Em evento no 'Estado', blogueira cobra mais 'dureza
ou franqueza' na defesa dos direitos humanos; País rejeita acusação
A blogueira cubana Yoani Sánchez pediu ontem uma
"reação mais enérgica" em defesa dos direitos humanos em Cuba. Ela
esteve na sede Grupo Estado, onde participou de um evento que reuniu mais de
200 espectadores no auditório do jornal. Ao todo, 70 veículos de comunicação,
nacionais e internacionais, representados por 113 profissionais, participaram
da entrevista coletiva que se seguiu ao encontro, no qual a dissidente do
regime castrista conversou com os jornalistas Roberto Lameirinhas, editor de
Internacional do Estado, e Lourival Sant'Anna, repórter especial. A seguir, os
temas abordados pela colunista do Estado durante o encontro, que contou com a
participação da plateia na elaboração das perguntas.
Relação entre Brasil e Cuba
"Houve uma melhora nas relações entre os
governos cubano e brasileiro durante as presidências de Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff, principalmente na questão econômica", disse Yoani.
Mas, segundo ela, o governo do Brasil se omite por não criticar a situação dos
direitos individuais dos cubanos. "Estamos ampliando um porto (de Mariel,
a 40 quilômetros de Havana) com a ajuda de capital brasileiro. Isso me parece
bom, (mostra) que o Brasil está ajudando e apoiando Cuba, mas acho que faltou
dureza ou franqueza (do governo brasileiro) ao tratar a questão dos direitos
humanos na ilha. Houve omissão, no caso do Brasil. Não sou diplomata, mas
recomendaria um posicionamento mais firme", afirmou a blogueira, na mais
forte crítica à posição da diplomacia brasileira desde que ela chegou ao País.
Oficialmente, o governo brasileiro não se pronunciou
sobre as declarações de Yoani. Mas uma fonte diplomática disse ontem que a
diplomacia do País não concorda com as acusações. "Não esperem do Brasil
um puxão de orelha em Cuba ou em qualquer outro país individualmente. Existem
instâncias para que os temas, como os direitos humanos, sejam
questionados", disse a fonte, após lembrar que o Brasil reconhece que
houve avanços em Cuba, embora avalie que ainda haja necessidade de progressos.
Manifestações contra sua presença no Brasil
Durante sua passagem pelo Nordeste e por Brasília,
Yoani enfrentou intensas manifestações de movimentos de esquerda, que
repudiavam sua presença e elogiavam o regime cubano. Os protestos repetiram-se
ontem durante a sessão de autógrafos de seu livro, De Cuba, com Carinho, na
Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Inicialmente, ela elogiou a
"pluralidade" do Brasil e a possibilidade de ocorrerem protestos do
gênero sem repressão do governo. Mas criticou os manifestantes pela tentativa
de "calar" sua voz. "Quando não há argumentos, vêm os
gritos." Ontem, a blogueira intensificou suas críticas aos protestos.
"Acredito que todos têm o direito de protestar, a favor ou contra alguma
coisa ou alguém, incluindo em relação a mim. Mas, quando se ultrapassa o limite
da liberdade de expressão, do protesto, na direção da violência verbal e até a
violência física, isso não é democracia, mas sim fanatismo", disse. Em
todos os protestos que fazem contra a cubana, os manifestantes a qualificam de
"mercenária" e a insultam de diversas outras maneiras. Na primeira
mobilização, em sua chegada no aeroporto do Recife, na segunda-feira, o cabelo
da blogueira foi puxado.
Financiamento
Yoani é acusada por seus críticos de ser
"milionária" e contar com dinheiro do governo americano para realizar
seu trabalho. "Pensam que tenho milhões de dólares, mas tenho bilhões de
amigos." Ela afirma que saiu de Cuba com 200 pesos conversíveis, que
trocou "metade em dólares e metade em euros" e sua viagem é bancada
por entidades internacionais de defesa dos direitos humanos e liberdade de
expressão, além de simpatizantes que conheceu pela internet.
Diferenças entre os irmãos Castro
Para Yoani, a principal diferença entre Fidel e Raúl
Castro é a maneira que o governo de cada um deles exerce a repressão aos
opositores. A blogueira afirmou que o comandante da Revolução Cubana era mais
"espetacular" nesse sentido, julgando presos políticos em processos
que lhes rendiam longas penas. Já o atual líder prefere que os opositores
"não sejam vistos" e opta pelas prisões relâmpago que os impedem de
ir a protestos, por exemplo. "Raúl herdou o governo pela via sanguínea,
como se fosse um reinado, o que é surpreendentemente absurdo", disse,
apontando outra diferença entre os irmãos, já que Fidel conquistou o poder em
um levante contra a ditadura de Fulgencio Batista.
Reformas em Cuba
A blogueira considera que as reformas socioeconômicas
que o presidente Raúl Castro tem aplicado desde o fim de 2010 "estão na
direção correta", pois "têm como objetivo melhorar a vida" dos
cubanos. "A mudança na lei migratória também é insuficiente", disse
Yoani, pois a nova legislação não afirma em seu texto que os cidadãos do país
têm direito de deixar a ilha e poder retornar. "Durante décadas, o mercado
imobiliário era difícil. Isso é importante na reforma 'raulista'. Quando o
governo vê que não pode impedir algo, legaliza isso. A compra e venda de carros
deu dinamismo a esses setores. Começou, então, a ocorrer um fenômeno de
redistribuição das cidades por isso começamos a ver a diferença social. São
medidas positivas, mas não são suficientes."
Ideologias
Yoani afirmou que se relaciona "muito mal"
com as ideologias. "Sou uma pessoa pós-moderna, cultuo a liberdade",
disse, afirmando que se preocupa muito com os mais pobres. "Não acredito
que em Cuba haja socialismo. E a ilha nunca chegou ao comunismo. O que existe
em Cuba é um capitalismo de Estado", afirmou. Apesar disso, na opinião da
blogueira, a ajuda que a União Soviética proveu ao regime cubano entre o começo
da década de 60 e o início dos anos 90 contribuiu para que Cuba se aproximasse
de uma sociedade puramente comunista. "Quando o Muro de Berlim caiu, isso
começou a mudar."
Quando o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que esteve
presente no evento do Estado, perguntou à cubana o que ela pensava de uma frase
da presidente Dilma Rousseff - "é sempre preferível o ruído da imprensa
livre do que o silêncio da ditadura" -, Yoani respondeu que tem vontade de
gravar essas palavras "em mármore". "Essa é uma frase que me
encanta. Gosto muito dela, pois essa é minha causa, minha vida", disse a
cubana.
Economia cubana
"Desde 1993, Cuba utiliza duas moedas, o que
considero esquizofrenia", disse. "Muitos buscam outra forma de
sustento. Por exemplo, um cozinheiro que trabalha em um restaurante pode roubar
algum alimento para dar à família ou negociar no mercado negro. Outra coisa que
acontece é as pessoas buscarem um trabalho paralelo, como a prostituição."
O Estadão
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