Introdução[1]
[1]Este texto foi desenvolvido para o Seminário Reforma Política – O Estado Democrático Passado a Limpo, promovido com o apoio do Tribunal Regional Eleitoral (Escola Judiciária Eleitoral), a FIRJAN e o IAB, a partir de subitem do capitulo sobre A OAB e o Estado de Segurança Nacional da Tese de Doutorado de Aurélio Wander Bastos, intitulada A Ordem dos Advogados e o Estado Democrático no Brasil. IUPERJ/UCAM. 2007.
As
Assembleias Constituintes não tomam o poder, mas (re)organizam o novo Estado,
(re)compõem os fatores reais de poder, mas têm como motivação essencial
(re)ordenar o funcionamento das instituições, promulgando uma (nova)
Constituição. Neste sentido, a preocupação essencial deste “escrito” não foi
estudar as formas de tomada de poder, mas demonstrar as alternativas possíveis
à realização de uma Assembleia Constituinte, sem que ficasse o trabalho
presidido por qualquer sistematização rigorosa, evitando construir uma
tipologia de Assembleias Constituintes (e conceituando-as), mas indicando estes
especiais tipos no seu desenvolvimento, especialmente no contexto histórico
brasileiro.
O
paper está subdividido em 4 (quatro) partes discursivas que versam sobre o
conceito de Assembleia Constituinte, sobre a evolução histórica do quadro das
constituintes brasileiras, sobre a constituinte exclusiva e sobre a Constituição
atual, a natureza da Assembleia Constituinte exclusiva. Estas subdivisões, na
verdade, não visam exatamente a contribuir para uma teoria da Assembleia
Constituinte exclusiva, nem muito menos da Assembleia Constituinte, mas procura
sistematizar, para demonstrar historicamente, as suas dificuldades concretas,
de realização sem, com isto, desprezar, finalmente, a partir da diferença da
práxis constituinte brasileira, a Constituinte exclusiva, como tipo ideal
racional[2] ,
no contexto de suas possibilidades de realização, inclusive no âmbito da
Constituição vigente.
[2] WEBER,
Max. Economia e Sociedade. Brasília. Ed. UnB. São Paulo: Imprensa Oficial de
São Paulo, 1999. Este autor desenvolve e especialmente colabora para a
formatação dos tipos ideais de dominação a partir da teoria da legitimidade,
também mais tarde compartilhada com Carl Schmitt, que, a estudou comparadamente
com a teoria da legalidade formal (racional) in Legalidad y Legitimidad.
Madrid, Aguilar. 1971.
O
autor da clássica teoria da Assembleia Nacional Constituinte Joseph Emmanuel.
Sièyès[3]
,editada em livro durante a Revolução Francesa, definiu que
elas nascem de forças políticas paralelas mais fortes do que as forças
políticas instituídas. Estas forças emergem de revoluções vitoriosas, que prenunciam novos propósitos
de organização política ou de dissensões institucionais, que refletem
reinclinações parlamentares que se constroem dentro do próprio poder
constituído contra as frações dominantes hegemônicas[4].
A Assembleia Constituinte é um ato político extremo contra a ordem constituída
com o objetivo de reordenar a legalidade instituída, para os constituintes,
corroída pela ilegitimidade representativa.
[3] SIEYÈS, Joseph Emmanuel. A
Constituinte Burguesa Qu’est-ce que le Tiers Etat? Organização e Introdução
Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Liber Juris. 1988 (2ª ed.)
[4] Ver o conceito de fração
hegemônica desenvolvido por Antonio Gramsci in FERREIRA Marici Harlene de Lara.
Sociedade civil, hegemonia e democracia. Edição: Câmara Brasileira de Jovens
Escritores.
Todavia, muitas
são as circunstâncias em que a proposta constituinte evolui de movimentos
políticos paralelos, deslocados das órbitas do poder ou de movimentos
revolucionários que se posicionam radicalmente contra o poder constituído, ou
por sua força insurrecional ou pelas suas características militares. Não é
comum, por outro lado, que frações políticas ou militares da própria ordem se
arvorem de poder revolucionário constituinte e do poder reconstruam o poder,
mas a história nunca se encerra inexoravelmente em seus próprios limites,
deixando sempre em aberto novos espaços criativos e especulativos.
