terça-feira, 25 de junho de 2013

Assembleia Constituinte Exclusiva - o dilema entre a práxis histórica e o ideal racional


Introdução[1]

[1]Este texto foi desenvolvido para o Seminário Reforma Política – O Estado Democrático Passado a Limpo, promovido com o apoio do Tribunal Regional Eleitoral (Escola Judiciária Eleitoral), a FIRJAN e o IAB, a partir de subitem do capitulo sobre A OAB e o Estado de Segurança Nacional da Tese de Doutorado de Aurélio Wander Bastos, intitulada A Ordem dos Advogados e o Estado Democrático no Brasil. IUPERJ/UCAM. 2007.

As Assembleias Constituintes não tomam o poder, mas (re)organizam o novo Estado, (re)compõem os fatores reais de poder, mas têm como motivação essencial (re)ordenar o funcionamento das instituições, promulgando uma (nova) Constituição. Neste sentido, a preocupação essencial deste “escrito” não foi estudar as formas de tomada de poder, mas demonstrar as alternativas possíveis à realização de uma Assembleia Constituinte, sem que ficasse o trabalho presidido por qualquer sistematização rigorosa, evitando construir uma tipologia de Assembleias Constituintes (e conceituando-as), mas indicando estes especiais tipos no seu desenvolvimento, especialmente no contexto histórico brasileiro.

O paper está subdividido em 4 (quatro) partes discursivas que versam sobre o conceito de Assembleia Constituinte, sobre a evolução histórica do quadro das constituintes brasileiras, sobre a constituinte exclusiva e sobre a Constituição atual, a natureza da Assembleia Constituinte exclusiva. Estas subdivisões, na verdade, não visam exatamente a contribuir para uma teoria da Assembleia Constituinte exclusiva, nem muito menos da Assembleia Constituinte, mas procura sistematizar, para demonstrar historicamente, as suas dificuldades concretas, de realização sem, com isto, desprezar, finalmente, a partir da diferença da práxis constituinte brasileira, a Constituinte exclusiva, como tipo ideal racional[2] , no contexto de suas possibilidades de realização, inclusive no âmbito da Constituição vigente.

[2] WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília. Ed. UnB. São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo, 1999. Este autor desenvolve e especialmente colabora para a formatação dos tipos ideais de dominação a partir da teoria da legitimidade, também mais tarde compartilhada com Carl Schmitt, que, a estudou comparadamente com a teoria da legalidade formal (racional) in Legalidad y Legitimidad. Madrid, Aguilar. 1971.

1.  Do Conceito.
O autor da clássica teoria da Assembleia Nacional Constituinte Joseph Emmanuel. Sièyès[3]  ,editada em livro durante a Revolução Francesa, definiu que elas nascem de forças políticas paralelas mais fortes do que as forças políticas instituídas. Estas forças emergem de revoluções vitoriosas, que prenunciam novos propósitos de organização política ou de dissensões institucionais, que refletem reinclinações parlamentares que se constroem dentro do próprio poder constituído contra as frações dominantes hegemônicas[4]. A Assembleia Constituinte é um ato político extremo contra a ordem constituída com o objetivo de reordenar a legalidade instituída, para os constituintes, corroída pela ilegitimidade representativa. 

[3] SIEYÈS, Joseph Emmanuel. A Constituinte Burguesa Qu’est-ce que le Tiers Etat? Organização e Introdução Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Liber Juris. 1988 (2ª ed.)

[4] Ver o conceito de fração hegemônica desenvolvido por Antonio Gramsci in FERREIRA Marici Harlene de Lara. Sociedade civil, hegemonia e democracia. Edição: Câmara Brasileira de Jovens Escritores.

Todavia, muitas são as circunstâncias em que a proposta constituinte evolui de movimentos políticos paralelos, deslocados das órbitas do poder ou de movimentos revolucionários que se posicionam radicalmente contra o poder constituído, ou por sua força insurrecional ou pelas suas características militares. Não é comum, por outro lado, que frações políticas ou militares da própria ordem se arvorem de poder revolucionário constituinte e do poder reconstruam o poder, mas a história nunca se encerra inexoravelmente em seus próprios limites, deixando sempre em aberto novos espaços criativos e especulativos.

