívar Lamounier.
3. Obrigado, por favor
Um dos maiores especialistas do mundo
no estudo da civilidade, Piero Massimo Forni acredita que as BOAS
MANEIRAS não apenas não são coisa de um passado mítico de galanteria, mas
ficaram mais importantes ainda na vida contemporânea. "Até umas três
gerações atrás, boa parte da sustentação emocional e material das pessoas vinha
dos familiares. Hoje convivemos muito mais com amigos e desconhecidos, e, nesse
caso, ser afável é uma vantagem", explica. "A cortesia melhora a
autoestima da pessoa a quem ela foi dirigida e, dessa maneira, torna as
relações sociais menos tensas", concorda Renato Janine Ribeiro, professor
de ética e filosofia política da USP. A regra geral, e não escrita, de decência
estabelece que todos devem ser tratados com os requisitos básicos de cortesia -
"bom dia", "por favor", "obrigado" e "até
logo" -, os quais devem ser redobrados em relação a quem ocupa posições
menos destacadas. Ignorar a existência de quem presta serviços como trazer o
seu carro ou limpar a sua sala é prova de insensibilidade. Ou boçalidade.
O fato
A atriz MEGAN FOX, 23 anos, é
infernalmente bonita - e mal-educada. O pessoal técnico que trabalhou com ela
em Transformers deu exemplos: ela chega ao estúdio sem cumprimentar
ninguém, reclama de tudo, tem ataques de estrelismo e não dirige a palavra aos
que considera hierarquicamente inferiores. Mesmo no caso dos superiores, como o
diretor Michael Bay, já disse "É um Hitler" - ofensa hedionda, embora
o pessoal ache que ela não sabe exatamente quem foi Hitler.
A análise
"A agressão verbal penetra no
fundo da alma de quem é atingido por ela. É tão, mas tão grave que tem até
punição prevista em lei. Um dos exercícios que proponho para identificarmos se
tal ato é uma incivilidade é ver se é possível todo mundo praticá-lo ao mesmo tempo
sem que o mundo vire uma barbárie, com todos matando a todos", diz Roberto
Romano.
4. Desafio diário
Na hora da raiva, das bravas, qual é o
primeiro xingamento que lhe vem à cabeça? Em geral, nesses momentos o ser
humano não é criativo e invoca diferenças de comportamento sexual, de origem
familiar ou de grupo étnico. Pois o treinamento da aceitação das diferenças
deve começar exatamente por aí. De todas as virtudes do campo da civilidade,
a TOLERÂNCIA é a que mais exige autoaprendizagem. Quem acha que
nunca, jamais conseguirá cumprimentar um torcedor do time adversário pode
começar com coisas mais simples, como não ter espasmos visíveis diante do abuso
do gerúndio ou prometer a si mesmo ao sair de casa que pelo menos naquele dia
não vai comparar nenhuma mulher à fêmea de uma famosa ave natalina.
"Tolerância tem a ver com comportamentos diferentes daqueles que
valorizamos e pelos quais temos repugnância. Exercê-la é importante não só para
a convivência social como para a sanidade mental", diz Bolívar Lamounier.
O fato
Não é qualquer um que consegue fazer o
país inteiro se solidarizar com um integrante do governo. Mas também não é
qualquer um que usa o palavreado do governador de Mato Grosso do Sul,ANDRÉ
PUCCINELLI, em relação ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc:
"Ele é v... e fuma maconha. Se viesse aqui, eu ia correr atrás dele e
estuprar em praça pública". Para piorar, veio depois o típico pedido falso
de desculpas: "Se alguém se sentiu ofendido...". Desafio aos
tolerantes urbanos: não achar que todo produtor rural é um brutamontes
destruidor da natureza.
A análise
"O governador foi desmascarado em
seus preconceitos mais bestiais. Em um momento em que se luta tanto contra
discriminações, sejam elas de gênero, sejam sociais, o governador mostrou que
não tem equilíbrio mental nem competência profissional para estar no cargo que
ocupa", fulmina o cientista político Gaudêncio Torquato.