Nem sempre,
todavia, os movimentos revolucionários ou insurrecionais politicamente
vitoriosos evoluem para assembleias constituintes destinadas a “constituir” uma
nova Constituição ou nova ordem jurídica, sendo mais provável que se fechem no
poder e governem autocraticamente e, muitas vezes, pelos seus próprios
desígnios, outras pela absoluta falta de ambiente político circunstancial
receptivo à mudança. Nestes casos, é provável que o quadro evolua
entropicamente[5] e o movimento vitorioso submirja
nas suas próprias circunstâncias ou por pressão externa, provocando novas
ebulições e novas acomodações.
[5] O conceito de entropia está
vinculado ao conceito de fechamento funcional que necessariamente exige
mudanças ou adaptações para restaurar os fluxos de poder ou decisão. BASTOS,
Aurélio Wander. Conflitos Sociais e Limites do Poder Judiciário. Rio de Janeiro.
Lúmen Júris 2002. 2ª. edição
Estas especiais
situações, finalmente, demonstram, que, por estas razoes muito dificilmente na
historia dos povos as constituintes tiveram uma natureza essencialmente
exclusiva, ou seja, foram promulgadas como Constituição que traduzisse o puro e
explicito projeto ideal-racional, assim como, as frações vitoriosas hegemônicas
não apenas, quase sempre, buscaram fórmulas possíveis de fazer de seu poder
constituinte exclusivo e limitado um poder terminal, que exprimisse o seu
próprio projeto de interesses, procurando fazer da (sua) nova Constituição
pressuposto continuista do próprio poder, convertendo as constituintes
exclusivas em parlamentos ordinários.
2.
Da Constituinte na História Brasileira[6]
[6] RODRIGUES, José Honório.
Conciliação e Reforma no Brasil. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1965,
onde, não propriamente, o autor faz um estudo da linha histórica do tempo
constituinte, mas, com inteligente perspicácia trabalha a questão da
conciliação como pressuposto “atávico” (sic) da historia política brasileira.
Ver também, de BASTOS, Aurélio Wander. Formação Eleitoral do Estado Brasileiro.
São Paulo. USP/FFLCH. 1983. (texto preliminar de Doutoramento)
A história
brasileira tem demonstrado que poucas foram as situações em que as forças
dominantes nos movimentos paralelos vitoriosos contra o poder instituído
convocaram exclusivamente a sua própria constituinte. O clássico exemplo desta
situação ocorreu com a proclamação da independência (1822), que sucedeu à
convocatória da Assembleia Constituinte de 1823, quando os próceres da
independência, aliados aos exportadores brasileiros, tiveram o seu projeto de
Constituinte (dos Andradas) imediatamente abortado ou sufocado para terminar
numa Constituição outorgada pelo Imperador (1824), numa visível composição com
as elites do Estado colonial moribundo e as elites comerciais metropolitanas.
Nem muito menos vivemos situação mais ousada com a proclamação da República
(1889), desmobilizada, senão pelos seus próprios áulicos, que a formataram como
Decreto presidencial em 1889, transformado em Constituição, submetidos aos
oligarcas dos baronatos transmudados. [7]
[7] O mais expressivo estudo sobre
este tema no Brasil, inclusive, sobre as relações entre o exercício do poder e
as normas eleitorais é de LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Rio de
Janeiro. Ed. Nova Fronteira. 1997.
As frações
republicanas e positivistas de Benjamin Constant e da Escola Militar, na
verdade, aliadas às próprias forças militares da ordem imperial evoluíram para
um Congresso Constituinte, que menos apreciou o projeto republicano positivista
(ideal racional), exceto na sua figuração gráfica, do que a proposta
presidencial de profunda vocação federalista, o que permitiu a recomposição do
grande condomínio oligárquico que sobreviveu intacto até 1926/30. Os efeitos do
positivismo mais se restringiu aos símbolos nacionais, e à formação militar,
exceto sua interferência sobre a especialíssima Constituição do Rio Grande do
Sul, ficando fortalecido o federalismo como projeto de descentralização do
velho estado unitário imperial.
