Por Eliakim
Araujo
"Você tem o direito de permanecer em
silêncio, tudo o que você disser poderá ser usado contra você no tribunal. Você
tem o direito de ter um advogado presente durante qualquer interrogatório. Se
você não puder pagar um advogado, um defensor público lhe será indicado”.
Quem
nunca viu nas produções hollywoodianas a cena clássica do policial recitando
essas palavras enquanto coloca as algemas em alguém suspeito de ter cometido
algum crime?
Essa
regra - conhecida como “Direitos de Miranda” (Miranda Rights), por ter se
originado de um caso criminal envolvendo um certo Ernesto Miranda contra o
Estado do Arizona – passou a ser obrigatória por determinação da Suprema Corte
dos EUA, na década de sessenta, e vale para qualquer tipo de criminoso, não
importa a natureza do crime por ele praticado. Sua função é proteger o
suspeito de constrangimentos ilegais praticados por investigadores
policiais, que podem ir da pressão psicológica até a tortura física. Daí
a presença obrigatória de um advogado em todas as fases processuais.
Mas
a regra pode deixar de ser obrigatória para o jovem suspeito de ter implantado
as bombas na linha de chegada da maratona de Boston. O sobrevivente do
atentado, Dzhokhar Tsarnaev, de 19 anos, permanece internado em estado grave em
um hospital, enquanto as autoridades de Washington discutem se, no caso dele, a
regra deve ser quebrada, dando-lhe o tratamento de “terrorista”, sem os
direitos garantidos pela Constituição dos EUA.
Argumentam
que o suspeito representa uma “continua ameaça à segurança”, única exceção para
a quebra da regra dos “Direitos de Miranda” . Mas esse não é
o caso dos irmãos Tsarnaev, quando a própria polícia já admitiu a inexistência
de outros envolvidos no incidente. Com um deles morto e o outro preso,
não há como se abrir uma exceção à regra legal, negando-se ao
suspeito sobrevivente o direito a um advogado e de permanecer calado durante o
interrogatório policial.
Sozinho,
sem testemunhas, nas mãos de investigadores truculentos e especialistas em
“arrancar” confissões de suspeitos, o jovem universitário poderá confessar o
que fez e o que não fez. Ainda mais depois que as autoridades estadunidenses
anunciaram que “uma equipe de elite” vai interrogar Dzhokhar.
Quem
viu o filme Zero Dark Thirty (no Brasil, “A hora mais escura”) sabe do que um
torturador é capaz.
É
contra o risco do jovem checheno cair nas mãos de investigadores do tipo dos
personagens retratados no filme que a American Civil Liberties Union, uma
associação que luta pela defesa dos direitos civis, tem levantado suas
preocupações com o tratamento que o suspeito poderá receber entre as quatro
paredes de uma repartição policial.
É
natural que um crime como o da Maratona de Boston, que deixou três mortos e
dezenas de feridos, alguns mutilados, choquem a opinião pública. Com a emoção à
flor da pele, a tendência das pessoas é a de exigir justiça “a qualquer preço”,
sem maiores preocupações com as regras processuais e legais. Mas
essa exacerbação de espíritos tem sua dose de risco.
Defender
um tratamento especial para alguém acusado de ter cometido um crime de tamanha
perversidade não é objetivo desta coluna. Com certeza também não o é da
American Civil Liberties Union. Todos estamos de acordo que Dzhokhar, se
considerado culpado, deve ser punido com o rigor da lei.
Mas
o que não se pode e não se deve é compactuar com a quebra de uma regra
legal criada exatamente para proteger suspeitos, muitos deles inocentes,
da truculência policial. Os direitos de permanecer em silêncio e de ser
assistido por um advogado são garantias constitucionais e sua não observância
constitui uma afronta à condução de um processo legal de maneira justa e
transparente.
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