5. Bateu, não levou
Levar uma fechada, ouvir uma buzinada
milésimos de segundo depois que o sinal abre, esperar que o manobrista pegue o
carro largado na sua frente com a maior displicência. O stress e o anonimato
propiciados pelo trânsito nas grandes cidades se combinam para testar o tempo
todo os limites do AUTOCONTROLE. Para não se transformar num ser
desatinado em busca de vingança, só existe uma reação possível: olhar tudo
aquilo de um ponto de vista distanciado - ou, se preferir, superior.
"Podemos aliviar a raiva tomando distância do que está acontecendo. Alguém
me xinga, por exemplo, e eu reajo como se a ofensa fosse um pacote que recebo e
devolvo fechado, porque não me considero o destinatário. O ato de grosseria
está relacionado com o estado mental do agressor, não com o do agredido",
ensina Piero Forni. Quem acha que tem temperamento forte, sangue quente ou
pavio curto, e usa essas expressões para justificar comportamentos agressivos,
deve considerar a hipótese oposta. "A pessoa que não controla a
agressividade no fundo tem ego fraco", explica a psicóloga Lidia Aratangy.
O fato
Eles estavam numa festa, discutiram.
Entraram no carro, gritaram. Pararam, ela pegou a chave e jogou pela janela.
Que briga de namorados já não passou por esses estágios? A diferença no caso
infeliz do rapper americano CHRIS BROWN, 20 anos, é que ele não teve
autocontrole para impedir que a raiva se transformasse em agressão - e
arrebentou brutalmente o rosto da cantora Rihanna, 21. E ainda disse no dia
seguinte que todo mundo iria saber quem "era ela de verdade". A
partir daí, os profissionais de imagem assumiram e ele pediu desculpas duas
vezes, sem muita convicção. Foi condenado a cinco anos em regime de liberdade
vigiada e 180 dias de trabalho comunitário.
A análise
"A única maneira de uma pessoa de
pavio curto adquirir autocontrole é ela tomar a decisão, de maneira íntima e compromissada,
de não agir com violência diante de uma situação de stress", diz o
cientista político Rubens Figueiredo. Quem já atingiu o limiar da agressão
física deve parar - de dirigir, por exemplo, ou de beber - até se reprogramar,
com ajuda profissional se necessário.
6. Respeito é bom
O termo CIVILIDADE vem da
palavra civitas, que quer dizer cidade. Tem civilidade, portanto,
aquele que sabe viver em sociedade, um sistema refinado ao longo dos tempos. No
século XVI, por exemplo, o filósofo holandês Erasmo escreveu uma espécie de
manual de comportamento. "Ele explicava que não devemos cuspir à mesa nem
na mesa, nem beber a sopa direto da sopeira, nem colocar as botas em cima da
mesa. Soaria estranho fazer isso hoje, mas houve um tempo em que os nobres
precisaram ser educados para melhorar seus modos", diz Renato Janine
Ribeiro. Na construção da sociedade ocidental, o mesmo conceito que abrange
algo aparentemente acessório, como os bons modos à mesa, inclui o complexo
mecanismo do respeito entre as pessoas, base das relações civilizadas. "Hoje,
o que entendemos como a ideia central da civilidade é justamente o respeito
pelos outros. Os bons modos mostram a nosso próximo que temos estima por
ele", diz Ribeiro. Roberto Romano propõe uma pergunta simples para aplicar
o conceito de civilidade em diferentes situações da vida cotidiana: o que posso
fazer pelo outro para que a vida de todos seja suportável?
O fato
Desprezar o conceito de serviço
público, legislar em causa própria, fazer nepotismo cruzado, usar recursos não
contabilizados e mentir muito. Todo mundo já percebeu de quem estamos falando.
Mas fazer tudo isso e ainda esfregar na nossa cara? Em maio passado, o
deputado SÉRGIO MORAES (PTB-RS) se irritou com jornalistas que
cobravam dele posição mais rigorosa sobre o caso do colega do castelo de 25
milhões de reais nunca declarados e tripudiou: "Eu estou me lixando para a
opinião pública. Até porque a opinião pública não acredita no que vocês
escrevem. Vocês batem, batem, e nós nos reelegemos mesmo assim". A ofensa
em escala nacional não abalou o senhor Moraes. "A mídia distorceu a minha
fala. O que eu quis dizer é que eu não ia mentir, como a mídia queria",
insiste. E reincide: "Não fui deselegante com ninguém, não me arrependo e
tenho muito orgulho do que eu disse".