Historicamente o
mais expressivo movimento constituinte brasileiro evoluiu da Revolução de 1930,
liderada por Getúlio Vargas, herdeiro do positivismo castilhista dos gaúchos,
aliado ao corporativismo teórico, para reconstruir o Estado brasileiro corroído
pelas fraudes eleitorais oligárquicas que se transformaram na negação dos
próprios propósitos republicanos, não sem antes, todavia, buscar na própria
ordem instituída os mecanismos corretivos da desordem. A Revolução de 1930,
neste sentido, é o mais lídimo exemplo brasileiro que evoluiu para uma Assembleia
Constituinte, não sem antes, todavia, ainda na força de sua ação vitoriosa,
editar o Código Eleitoral (1932), que alterou, previamente, como experiência
única no Brasil, antes da convocatória constituinte, como efetivo ato
revolucionário, profundamente a correlação entre as frações (fatores) reais de
poder, preservando a linguagem de Fernand Lassale.
[8]
[8] LASSALLE, Fernand. A Essência da
Constituição. (Uber die Vertassung). Organização e Prefacio de Aurélio Wander
Bastos. Rio de Janeiro. Lúmen Júris. 2000 (5ª ed.). Neste livro o
social-democrata alemão, contemporâneo de Karl Marx, entende que os fatores reais
de poder são exatamente aquelas forças que entre si se compõe para o exercício
do poder, podendo evoluir do grande capital para forças militares ou, até
mesmo, frações de classes sociais, exceto, é claro, segundo ele, o
proletariado. A historia intelectual tem demonstrado que o conceito de fatores
reais de poder, modernamente, tem sido utilizado mais amplamente, para designar
alianças que não necessariamente estão comprometidas com as estruturas
econômicas privadas.
É neste quadro,
todavia, que vamos encontrar um dos mais lídimos exemplos das dificuldades para
a implantação de uma Assembleia Constituinte exclusiva, principalmente porque o
Código Eleitoral de 1932 rompera com a velha ordem oligárquica, muito embora,
todavia, não se aliara às forças revolucionarias os movimentos operários
emergentes, o próprio Partido Comunista criado em 1922 e, nem muito menos os
remanescentes da Coluna Prestes. A resistência da oligarquia paulista,
conhecida como movimento constitucionalista, (1932/33) acabou provocando o
pacto de recomposição entre as forças oligárquicas revolucionarias de Getúlio,
permeadas pelo intelectualismo corporativista, e as velhas oligarquias
exportadoras, que, não impediram, todavia, a modernização da ordem econômica e
do Estado, mas inviabilizaram o projeto de uma Constituinte exclusiva à medida
que votaram a sua continuação, por via indireta, no poder mantendo-se no
exercício dos seus próprios mandatos parlamentares o que viabilizou a
sobrevivência de Getúlio como Presidente e inviabilizou a Constituição de 1934
sufocada pela Constituição do Estado Novo de 1937.
Os acontecimentos
mais recentes indicam que muitas foram às situações em que o próprio poder
constituído quis convocar a sua Constituinte e eleições presidenciais, como foi
o caso do próprio Getúlio em outubro de 1945 (Constituinte com Getulio), para
desmontar a Carta autoritária de 1937, na visível expectativa de continuar no
poder, ampliando suas alianças à esquerda trabalhista, muito embora,
anteriormente, em fevereiro de 1945, pressionado pelas forças democráticas
civis e militares imediatamente, ao fim da Segunda Guerra Mundial, tenha
convocado a Assembleia constituinte e eleições presidenciais. A convocatória de
fevereiro de 1945, na forma de Lei Constitucional n°. 09/45 (emenda
presidencial), frente à pressão dos liberais e dos militares prevaleceu para as
eleições presidenciais e parlamentares de 15 de novembro de 1945, sobre a
manobra continuísta de outubro do habilidoso caudilho gaúcho substituído por
José Linhares, Presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, que presidiu as
eleições.
Este novo quadro
convocatório fugiu radicalmente do modelo de constituinte de 1930/33,
introduzindo elementos novos, pois o próprio governante convocara a
Constituinte de dentro do poder, por sua conta e risco, e os constituintes que
viessem a ser eleitos permaneceram, o que não era esperado, após a promulgação
da Constituição, como deputados de legislatura regular, como, aliás, acontecera
em todas as situações anteriores, mas foi no contexto destes fatos que
efetivamente se produziu e promulgou a constituição de 1946 e definiu-se com
clareza o modelo que historicamente sempre vivemos: o Congresso Constituinte.
