Por Altamiro Borges
Do Blog do Miro
O golpe militar de 1964 serviu aos
interesses – ideológicos, políticos e empresariais – dos barões da mídia. Com
exceção do Última Hora, os principais jornais, revistas, emissoras de TV e
rádio participaram da conspiração que derrubou João Goulart. O editorial da
Folha de S.Paulo de 17 de fevereiro de 2009, que usou o neologismo “ditabranda”
para qualificar a sanguinária ditadura, ajudou a reavivar esta história
sinistra – além de resultar num manifesto de repúdio com 8 mil adesões de
intelectuais e na perda de mais de 2 mil assinantes. Afinal, não foi apenas a
Folha que clamou pelo golpe. Vários livros documentaram a participação ativa da
mídia, inclusive listando veículos e jornalistas a serviço dos golpistas [9].
Os editoriais da época escancararam essa postura ilegal.
“Graças à decisão e heroísmo das Forças Armadas, o Brasil
livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo a rumos
contrários à sua vocação e tradições... Salvos da comunização que celeremente
se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares”, comemorou o
jornal O Globo. “Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... A
legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”, afirmou,
descaradamente, o Jornal do Brasil. “Escorraçado, amordaçado e acovardado,
deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior
Marques Goulart, infame líder dos
comunos-carreiristas-negocistas-sindicalistas”, disparou o fascistóide Carlos
Lacerda na Tribuna da Imprensa.
Na sequência, alguns veículos ingeriram seu próprio veneno e sentiram a fúria
dos fascistas, que prenderam, mataram, cassaram mandatos e impuseram a censura.
Lacerda, que ambicionava ser presidente, foi escorraçado pelos generais. Já o
Estadão, com a sua linha liberal-conservadora, discordou do rumo estatizante do
regime e teve várias edições censuradas. Este não foi o caso do grupo Frias,
que tornou a Folha da Tarde “uma filial da Operação Bandeirantes”, a temida
Oban, e no jornal de maior “tiragem” do país devido ao grande número de “tiras”
(policiais) na sua redação [10]. Também não foi o caso da Rede Globo, que
ergueu seu império graças ao irrestrito apoio à ditadura [11].
A manipulação mais grosseira, que popularizou o refrão “O povo não é bobo, fora
Rede Globo”, ocorreu na campanha pelas Diretas-Já. Até duas semanas antes da
votação da emenda Dante de Oliveira, que instituía a eleição direta para
presidente, ela omitiu a mobilização que contagiava milhões de brasileiros. Ela
recusou até matéria paga com chamadas para o comício em Curitiba (PR). Já o ato
na capital paulista, que reuniu 300 mil de pessoas em 25 de janeiro de 1984,
foi apresentado pelo âncora da emissora como “festa em São Paulo; a cidade
comemora seus 430 anos”. “O Jornal Nacional sonegou ao público o fato –
notório, na época – de que o ato fazia parte da campanha nacional por eleições
diretas. Sonegou que essa campanha era liderada publicamente pelos principais
expoentes da oposição” [12]. Um verdadeiro crime!
Das greves à histeria na Constituinte
Alguns veículos perceberam o
naufrágio da ditadura militar e jogaram papel positivo na luta pela
redemocratização. O caso mais curioso foi o da Folha, que até usou suas capas
para convocar os comícios das Diretas-Já. O grupo Frias, que apoiara os
generais “linha dura”, mudou de lado por oportunismo político e “mercadológico”
[13]. Apesar destas nuances, nenhum barão da mídia abdicou de sua visão de
classe. Jornalões e emissoras de TV e rádio nunca vacilaram diante das lutas
dos trabalhadores, procurando criminalizar suas greves e satanizar suas
lideranças. Numa das massivas assembléias em Vila Euclides, em maio de 1980, os
metalúrgicos do ABC paulista destruíram câmeras e veículos da TV Globo,
indignados com as suas recorrentes manipulações.
Além de rejeitar qualquer avanço trabalhista, a mídia bombardeou o direito de
greve e procurou fragilizar o sindicalismo. “A liberdade de greve é um abuso
conceitual”, atacou o JB (07/07/88). A Folha exagerou ao dizer que as propostas
dos constituintes estimulariam o “direito irrestrito de greve... [com] artigos
condenáveis” (15/07/88). Já O Globo, no editorial “A porta da anarquia”,
afirmou que este direito “significa a porta aberta à desordem e ao caos”
(17/08/88). E o Estadão explicitou sua aversão às greves, principalmente no
setor público. “São exércitos de empregados que agem com todas as regalias e
mordomias de funcionários públicos, promovendo greves que ganham, hoje,
aspectos nitidamente políticos e ideológicos, que levam à violência”
(19/11/88).
Diante da ascensão das forças democráticas nos anos de 1980 e das conquistas da
“Constituição-cidadã”, segundo a célebre definição do deputado Ulisses
Guimarães, a mídia percebeu os riscos na origem e deu seu grito de guerra. “A
hora é dos liberais acordarem, porque depois será tarde... Os liberais
brasileiros têm diante de si uma ingente tarefa; se não se organizarem para
combater o populismo estatizante (...), o Brasil corre o risco de regredir”,
alertou o Estadão. “Não há outro caminho senão o de todos nos unirmos pondo
acima de superadas divergências ideológicas ou de futuras disputas eleitorais
os supremos objetivos da nação”, clamou o golpista Roberto Marinho.
NOTAS
11- Valério Brittos e César Bolaño. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia.
Editora Paulus, SP, 2005.
12- Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl. Videologias. Boitempo Editorial, SP, 2004.
14- Francisco Fonseca. “O conservadorismo patronal da grande imprensa
brasileira”. Dezembro de 2002.
- Extraído do quarto capítulo do livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita
Garibaldi).
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