Nem sempre, todavia, os movimentos revolucionários ou insurrecionais politicamente vitoriosos evoluem para assembleias constituintes destinadas a “constituir” uma nova Constituição ou nova ordem jurídica, sendo mais provável que se fechem no poder e governem autocraticamente e, muitas vezes, pelos seus próprios desígnios, outras pela absoluta falta de ambiente político circunstancial receptivo à mudança. Nestes casos, é provável que o quadro evolua entropicamente[5] e o movimento vitorioso submirja nas suas próprias circunstâncias ou por pressão externa, provocando novas ebulições e novas acomodações.

[5] O conceito de entropia está vinculado ao conceito de fechamento funcional que necessariamente exige mudanças ou adaptações para restaurar os fluxos de poder ou decisão. BASTOS, Aurélio Wander. Conflitos Sociais e Limites do Poder Judiciário. Rio de Janeiro. Lúmen Júris 2002. 2ª. edição


Estas especiais situações, finalmente, demonstram, que, por estas razoes muito dificilmente na historia dos povos as constituintes tiveram uma natureza essencialmente exclusiva, ou seja, foram promulgadas como Constituição que traduzisse o puro e explicito projeto ideal-racional, assim como, as frações vitoriosas hegemônicas não apenas, quase sempre, buscaram fórmulas possíveis de fazer de seu poder constituinte exclusivo e limitado um poder terminal, que exprimisse o seu próprio projeto de interesses, procurando fazer da (sua) nova Constituição pressuposto continuista do próprio poder, convertendo as constituintes exclusivas em parlamentos ordinários.

2.  Da Constituinte na História Brasileira[6]

[6] RODRIGUES, José Honório. Conciliação e Reforma no Brasil. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1965, onde, não propriamente, o autor faz um estudo da linha histórica do tempo constituinte, mas, com inteligente perspicácia trabalha a questão da conciliação como pressuposto “atávico” (sic) da historia política brasileira. Ver também, de BASTOS, Aurélio Wander. Formação Eleitoral do Estado Brasileiro. São Paulo. USP/FFLCH. 1983. (texto preliminar de Doutoramento)

A história brasileira tem demonstrado que poucas foram as situações em que as forças dominantes nos movimentos paralelos vitoriosos contra o poder instituído convocaram exclusivamente a sua própria constituinte. O clássico exemplo desta situação ocorreu com a proclamação da independência (1822), que sucedeu à convocatória da Assembleia Constituinte de 1823, quando os próceres da independência, aliados aos exportadores brasileiros, tiveram o seu projeto de Constituinte (dos Andradas) imediatamente abortado ou sufocado para terminar numa Constituição outorgada pelo Imperador (1824), numa visível composição com as elites do Estado colonial moribundo e as elites comerciais metropolitanas. Nem muito menos vivemos situação mais ousada com a proclamação da República (1889), desmobilizada, senão pelos seus próprios áulicos, que a formataram como Decreto presidencial em 1889, transformado em Constituição, submetidos aos oligarcas dos baronatos transmudados. [7]

[7] O mais expressivo estudo sobre este tema no Brasil, inclusive, sobre as relações entre o exercício do poder e as normas eleitorais é de LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro. Ed. Nova Fronteira. 1997.

As frações republicanas e positivistas de Benjamin Constant e da Escola Militar, na verdade, aliadas às próprias forças militares da ordem imperial evoluíram para um Congresso Constituinte, que menos apreciou o projeto republicano positivista (ideal racional), exceto na sua figuração gráfica, do que a proposta presidencial de profunda vocação federalista, o que permitiu a recomposição do grande condomínio oligárquico que sobreviveu intacto até 1926/30. Os efeitos do positivismo mais se restringiu aos símbolos nacionais, e à formação militar, exceto sua interferência sobre a especialíssima Constituição do Rio Grande do Sul, ficando fortalecido o federalismo como projeto de descentralização do velho estado unitário imperial.

