Mensalão não disciplinou regras
para compliance
Por
Tadeu Rover*
Pense no caso de um diretor de uma
instituição financeira que aprova e coloca no mercado um produto cuja
regularidade foi confirmada pelo departamento jurídico interno e pelo setor decompliance e,
posteriormente, o Ministério Público Federal e o Banco Central consideram
aquele produto irregular. O diretor certamente afirmará que atuou com respaldo
de um parecer técnico. Qual é a consequência jurídica dessa alegação?
“Essa situação é bastante grave e atual”,
afirma o professor Alaor Leite, mestre em Direito pela Universidade Ludwig
Maximilian, de Munique, que nesta segunda-feira (4/3) discorreu sobre "A
Problemática do erro e concurso de agentes (autoria e participação)”, em
palestra na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, a Direito GV, em São
Paulo. No encontro, o professor abordou dois problemas ligados à criminalidade
em empresas: a atuação conforme informações técnicas e a divisão de responsabilidade
penal em estruturas empresariais complexas.
Segundo o professor, o primeiro caso é cada
vez mais corriqueiro: alguém que em um escalão superior da empresa atua
conforme um parecer técnico exarado por alguém ou por um órgão de um escalão
inferior especializado — um departamento jurídico interno, por exemplo. Caso o
parecer técnico seja posteriormente considerado "equivocado", aquele
que tomou a decisão pode ser penalmente responsabilizado. E certamente afirmará
que tomou sua decisão com base em um parecer.
Para o professor, nesses casos o critério
fundamental para análise deve ser a confiabilidade do parecer. Segundo Alaor
Leite, para uma fonte ser confiável, deve ter qualidades formais básicas,
perceptíveis ao leigo que solicita a informação. Além disso, deve ser
imparcial. “Imparcial não significa que a fonte não tenha nenhuma relação com
aquele que solicita a informação. Imparcialidade deve ser compreendida como
ausência de interesse próprio na decisão que se vai tomar.”
De acordo com Alaor, um dos problemas é a
questão da confiabilidade de um setor jurídico interno. “Não há sentido em se
estabelecer um departamento jurídico interno se as informações repassadas não
puderem ser objeto de confiança daquele que toma decisões.” Ele esclarece que
pode acontecer de o alto escalão mascarar um projeto para ser aprovado ou então
de um departamento jurídico dar um parecer como espécie de escudo para proteger
o administrador. “Nesses casos, há que se pesquisar a responsabilidade de ambos.
Mas, em princípio, não se pode negar a confiabilidade de um departamento
jurídico interno.”
Em casos de desconfiança de manipulação ou
compra de parecer para proteger o administrador, Alaor Leite propõe um terceiro
critério. “Aquele que atua em um ambiente complexo é leigo em matéria jurídica,
mas não é leigo sobre seu negócio. Caso uma informação repassada seja
implausível e essa seja perceptível para o leigo, esse parecer não pode ser
objeto de confiança.”
O professor ressalta que há no Brasil uma
doutrina dominante que diz que basta que o sujeito saiba que o fato é proibido,
sendo ou não punível penalmente. “Além de irrazoável, essa exigência é
equivocada, especialmente em âmbitos especializados e complexos”, diz.
CASO MENSALÃO
Nessa linha de raciocínio, o professor
lembrou do caso do mensalão, julgado recentemente pelo Supremo Tribunal
Federal. Segundo ele, a teoria de domínio do fato não é aplicável aos casos de
corrupção. “Não é uma teoria aplicável a todos os delitos. O principal para o
qual ela não é aplicável é o grupo de delitos de dever. E o maior exemplo é o
de corrupção. Não se trata de um delito que se tem que avaliar o domínio do
fato. Tem que se avaliar se um funcionário violou o seu dever. Para o caso de
corrupção, o domínio do fato não é aplicável.”
Além disso, o professor considerou
desnecessária a discussão sobre a teoria durante o julgamento. "A teoria
de domínio do fato foi desenvolvida para distinguir entre autor e partícipe.
Ela não decide sobre o 'se', ela decide sobre o 'como'", afirmou. Ele lembrou
que o artigo 29 do Código Penal sequer distingue entre autor e partícipe do
crime. "Não há facilitação maior para imputação do que a adoção de uma
teoria que sequer distingue quem é autor quem é participe. Era desnecessária a
adoção de uma teoria que distingue diante de uma legislação que não
distingue."
Para ele, não ficou claro, no julgamento do
mensalão, se a imputação foi por ação ou por omissão imprópria. “O que se pode
ver é que boa parte da argumentação se dá em função da posição que tal pessoa
ocupava e se devia saber de determinado fato. Esse tipo de imputação deixa
transparecer uma estrutura de omissão imprópria. A pessoa estava na posição de
garantidora e deveria impedir o cometimento de delitos pelo escalão inferior.”
Segundo o professor, é importante que se tenha claro qual foi a estrutura de
imputação, uma vez que essa decisão vai balizar todas demais.
De acordo com Alaor Leite, também não ficou
clara a posição sobre o compliance no caso do mensalão. “Ao que
parece, foram autorizadas operações muito fora dos padrões permitidos pelas
instituições financeiras. Nesse caso, tem-se possivelmente uma informação
implausível, que aquele que atua no setor financeiro sabe os limites, e a
questão é se aquele que oferece uma informação e que não tem o poder de decidir
pode ser punido pelo repasse da informação”, explica.
Revista Consultor Jurídico
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