A análise
"O deputado desrespeitou quem
votou nele, desrespeitou seu cargo, desrespeitou quem escutou aquela
declaração. O perigo mais evidente nesse tipo de situação é o comportamento
mimético. As pessoas pensam: se o deputado rouba, por que eu não posso roubar?
Se ele fala essas coisas, por que eu tenho de me esforçar para ser
educado?", diz Gaudêncio Torquato.
7. Fora, trapaceiros
Todo mundo quer se dar bem, mas, se
fizer qualquer coisa para conseguir isso, o mundo todo vai acabar mal. Não é
preciso nem voltar ao estado natural, ou hobbesiano, da guerra de todos contra
todos para entender a necessidade de um conjunto de regras comumente aceitas e,
dentre elas, a importância da HONESTIDADE. Seja pagar pelo gabarito da
prova do Enem, seja levar comissão em obras públicas, quem faz trapaça está
roubando um pouco de cada um, não só em termos materiais, mas principalmente
pela infração ao pacto social através do qual contemos nossos instintos mais
selvagens em troca das garantias da civilização. "Na sociedade ocidental
cristã, a figura do trapaceiro é uma das mais odiadas. A trapaça fere várias
convenções sociais, entre elas a obediência às regras e a honradez", diz
Roberto Romano.
O fato
Mesmo no universo dos grandes ladrões,
a tungada de BERNARD MADOFF, 71 anos, estabeleceu novos parâmetros de
desonestidade. Madoff conseguiu tirar dinheiro de gente que entendia tudo do
assunto, mas também limpou viúvas, instituições de caridade, parentes e amigos.
A pirâmide financeira que presidiu sugou 65 bilhões de dólares de quase 5 000 enganados.
Faltando poucos dias para ser preso, quando todo o esquema já havia ruído, ele
ainda conseguiu arrancar 250 milhões de dólares do homem a quem dizia ter como
pai, o venerando empresário Carl Shapiro, de 95 anos, dando um novo sentido à
expressão roubar velhinhos.
A análise
"O efeito de uma desonestidade
cometida por uma figura conhecida, bem-sucedida e querida pode virar um
problema enorme. Nem todas as pessoas vão ver a desonestidade que não deu certo
como um ato necessariamente ruim, passível de restrição moral. A interpretação
de muitos é que o erro pode não ter sido o ato, mas o fato de aquele sujeito
conhecido, bem-sucedido e admirado não ter conseguido se safar", diz o
sociólogo Demétrio Magnoli.
8. Dobre a língua
A cultura da permissividade tem enormes
vantagens - a começar, naturalmente, pelo abrandamento dos costumes
repressivos. A contrapartida também é evidente: a ideia disseminada de que cada
um pode, e até deve, fazer e falar o que quiser, mesmo que isso invada o espaço
alheio, incluindo os ouvidos. Não dizer o que dá na bola é diferente de contar
mentiras. No primeiro caso, quem usa da CONTENÇÃO VERBAL está
obedecendo ao mecanismo de freios sociais pelo qual as opiniões próprias são
atenuadas de forma a não ofender os sentimentos alheios. No segundo, a verdade
é falsificada para tirar algum proveito, nem que seja promover a própria e
engrandecida imagem. Quem acha que tem de "pôr para fora" tudo o que
pensa e até invoca o pensamento mágico ("Assim não vou ter infarto")
na verdade não está no comando de si mesmo. "Viver em sociedade implica
abrir mão de certas selvagerias para obter a proteção social que vem da vida em
conjunto", diz Roberto Romano. "Nesse contexto, a má-educação, a
ganância desmedida, a negligência ao outro, são todos fatores de desagregação
social."
O fato
Quando MARTA SUPLICY era
ministra do Turismo e disparou o infame "relaxa e goza" para os
infelizes vitimados pelas longas esperas nos aeroportos, obedeceu a imperativos
próprios: ter papas na língua era o equivalente a viver uma vida de
insuportável repressão, como pregava uma tendência psicanalítica dos anos 70.