Historicamente o mais expressivo movimento constituinte brasileiro evoluiu da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, herdeiro do positivismo castilhista dos gaúchos, aliado ao corporativismo teórico, para reconstruir o Estado brasileiro corroído pelas fraudes eleitorais oligárquicas que se transformaram na negação dos próprios propósitos republicanos, não sem antes, todavia, buscar na própria ordem instituída os mecanismos corretivos da desordem. A Revolução de 1930, neste sentido, é o mais lídimo exemplo brasileiro que evoluiu para uma Assembleia Constituinte, não sem antes, todavia, ainda na força de sua ação vitoriosa, editar o Código Eleitoral (1932), que alterou, previamente, como experiência única no Brasil, antes da convocatória constituinte, como efetivo ato revolucionário, profundamente a correlação entre as frações (fatores) reais de poder, preservando a linguagem de Fernand Lassale. [8] 

[8] LASSALLE, Fernand. A Essência da Constituição. (Uber die Vertassung). Organização e Prefacio de Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro. Lúmen Júris. 2000 (5ª ed.). Neste livro o social-democrata alemão, contemporâneo de Karl Marx, entende que os fatores reais de poder são exatamente aquelas forças que entre si se compõe para o exercício do poder, podendo evoluir do grande capital para forças militares ou, até mesmo, frações de classes sociais, exceto, é claro, segundo ele, o proletariado. A historia intelectual tem demonstrado que o conceito de fatores reais de poder, modernamente, tem sido utilizado mais amplamente, para designar alianças que não necessariamente estão comprometidas com as estruturas econômicas privadas.

É neste quadro, todavia, que vamos encontrar um dos mais lídimos exemplos das dificuldades para a implantação de uma Assembleia Constituinte exclusiva, principalmente porque o Código Eleitoral de 1932 rompera com a velha ordem oligárquica, muito embora, todavia, não se aliara às forças revolucionarias os movimentos operários emergentes, o próprio Partido Comunista criado em 1922 e, nem muito menos os remanescentes da Coluna Prestes. A resistência da oligarquia paulista, conhecida como movimento constitucionalista, (1932/33) acabou provocando o pacto de recomposição entre as forças oligárquicas revolucionarias de Getúlio, permeadas pelo intelectualismo corporativista, e as velhas oligarquias exportadoras, que, não impediram, todavia, a modernização da ordem econômica e do Estado, mas inviabilizaram o projeto de uma Constituinte exclusiva à medida que votaram a sua continuação, por via indireta, no poder mantendo-se no exercício dos seus próprios mandatos parlamentares o que viabilizou a sobrevivência de Getúlio como Presidente e inviabilizou a Constituição de 1934 sufocada pela Constituição do Estado Novo de 1937.

Os acontecimentos mais recentes indicam que muitas foram às situações em que o próprio poder constituído quis convocar a sua Constituinte e eleições presidenciais, como foi o caso do próprio Getúlio em outubro de 1945 (Constituinte com Getulio), para desmontar a Carta autoritária de 1937, na visível expectativa de continuar no poder, ampliando suas alianças à esquerda trabalhista, muito embora, anteriormente, em fevereiro de 1945, pressionado pelas forças democráticas civis e militares imediatamente, ao fim da Segunda Guerra Mundial, tenha convocado a Assembleia constituinte e eleições presidenciais. A convocatória de fevereiro de 1945, na forma de Lei Constitucional n°. 09/45 (emenda presidencial), frente à pressão dos liberais e dos militares prevaleceu para as eleições presidenciais e parlamentares de 15 de novembro de 1945, sobre a manobra continuísta de outubro do habilidoso caudilho gaúcho substituído por José Linhares, Presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, que presidiu as eleições.