Na verdade, 1945/46 foi a primeira grande reversão do quadro constituinte,
permitindo que as elites intelectuais da nova classe média, em ruptura radical
com as forças governantes tradicionais, elaborassem um texto constitucional
legislativo impar, mas que não alcançou, nem ao menos conseguiu vedar, a
sobrevivência da esdrúxula aliança executiva entre as frações conservadoras,
herdeiras da velha oligarquia “invernista” e as forças trabalhistas emergentes
– o paradoxal milagre getulista que sucumbiu e levou consigo a Constituição de
1946 com a aliança entre udenista, préceres do liberalismo, e os militares
comprometidos com os projetos de segurança nacional.
Esta aliança
governativa afundou o projeto liberal-democrático de 1946, mesmo com o seu
arremedo em 1967, frente ao impacto do Ato Institucional de 1968, e a Emenda
Constitucional de 1969, trazendo para os organismos da sociedade civil (e para
as ruas) uma nova proposta Constituinte: uma constituinte exclusiva e soberana.
Com a derrota da Emenda das eleições diretas para Presidente da República
(25/04/1984), uma tentativa de ruptura com as forças governantes de 1964/85
restou, com a colaboração governista, inclusive dissidente, e os moderados de
oposição, com a resistência dos grupos mais radicais, a fórmula experimentada
com sucesso em 1945, quando a iniciativa da convocatória constituinte coube ao
próprio poder (presidencial) instituído, naquele momento histórico, pelo
presidente José Sarney, Vice-presidente do Presidente eleito Tancredo Neves
indiretamente no Colégio Eleitoral (15/01/1985), mecanismo sucessório histórico
preservado pelo poder revolucionário (1964/68), que veio a falecer, todavia,
antes de sua posse presidencial. A Emenda Constituinte nº. 26/85 convocatória
da Assembleia Nacional Constituinte foi aprovada pelo Congresso Nacional
estruturado no quadro dos atos e emendas antecedentes, marcado, por
conseguinte, pelos vícios e desvios do legitimismo revolucionário que os
moderados absorveram para viabilizar as reformas necessárias à conciliação
nacional.[9]
[9] Sobre este quadro ver de Aurélio
Wander Bastos. A Ordem dos Advogados e o Estado Democrático no Brasil. Op.cit.
(prelo). A compreensão expansiva deste tema sugere a leitura de MERCADANTE,
Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Ed. Top Books / Universcidade.
2003, muito especialmente a apresentação da 4ª ed. De Nelson Mello Souza.
Este modelo
convocatório não fugiu dos padrões históricos, jurídicos e políticos que
presidiram as Constituintes brasileiras, sendo, no entanto, que o ato não foi
imperativo, mas aprovado pela maioria absoluta do Congresso na forma
constitucional. Neste quadro, os futuros deputados constituintes foram eleitos
na forma, se não idêntica, quase absoluta do Código de 1965, marcado pelas
restrições eleitorais pelo casuísmo revolucionário e pelos pactos de
sobrevivência do poder instituído, e não por novas leis eleitorais, o que em
principio não maculou a forma final do texto constitucional, apesar de suas
origens representativas[10].
[10] Para uma exata compreensão das
alternativas constitucionais constituintes é muito importante reconhecer os
projetos preliminares elaborados pela comissão Afonso Arinos, criada por
decreto presidencial em 1985, e as conclusões dos congressos e seminários da
OAB – Conselho Federal de 1985/86. Ver sobre o tema o capitulo de A Ordem dos
Advogados e o Estado Democrático no Brasil (prelo), intitulado O Dilema entre
as Eleições Diretas e a Assembléia Constituinte.
O modelo da
eleição presidencial colegial, todavia, frustrou as expectativas da sociedade
civil de se convocar uma Constituinte Exclusiva e soberana, que, embora
sobrevivesse como propósito, submergiu na trágica vitória da eleição
presidencial colegial. Este quadro, mais uma vez demonstrou que o projeto de
uma Constituinte exclusiva desmanchou-se na convocatória da Emenda n°. 26/85,
que, promoveu um Congresso Constituinte que excluía a Constituinte Exclusiva e
viabilizava uma constituinte congressual que exprimisse uma grande composição
entre as frações políticas remanescentes de 1964/85, as frações de oposição
legal e os grupos anistiados beneficiados por Atos de 1969 e 1985.