Resultado: passou imagem de arrogância pela classe a que pertence, prepotência
pelo posto que ocupava e, incrivelmente para uma pessoa com seu histórico,
machismo virulento pela comparação.
A análise
"Na política, alguém que fala o
que quer e, principalmente, com um nível de agressividade alto está querendo
dizer que é dono da verdade absoluta", analisa Demétrio Magnoli. "Na
esfera privada, quem fala o que quer e não se preocupa com o que o outro pensa
e sente, além de ser profundamente incivilizado, não permite que uma
divergência seja resolvida. O diálogo é cortado antes que produza frutos."
9. Sinto muito, mesmo
Pressa, pressão, prazos - tudo na vida
contemporânea conspira para que o tratamento civilizado seja atropelado mais
cedo ou mais tarde. Para isso existe um remédio universal: PEDIR
DESCULPAS. O arrependimento sincero, aquele cuja intenção seja menos
aliviar a consciência do ofensor e mais dar uma satisfação moral a quem foi
ofendido, é um lenitivo de eficácia comprovada através dos tempos. Só os seres
altamente evoluídos se desculpam com classe e naturalidade, mas os demais - ou
seja, todos nós - também podem desfrutar o sentimento de paz interior que essa
atitude desencadeia. É só treinar direitinho. Quanto ao momento e ao método
corretos para pedir desculpas, gente com os mecanismos psíquicos em estado de
bom funcionamento tem um "vergonhômetro" infalível. "É aquele
sangue que sobe ao rosto quando fazemos algo errado, e que sinaliza o respeito
pelo outro", diz Roberto Romano. "Sem isso, o pedido de desculpas não
vale."
O fato
A moral sexual é, evidentemente,
assunto de foro íntimo, mas trair a mulher e tentar faturar em cima disso vira
um caso flagrante de ofensa social. Ainda por cima fingindo falso
arrependimento, como fez o apresentador americano DAVID LETTERMAN, 62
anos, ao contar piadinhas para confessar que teve casos com funcionárias e que
estava divulgando o fato porque alguém que sabia da prática ameaçou
chantageá-lo. Só uma semana depois ele se lembrou de pedir desculpas,
esfarrapadíssimas, à mulher. A audiência foi às alturas.
A análise
"Ao fazer humor com o ocorrido,
ele quis banalizar seu erro e, assim, ser perdoado", diz Rubens
Figueiredo. "O pedido de desculpas deve mostrar que você está ciente de
que o que fez foi errado, e que magoou a outra pessoa. Buscar justificativas
tortuosas para o ato demonstra negligência em relação aos sentimentos do
outro", completa Piero Forni.
10. A casa comum
O comportamento decoroso surgiu na
Igreja Católica, a partir da vestimenta dos padres e das freiras, sempre igual
em qualquer ambiente e feita para cobrir tudo de forma a não atentar contra o
pudor próprio ou alheio. "Com o tempo, o DECORO das vestimentas
passou para a linguagem e as atitudes. A fala decorosa é aquela que diz o que
tem de dizer sem adular ou ferir. O comportamento decoroso é aquele que não
ofende os outros, que não agride, que não é exibicionista ou apelativo",
explica Roberto Romano. Pequenos atentados cotidianos ao decoro incluem urrar
ao celular em ambientes confinados, ignorar solenemente aquilo que seu cãozinho
faz na calçada e ouvir música nas alturas porque "a casa é minha".
Ter decoro é entender que a casa é um pouco de todos.
O fato
Lady Kate, personagem da atriz KATIUSCIA
CANORO no programa Zorra Total, é exibida, decotada e exagerada,
adora gastar o dinheiro de um certo senador que convenientemente nunca aparece
e, diante de qualquer obstáculo que surge, repete o bordão: "Tô pagando".
Na personagem, é engraçado; na vida real, é execrável.
A análise
"Uma vez conscientes de que a vida é uma experiência baseada nas relações, temos de ter em mente que os desejos das outras pessoas são tão válidos quantos os nossos. Isso significa que, ao perseguir nossos objetivos, precisamos ter certeza de que estamos sendo justos com os outros. O decoro nos ajuda a ajustar essa medida", diz Piero Forni.
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