Este novo quadro convocatório fugiu radicalmente do modelo de constituinte de 1930/33, introduzindo elementos novos, pois o próprio governante convocara a Constituinte de dentro do poder, por sua conta e risco, e os constituintes que viessem a ser eleitos permaneceram, o que não era esperado, após a promulgação da Constituição, como deputados de legislatura regular, como, aliás, acontecera em todas as situações anteriores, mas foi no contexto destes fatos que efetivamente se produziu e promulgou a constituição de 1946 e definiu-se com clareza o modelo que historicamente sempre vivemos: o Congresso Constituinte. Na verdade, 1945/46 foi a primeira grande reversão do quadro constituinte, permitindo que as elites intelectuais da nova classe média, em ruptura radical com as forças governantes tradicionais, elaborassem um texto constitucional legislativo impar, mas que não alcançou, nem ao menos conseguiu vedar, a sobrevivência da esdrúxula aliança executiva entre as frações conservadoras, herdeiras da velha oligarquia “invernista” e as forças trabalhistas emergentes – o paradoxal milagre getulista que sucumbiu e levou consigo a Constituição de 1946 com a aliança entre udenista, préceres do liberalismo, e os militares comprometidos com os projetos de segurança nacional.

Esta aliança governativa afundou o projeto liberal-democrático de 1946, mesmo com o seu arremedo em 1967, frente ao impacto do Ato Institucional de 1968, e a Emenda Constitucional de 1969, trazendo para os organismos da sociedade civil (e para as ruas) uma nova proposta Constituinte: uma constituinte exclusiva e soberana. Com a derrota da Emenda das eleições diretas para Presidente da República (25/04/1984), uma tentativa de ruptura com as forças governantes de 1964/85 restou, com a colaboração governista, inclusive dissidente, e os moderados de oposição, com a resistência dos grupos mais radicais, a fórmula experimentada com sucesso em 1945, quando a iniciativa da convocatória constituinte coube ao próprio poder (presidencial) instituído, naquele momento histórico, pelo presidente José Sarney, Vice-presidente do Presidente eleito Tancredo Neves indiretamente no Colégio Eleitoral (15/01/1985), mecanismo sucessório histórico preservado pelo poder revolucionário (1964/68), que veio a falecer, todavia, antes de sua posse presidencial. A Emenda Constituinte nº. 26/85 convocatória da Assembleia Nacional Constituinte foi aprovada pelo Congresso Nacional estruturado no quadro dos atos e emendas antecedentes, marcado, por conseguinte, pelos vícios e desvios do legitimismo revolucionário que os moderados absorveram para viabilizar as reformas necessárias à conciliação nacional.[9]

[9] Sobre este quadro ver de Aurélio Wander Bastos. A Ordem dos Advogados e o Estado Democrático no Brasil. Op.cit. (prelo). A compreensão expansiva deste tema sugere a leitura de MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Ed. Top Books / Universcidade. 2003, muito especialmente a apresentação da 4ª ed. De Nelson Mello Souza.

Este modelo convocatório não fugiu dos padrões históricos, jurídicos e políticos que presidiram as Constituintes brasileiras, sendo, no entanto, que o ato não foi imperativo, mas aprovado pela maioria absoluta do Congresso na forma constitucional. Neste quadro, os futuros deputados constituintes foram eleitos na forma, se não idêntica, quase absoluta do Código de 1965, marcado pelas restrições eleitorais pelo casuísmo revolucionário e pelos pactos de sobrevivência do poder instituído, e não por novas leis eleitorais, o que em principio não maculou a forma final do texto constitucional, apesar de suas origens representativas[10].

[10] Para uma exata compreensão das alternativas constitucionais constituintes é muito importante reconhecer os projetos preliminares elaborados pela comissão Afonso Arinos, criada por decreto presidencial em 1985, e as conclusões dos congressos e seminários da OAB – Conselho Federal de 1985/86. Ver sobre o tema o capitulo de A Ordem dos Advogados e o Estado Democrático no Brasil (prelo), intitulado O Dilema entre as Eleições Diretas e a Assembléia Constituinte.

O modelo da eleição presidencial colegial, todavia, frustrou as expectativas da sociedade civil de se convocar uma Constituinte Exclusiva e soberana, que, embora sobrevivesse como propósito, submergiu na trágica vitória da eleição presidencial colegial. Este quadro, mais uma vez demonstrou que o projeto de uma Constituinte exclusiva desmanchou-se na convocatória da Emenda n°. 26/85, que, promoveu um Congresso Constituinte que excluía a Constituinte Exclusiva e viabilizava uma constituinte congressual que exprimisse uma grande composição entre as frações políticas remanescentes de 1964/85, as frações de oposição legal e os grupos anistiados beneficiados por Atos de 1969 e 1985.