Neste sentido, o
constitucionalismo brasileiro não é reativo a estes modelos conciliadores de
convocação de constituintes nascidos de o próprio poder, geralmente na forma de
emendas constitucionais que podem ser mais ou menos amplas. A Constituição
vigente deixou em aberto a questão na mesma dimensão da experiência anterior,
pois tanto o Presidente da República, como os parlamentares têm poderes para
propor emendas constitucionais de alcance constituinte derivado, (mas não Assembleia
de força Constituinte-originária), meramente destinadas a emendas pontuais,
como as 56 já promulgadas ou até destinadas à hipotética reforma de maior
alcance político, desde que, devido a esta especial situação constitucional,
não afetem as cláusulas pétreas, cumprindo os requisitos constitucionais.
Neste sentido,
entendemos que, na forma da Constituição vigente, tanto o Presidente quanto o
Congresso podem convocar emendas de força constituinte derivada, propondo,
inclusive, alterações no quorum constitucional, sendo, todavia, que a emenda
constitucional só pode ser aprovada na forma do próprio texto constitucional.
Mas, para tanto, mesmo nesta percepção restritiva, este projeto deve ser
debatido e eleitoralmente vitorioso como proposta de candidatos presidenciais
majoritários ou de partidos ou de coligações partidárias, sendo, todavia, que,
esta proposição constitucional dependeria sempre da aprovação da emenda por 3/5
da Câmara e do Senado, que poderiam fixar novo quorum para a reforma
constituinte. Esta emenda, muito embora, possa alterar o quorum constituinte,
para efeitos de votação dos (novos) dispositivos constitucionais, não poderá
alterar as cláusulas pétreas (vigentes na atual constituição), porque (neste
caso) o poder constituinte originário, nasce do poder constituinte derivado, o
que não teria qualquer relevância se o movimento constituinte avançasse
independentemente do poder instituído. Mas, poder-se-ia, acrescer, mesmo
reconhecendo que as cláusulas pétreas são pétreas, que nada impede que a
República brasileira, pressuposto da vida política desde 1889, viesse a gozar
constitucionalmente do mesmo prestigio pétreo (§ 4°, art. 60.) da Constituição
que “a forma federativa de Estado, os direitos individuais fundamentais, o voto
direto, secreto, universal e periódico e a superação dos poderes”.
[11]
[11] Marco Maciel, Senador da
República, tem defendido a polemica tese que “depois que a maioria da população
se manifestou em plebiscito (realizado na forma do art. 2° do ADCT da
Constituição de 1988) contra o regime parlamentarista o Presidencialismo virou clausula
pétrea da Constituição”. Este raciocínio, de extensiva hermenêutica, não tem
sido usado pelo Senador (e também jurista) pernambucano para reconhecer a força
pétrea do mesmo plebiscito que também consagrou e reconheceu, por maioria da
população, a República, contra a monarquia, como forma de governo, muito
embora, como especulação intelectual e política seja razoável, identificando em
ambas situações uma injustificável lacuna constitucional. Ver Informe JB in
Jornal do Brasil de 19.04.07, p. A4. Ver sobre o tema do presidencialismo e
parlamentarismo BASTOS, Aurélio Wander. Autoritarismo e Parlamentarismo. Rio de
Janeiro: Líber Júris 1993.
Para que
busquemos, agora, outros resultados, ficaram assim conceitualmente
sistematizadas as principais vertentes do processo Constituinte, assim como as
suas principais alternativas, para efetivamente demonstrar a natureza do pacto
constituinte de transição que permitiu a promulgação da pluralista Constituição
de 1988, evitando atos de ruptura, que, com certeza, melhor se expressariam em
uma Assembleia Constituinte Exclusiva.
3. Da
Assembleia Constituinte Exclusiva.
Este tema tem
sido sucessivamente trazido para a discussão política nos cenários de grande
turbulência constitucional ou, até mesmo, institucional. Expectativa política
dos tantos momentos de mudança da historia brasileira, na verdade, ele não
reflete os momentos reais de nossa transformação, mas a sucumbência de seus
propósitos aos modelos de transição por acomodação de frações de elite que
transmudam-no no continuísmo das legislações ordinárias. Todavia, apesar da historia
brasileira não ser a fonte de sua realização efetiva, não está excluída a
possibilidade das constituições expressarem, não os projetos de sobrevivência
das frações de poder, muito especialmente, os projetos infensos aos interesses
de classe ou de frações políticas, mas um projeto geral que sobreponha a visão
intelectual ou jurídica harmônica da organização do Estado aos interesses
continuistas.
