Trechos retirados por Celso de Mello e Luiz Fux causam estranhamento até entre colegas do Supremo
A omissão de trechos no acórdão do mensalão virou a nova arma de defesa dos réus condenados no julgamento. Após a publicação do documento, os advogados viram nos trechos cortados pelos ministros Luiz Fux e Celso de Mello, principalmente, a possibilidade de alterar o veredicto dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF). Dentre as 8.405 páginas do acórdão, Fux retirou todos os 518 comentários e colocações feitos ao longo dos quase cinco meses do processo. Com isso, o documento traz trechos muitas vezes sem sentido, em que ministros respondem a questionamentos feitos por Fux sem que as perguntas feitas por ele apareçam.
Num trecho, o então presidente do STF, Carlos Ayres Britto, pergunta a Fux se ele julga procedente a ação quanto a três réus. Na resposta de Fux, aparece apenas a palavra “cancelado”. Em seguida, Britto questiona o colega se um réu “podia deixar de não saber” a respeito de um crime. Novamente, a resposta aparece como “cancelada”.
“O fato de o ministro Fux ter tirado do acórdão o que disse me parece ser uma omissão, e nós podemos pedir que ele declare o que foi retirado. Isso pode vir a ser considerado contraditório”, disse Luiz Fernando Pacheco, advogado do deputado federal José Genoino (PT-SP), condenado a 6 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha.
O ministro Celso de Mello também excluiu do acórdão boa parte de suas participações nos debates. Foram 805 supressões, o número mais alto entre os magistrados. Alguns advogados dos condenados reclamaram das omissões e garantem que vão recorrer contra o cancelamento de trechos dos votos. Em outro trecho, a retirada das intervenções transformou uma passagem do julgamento em verdadeira incógnita. Na página 4.139, por exemplo, há um diálogo entre Fux, Celso de Mello, Ayres Britto e o revisor, Ricardo Lewandowski.
Os apartes de Fux e Celso, no entanto, tornam o diálogo indecifrável, pois seis frases proferidas pelos ministros aparecem com a tarja “cancelado”. “Se esses cancelamentos sugerirem alguma supressão de pontos relevantes, pode-se ensejar em embargo de declaração por omissão”, concorda Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que defende Roberto Jefferson, presidente licenciado do PTB e delator do mensalão, condenado a 7 anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Voto no YouTube
Procurados pelo Terra, os ministros Celso de Mello e Luiz Fux usaram o regimento interno do Supremo para justificar os trechos cancelados no acórdão. Para Celso, os trechos cancelados não mudam o resultado do julgamento. Segundo ele, quando é não relator ou revisor, o ministro têm a faculdade de cancelar seus votos, exceto quando não é o primeiro a divergir das teses apresentadas. O ministro explicou também que suprimiu algumas partes por uma razão de ordem prática: ele já havia excedido em quatro dias o prazo para devolução de seu voto.
Em nota, Fux respondeu que o cancelamento das notas taquigráficas não interfere na compreensão de seus votos. Ele acrescenta, ainda, um argumento já utilizado pelo presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, para negar a liberação antecipada dos votos aos advogados dos réus.
“A repetição do conteúdo dos votos escritos nas notas taquigráficas geraria indesejado aumento do número de páginas do acórdão, que, como sabido, alcançou a marca de mais de 8 mil laudas. O que foi proferido pelo ministro na sessão consistiu, basicamente, num resumo dos votos escritos. O conteúdo das sessões está gravado em áudio e vídeo, podendo ser acessado portal da TV Justiça no 'YouTube'", diz a nota.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também tentou minimizar os efeitos da supressão de trechos dos debates travados durante o julgamento. “O que é importante é que os argumentos essenciais e as discussões principais constem no acórdão. E pelo que tenho notícia, algumas supressões feitas não eram substanciais, não tinham importância fundamental. E isso possibilitou a publicação do acórdão em um menor tempo”, justificou Gurgel.
Argumento para as defesas
Essa posição, contudo, não é unânime nem dentro do Supremo. Para o ministro Marco Aurélio Mello, a supressão de trechos de discussões e de votos do acórdão contraria a legislação. "Sempre fui radicalmente contra esse cancelamento. O regimento é claro e diz em bom português que as discussões travadas serão degravadas e comporão o acórdão. Se um ministro não quer que um determinado comentário não entre no acórdão, então que se policie para não falar”, critica Marco Aurélio.
O ministro também acredita que essa supressão de votos poderá dar brecha para que condenados recorram da decisão. “A defesa se vale de qualquer aspecto que entenda válido para socorrer os interesses do defendido. O que nós falamos ali no plenário não mais nos pertence. Depois que abrimos a boca e verbalizamos, isso pertence às partes interessadas”, afirma Marco Aurélio.
Terra
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