Neste sentido, o constitucionalismo brasileiro não é reativo a estes modelos conciliadores de convocação de constituintes nascidos de o próprio poder, geralmente na forma de emendas constitucionais que podem ser mais ou menos amplas. A Constituição vigente deixou em aberto a questão na mesma dimensão da experiência anterior, pois tanto o Presidente da República, como os parlamentares têm poderes para propor emendas constitucionais de alcance constituinte derivado, (mas não Assembleia de força Constituinte-originária), meramente destinadas a emendas pontuais, como as 56 já promulgadas ou até destinadas à hipotética reforma de maior alcance político, desde que, devido a esta especial situação constitucional, não afetem as cláusulas pétreas, cumprindo os requisitos constitucionais. 

Neste sentido, entendemos que, na forma da Constituição vigente, tanto o Presidente quanto o Congresso podem convocar emendas de força constituinte derivada, propondo, inclusive, alterações no quorum constitucional, sendo, todavia, que a emenda constitucional só pode ser aprovada na forma do próprio texto constitucional. Mas, para tanto, mesmo nesta percepção restritiva, este projeto deve ser debatido e eleitoralmente vitorioso como proposta de candidatos presidenciais majoritários ou de partidos ou de coligações partidárias, sendo, todavia, que, esta proposição constitucional dependeria sempre da aprovação da emenda por 3/5 da Câmara e do Senado, que poderiam fixar novo quorum para a reforma constituinte. Esta emenda, muito embora, possa alterar o quorum constituinte, para efeitos de votação dos (novos) dispositivos constitucionais, não poderá alterar as cláusulas pétreas (vigentes na atual constituição), porque (neste caso) o poder constituinte originário, nasce do poder constituinte derivado, o que não teria qualquer relevância se o movimento constituinte avançasse independentemente do poder instituído. Mas, poder-se-ia, acrescer, mesmo reconhecendo que as cláusulas pétreas são pétreas, que nada impede que a República brasileira, pressuposto da vida política desde 1889, viesse a gozar constitucionalmente do mesmo prestigio pétreo (§ 4°, art. 60.) da Constituição que “a forma federativa de Estado, os direitos individuais fundamentais, o voto direto, secreto, universal e periódico e a superação dos poderes”. [11] 

[11] Marco Maciel, Senador da República, tem defendido a polemica tese que “depois que a maioria da população se manifestou em plebiscito (realizado na forma do art. 2° do ADCT da Constituição de 1988) contra o regime parlamentarista o Presidencialismo virou clausula pétrea da Constituição”. Este raciocínio, de extensiva hermenêutica, não tem sido usado pelo Senador (e também jurista) pernambucano para reconhecer a força pétrea do mesmo plebiscito que também consagrou e reconheceu, por maioria da população, a República, contra a monarquia, como forma de governo, muito embora, como especulação intelectual e política seja razoável, identificando em ambas situações uma injustificável lacuna constitucional. Ver Informe JB in Jornal do Brasil de 19.04.07, p. A4. Ver sobre o tema do presidencialismo e parlamentarismo BASTOS, Aurélio Wander. Autoritarismo e Parlamentarismo. Rio de Janeiro: Líber Júris 1993.

Para que busquemos, agora, outros resultados, ficaram assim conceitualmente sistematizadas as principais vertentes do processo Constituinte, assim como as suas principais alternativas, para efetivamente demonstrar a natureza do pacto constituinte de transição que permitiu a promulgação da pluralista Constituição de 1988, evitando atos de ruptura, que, com certeza, melhor se expressariam em uma Assembleia Constituinte Exclusiva.

3. Da Assembleia Constituinte Exclusiva.
Este tema tem sido sucessivamente trazido para a discussão política nos cenários de grande turbulência constitucional ou, até mesmo, institucional. Expectativa política dos tantos momentos de mudança da historia brasileira, na verdade, ele não reflete os momentos reais de nossa transformação, mas a sucumbência de seus propósitos aos modelos de transição por acomodação de frações de elite que transmudam-no no continuísmo das legislações ordinárias. Todavia, apesar da historia brasileira não ser a fonte de sua realização efetiva, não está excluída a possibilidade das constituições expressarem, não os projetos de sobrevivência das frações de poder, muito especialmente, os projetos infensos aos interesses de classe ou de frações políticas, mas um projeto geral que sobreponha a visão intelectual ou jurídica harmônica da organização do Estado aos interesses continuistas.