Neste sentido,
uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, como aliás foram as
conclusões dos encontros e seminários do Conselho Federal da OAB, entre 1985 e
1988, que se encerrava(ria) com a promulgação da Constituição, convocando
eleições ordinárias, e retornando os constituintes à sua vida privada ou a nova
campanha eleitoral, não deixa de ser uma possibilidade. Todavia, não há como
desconhecer, em primeiro lugar, que esta não foi a prática histórica das elites
brasileiras e, em segundo lugar, que este modelo tem uma natureza ruptiva e, em
terceiro lugar, o modelo de constituinte exclusivista está vinculado à ideia de
que ideias existem independentemente de interesses. Estes três fatores,
combinadamente demonstram a grande dificuldade de se trabalhar politicamente
com modelos políticos puros, mas, e também, a imprescindível necessidade de se
reconhecer que o interesse nacional (e muito especialmente o desprendimento
pessoal) prevaleça sobre os interesses pessoais das frações de classe ou poder
dentro do Estado. Tarço Genro, Ministro da Justiça, recentemente, numa leitura
similar, mas não idêntica, observou que uma construção constituinte
(principalmente exclusiva) deve considerar que a sua superioridade depende da
vontade unitária do povo aceita como contrato político (sendo exatamente
porque) abre o regime democrático para a exigência de mais democracia. Se a
vontade unitária do povo é aceita racionalmente como um acordo engendrado pela
razão (tornada contrato político) ela não pode ser aperfeiçoada como fruto da
própria razão (para promover melhores contratos políticos).
[12]
[12] In Jornal do Brasil de 03.04.07.
Opinião, p. 7.
4.
Da Constituinte Exclusiva e a Constituição de 1988.
As Constituintes,
como procuramos demonstrar, devem (podem) ser convocadas em situações de
emergência absoluta, nos casos de insurreição ou movimentação política
vitoriosa nos seus mais diferentes tipos de manifestação, ou por convocação dos
próprios poderes nos casos de desagregação institucional ou de contradição
legislativa que evite a funcionalidade do Estado, com efeitos sociais graves,
ou dos próprios poderes. Este não é exatamente o quadro constitucional
brasileiro, apesar da convivência esdrúxula entre as normas reordenadas pelas
reformas neoliberais, que desmontaram a ordem econômica estatista originária, e
os complementos de funcionalidade harmônica: Poder Judiciário, normas
trabalhistas e normas sociais (ambientais) de longo alcance, sem que houvesse dissintonias
em relação aos direitos fundamentais.
Este quadro de
analise, de qualquer forma, cria uma situação de difícil apreciação porque uma
constituinte, principalmente se for exclusiva, para que alcance resultados efetivos,
exige uma previa reforma política. Todavia, qualquer reforma política, desde
que não evolua de um quadro revolucionário, como aconteceu em 1930, e este não
é o caso brasileiro atual, para que tenha alcances efetivamente modificativos
não pode estar limitada pelas expectativas parlamentares dominantes no quadro
institucional da ordem jurídica vigente. Na verdade, este é o grande paradoxo
para convocatória de uma constituinte exclusiva em um quadro de funcionamento
democrático porque os parlamentares deveriam ter expectativas constitucionais
que se sobreponham aos próprios interesses que os elegeram ou que representam.
Não queremos afirmar que isto é impossível, que os parlamentares não possam ser
tomados por ideais racionais, mas não é de todo comum nas circunstâncias
políticas, principalmente considerando que o homem político está imerso no
fenômeno político, e não vivemos no Brasil qualquer sintoma indicativo de
movimentação política insurrecional.
No contexto
constitucional atual, presidido por uma democracia parlamentar pluralista, de
alta flexibilidade, podem ser levantadas varias hipóteses, pois a Constituição
vigente abre, neste sentido, dois grandes espaços convocatórios: a convocação
de um plebiscito (mesmo na forma de referendo popular) que não é o caso,
reconhecido como explicita e exclusiva competência do Congresso Nacional (inc
XV, art. 49). Por outro lado, dispõe que a Constituição poderá ser emendada
(poder constituinte derivado (art. 60)) por proposta da Câmara dos Deputados ou
do Senado Federal (inc I), do Presidente da Republica (inc II) de mais da
metade das Assembleias Legislativas, obtida da maioria relativa de seus membros
(inc. III).
As duas
alternativas não propriamente entre si se excluem, mas à medida que a segunda
hipótese fala apenas que a Constituição poderá se emendada significa que a
convocatória constituinte somente poderia evoluir do poder constituinte
derivado (emenda) na forma e nos conformes constitucionais. Este caminho seria
juridicamente inviável para uma constituinte exclusiva e, restritivíssimo, para
uma “mini-constituinte” ou uma constituinte restritiva ou de mera coerência
adaptativa, além do que seria paradoxal uma alternativa de poderes limitados
convocar poderes ilimitados.
Em termos de
historia brasileira não seria de todo impossível, mesmo porque em 1985 a
Constituinte que provocou a carta de 1988 (esta que agora interpretamos) foi
convocada na forma de Emenda Constitucional, que, e ainda mais, traduziu um
pacto de transição conciliadora ente frações de poder e frações politicamente
ascendentes. Isto significa o que não entendemos, todavia, impossível, mas
objeto de perscrução mais profunda, que, não havendo um quadro de ruptura
constitucional, mas apenas de desarticulação da coerência das normas
constitucionais, impactadas por cerca de 60 emendas, e desarticuladas por uma
infinidade de medidas provisórias casuístas e circunstanciais, o quadro
razoável possível é a convocatória constituinte, muito embora a matéria seja de
competência exclusiva do Congresso Nacional através de previa consulta
plebiscitária onde a interferência do Poder Executivo (Presidente da República)
só seria possível se a própria convocação plebiscitária se lhe atribuísse este
poder, o que, em principio, pode tudo, desde que o Congresso aprove.
É claro que este
quadro é muito difícil principalmente se considerarmos que o que se espera(ria)
é uma constituinte exclusiva que romperia (pelo menos em tese) com os pactos
parlamentares que deram sustentação à promulgação constitucional e as suas
extensivas emendas. Isto não impede, é claro, na evidencia de que a desordem
constitucional inviabiliza a funcionalidade do Estado, ele mesmo (o Estado)
alcance seus objetivos, mesmo porque não há evidencias de sublevação
insurrecional (embora de rebeldia criminosa), que grupos esclarecidos
identificados com os ideais racionais (programático) de mudança alcancem formas
especiais de mobilização popular com o objetivo de convocação de plebiscito.
Conclusão.
O objetivo central
deste “escrito” não foi propriamente demonstrar a imprescindibilidade de uma Assembleia
Constituinte exclusiva para se realizar uma Reforma Política do Estado
brasileiro, mas conceituá-la para demonstrar-se as suas dificuldades como
concretização de uma constituição de novo tipo, num estado de novo tipo, no
contexto da práxis histórica das constituintes brasileiras. Na verdade,
procuramos contrapor a Constituinte expressiva de interesses, como acomodação
conciliatória de frações políticas e a constituinte como “projeto ideal de
nação”, desenvolvendo, a partir desta posição, as dificuldades para se
contradizer e contrariar a pratica de sobrevivência das próprias elites
brasileiras.
O trabalho, não
propriamente demonstrou, que, as constituintes exclusivas poder se realizar
como “ideal racional nacional”, mas, também, insistiu na tese de que os
interesses das frações de Estado e mesmo os interesses pessoais são um forte
empecilho para se realizar constituintes que se auto extingam após a
promulgação constitucional para ceder espaço a processos eleitorais livres e
infensos dos vícios que acompanham a desordem constitucional, quando se
desequilibram as normas e as crises, quando passam a pressionar o funcionamento
rotineiro da burocracia do Estado.
Finalmente, neste
trabalho reconhecemos a importância “ideal” das constituintes exclusivas, mas
reconhecemos, também, que a realidade circunstancial da convocação Constituinte
nem sempre está presidida pelas políticas de ruptura ou pelo desprendimento
ideológico, mas pela acomodação de interesses e pela conciliação de objetivos
entre os fatores reais de poder sempre muito visíveis na práxis constituinte
brasileira.
Fonte:
Âmbito Jurídico
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