Neste sentido, uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, como aliás foram as conclusões dos encontros e seminários do Conselho Federal da OAB, entre 1985 e 1988, que se encerrava(ria) com a promulgação da Constituição, convocando eleições ordinárias, e retornando os constituintes à sua vida privada ou a nova campanha eleitoral, não deixa de ser uma possibilidade. Todavia, não há como desconhecer, em primeiro lugar, que esta não foi a prática histórica das elites brasileiras e, em segundo lugar, que este modelo tem uma natureza ruptiva e, em terceiro lugar, o modelo de constituinte exclusivista está vinculado à ideia de que ideias existem independentemente de interesses. Estes três fatores, combinadamente demonstram a grande dificuldade de se trabalhar politicamente com modelos políticos puros, mas, e também, a imprescindível necessidade de se reconhecer que o interesse nacional (e muito especialmente o desprendimento pessoal) prevaleça sobre os interesses pessoais das frações de classe ou poder dentro do Estado. Tarço Genro, Ministro da Justiça, recentemente, numa leitura similar, mas não idêntica, observou que uma construção constituinte (principalmente exclusiva) deve considerar que a sua superioridade depende da vontade unitária do povo aceita como contrato político (sendo exatamente porque) abre o regime democrático para a exigência de mais democracia. Se a vontade unitária do povo é aceita racionalmente como um acordo engendrado pela razão (tornada contrato político) ela não pode ser aperfeiçoada como fruto da própria razão (para promover melhores contratos políticos). [12]

[12] In Jornal do Brasil de 03.04.07. Opinião, p. 7.

4.  Da Constituinte Exclusiva e a Constituição de 1988.
As Constituintes, como procuramos demonstrar, devem (podem) ser convocadas em situações de emergência absoluta, nos casos de insurreição ou movimentação política vitoriosa nos seus mais diferentes tipos de manifestação, ou por convocação dos próprios poderes nos casos de desagregação institucional ou de contradição legislativa que evite a funcionalidade do Estado, com efeitos sociais graves, ou dos próprios poderes. Este não é exatamente o quadro constitucional brasileiro, apesar da convivência esdrúxula entre as normas reordenadas pelas reformas neoliberais, que desmontaram a ordem econômica estatista originária, e os complementos de funcionalidade harmônica: Poder Judiciário, normas trabalhistas e normas sociais (ambientais) de longo alcance, sem que houvesse dissintonias em relação aos direitos fundamentais.


Este quadro de analise, de qualquer forma, cria uma situação de difícil apreciação porque uma constituinte, principalmente se for exclusiva, para que alcance resultados efetivos, exige uma previa reforma política. Todavia, qualquer reforma política, desde que não evolua de um quadro revolucionário, como aconteceu em 1930, e este não é o caso brasileiro atual, para que tenha alcances efetivamente modificativos não pode estar limitada pelas expectativas parlamentares dominantes no quadro institucional da ordem jurídica vigente. Na verdade, este é o grande paradoxo para convocatória de uma constituinte exclusiva em um quadro de funcionamento democrático porque os parlamentares deveriam ter expectativas constitucionais que se sobreponham aos próprios interesses que os elegeram ou que representam. Não queremos afirmar que isto é impossível, que os parlamentares não possam ser tomados por ideais racionais, mas não é de todo comum nas circunstâncias políticas, principalmente considerando que o homem político está imerso no fenômeno político, e não vivemos no Brasil qualquer sintoma indicativo de movimentação política insurrecional.

No contexto constitucional atual, presidido por uma democracia parlamentar pluralista, de alta flexibilidade, podem ser levantadas varias hipóteses, pois a Constituição vigente abre, neste sentido, dois grandes espaços convocatórios: a convocação de um plebiscito (mesmo na forma de referendo popular) que não é o caso, reconhecido como explicita e exclusiva competência do Congresso Nacional (inc XV, art. 49). Por outro lado, dispõe que a Constituição poderá ser emendada (poder constituinte derivado (art. 60)) por proposta da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (inc I), do Presidente da Republica (inc II) de mais da metade das Assembleias Legislativas, obtida da maioria relativa de seus membros (inc. III).

As duas alternativas não propriamente entre si se excluem, mas à medida que a segunda hipótese fala apenas que a Constituição poderá se emendada significa que a convocatória constituinte somente poderia evoluir do poder constituinte derivado (emenda) na forma e nos conformes constitucionais. Este caminho seria juridicamente inviável para uma constituinte exclusiva e, restritivíssimo, para uma “mini-constituinte” ou uma constituinte restritiva ou de mera coerência adaptativa, além do que seria paradoxal uma alternativa de poderes limitados convocar poderes ilimitados.

Em termos de historia brasileira não seria de todo impossível, mesmo porque em 1985 a Constituinte que provocou a carta de 1988 (esta que agora interpretamos) foi convocada na forma de Emenda Constitucional, que, e ainda mais, traduziu um pacto de transição conciliadora ente frações de poder e frações politicamente ascendentes. Isto significa o que não entendemos, todavia, impossível, mas objeto de perscrução mais profunda, que, não havendo um quadro de ruptura constitucional, mas apenas de desarticulação da coerência das normas constitucionais, impactadas por cerca de 60 emendas, e desarticuladas por uma infinidade de medidas provisórias casuístas e circunstanciais, o quadro razoável possível é a convocatória constituinte, muito embora a matéria seja de competência exclusiva do Congresso Nacional através de previa consulta plebiscitária onde a interferência do Poder Executivo (Presidente da República) só seria possível se a própria convocação plebiscitária se lhe atribuísse este poder, o que, em principio, pode tudo, desde que o Congresso aprove.

É claro que este quadro é muito difícil principalmente se considerarmos que o que se espera(ria) é uma constituinte exclusiva que romperia (pelo menos em tese) com os pactos parlamentares que deram sustentação à promulgação constitucional e as suas extensivas emendas. Isto não impede, é claro, na evidencia de que a desordem constitucional inviabiliza a funcionalidade do Estado, ele mesmo (o Estado) alcance seus objetivos, mesmo porque não há evidencias de sublevação insurrecional (embora de rebeldia criminosa), que grupos esclarecidos identificados com os ideais racionais (programático) de mudança alcancem formas especiais de mobilização popular com o objetivo de convocação de plebiscito.

Conclusão.
O objetivo central deste “escrito” não foi propriamente demonstrar a imprescindibilidade de uma Assembleia Constituinte exclusiva para se realizar uma Reforma Política do Estado brasileiro, mas conceituá-la para demonstrar-se as suas dificuldades como concretização de uma constituição de novo tipo, num estado de novo tipo, no contexto da práxis histórica das constituintes brasileiras. Na verdade, procuramos contrapor a Constituinte expressiva de interesses, como acomodação conciliatória de frações políticas e a constituinte como “projeto ideal de nação”, desenvolvendo, a partir desta posição, as dificuldades para se contradizer e contrariar a pratica de sobrevivência das próprias elites brasileiras.

O trabalho, não propriamente demonstrou, que, as constituintes exclusivas poder se realizar como “ideal racional nacional”, mas, também, insistiu na tese de que os interesses das frações de Estado e mesmo os interesses pessoais são um forte empecilho para se realizar constituintes que se auto extingam após a promulgação constitucional para ceder espaço a processos eleitorais livres e infensos dos vícios que acompanham a desordem constitucional, quando se desequilibram as normas e as crises, quando passam a pressionar o funcionamento rotineiro da burocracia  do Estado.

Finalmente, neste trabalho reconhecemos a importância “ideal” das constituintes exclusivas, mas reconhecemos, também, que a realidade circunstancial da convocação Constituinte nem sempre está presidida pelas políticas de ruptura ou pelo desprendimento ideológico, mas pela acomodação de interesses e pela conciliação de objetivos entre os fatores reais de poder sempre muito visíveis na práxis constituinte brasileira.

Fonte: Âmbito Jurídico 


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