sábado, 3 de novembro de 2012

Mensalão tucano: sem punição para o ex-ministro Walfrido Guia


Em 3 semanas, quando faz 70 anos, ele terá acusações prescritas na ação que corre em MG


BELO HORIZONTE O político mais influente na condição de réu do mensalão que envolveu tucanos em Minas Gerais não vai ser punido por seu envolvimento com o episódio. Ex-ministro do Turismo, aliado número um de petistas, tucanos e socialistas em Minas Gerais, Walfrido dos Mares Guia completa 70 anos daqui a três semanas e, a partir daí, estarão prescritas as acusações de peculato e lavagem de dinheiro contra ele em tramitação na Justiça estadual. Walfrido havia sido denunciado por sua participação na campanha pela reeleição de Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas, em 1998. Para que réus com a sua idade pudessem ser condenados, a denúncia deveria ter sido apresentada até 2006, o que não ocorreu.

O empresário Walfrido dos Mares Guia não chegou a ser denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) no mensalão do PT durante o governo Lula. Mas estava na reunião com Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto quando o então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) alertou o então presidente da República sobre a distribuição de recursos a parlamentares por meio de Marcos Valério.

No processo em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Walfrido admite ter ocorrido o diálogo e a conversa. A menção ao esquema montado por Valério, na reunião às vésperas de o escândalo estourar, não foi para ele motivo de surpresa. Pois foi por meio de Valério que Walfrido pagou R$ 507 mil de uma dívida de Azeredo com seu tesoureiro de campanha, Cláudio Mourão.

A operação se deu assim: Azeredo devia R$ 700 mil à empresa locadora de veículos dos filhos de Mourão, que resolveu cobrar quatro anos depois. Quem pagou a dívida para ele? Valério. Uma semana depois, Walfrido depositou R$ 507 mil na conta de Valério como forma de saldar parte da dívida do ex-governador. Para isso, conseguiu o dinheiro por meio de um empréstimo obtido para sua empresa junto ao Banco Rural, onde os avalistas eram ele próprio e Azeredo. O empréstimo foi quitado por Walfrido três meses depois, com recursos de sua conta no Banque Nationale de Paris. A Polícia Federal não conseguiu rastrear a origem desse dinheiro.

Para o Ministério Público, pagar Cláudio Mourão em 2002 era uma forma de evitar que ele denunciasse o esquema montado pela campanha de Azeredo em 1998 para desviar recursos públicos para sua campanha a governador, com ajuda de Valério. Pelo menos R$ 3,5 milhões repassados por estatais mineiras às agências publicitárias de Valério, a título de patrocínio de eventos esportivos, foram usados para cobrir despesas da campanha, apurou a Polícia Federal. Ao aceitar denúncia contra Azeredo, o ministro do STF Joaquim Barbosa destacou que, se a dívida de Mourão com Azeredo tivesse sido contraída de forma lícita, não haveria necessidade de quitá-la usando-se da intermediação de pessoas.

A denúncia contra os réus do mensalão tucano em Minas, um esquema revelado pelo GLOBO em 2005, foi apresentada em 2007, nove anos após a ocorrência dos crimes atribuídos a eles. O prazo de prescrição é de 16 anos, mas cai pela metade para o réu que atinge 70 anos, caso de Walfrido. Seus advogados devem pedir o arquivamento da denúncia contra ele após o seu aniversário, e representantes do Ministério Público de Minas admitem que terão que concordar com o pedido. Ao advogado, Walfrido diz que gostaria que a tramitação do processo tivesse sido mais ágil, para provar sua inocência.

Walfrido admite ter sido o coordenador-geral da campanha vitoriosa de Azeredo ao governo em 1994, quando ele foi eleito vice-governador. Mas nega ter cumprido o mesmo papel em 1998, quando teria, segundo sua defesa, “se embrenhado em sua própria campanha a deputado federal”, mantendo-se “distanciado do comando central da campanha e de sua administração”. Para a PGR, não era bem assim. Prova disso seriam dois esboços manuscritos que trazem em sua letra estimativas de gastos do primeiro e do segundo turnos, demonstração de “sua atuação estável ao longo da disputa eleitoral”, segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Em depoimento, Cláudio Mourão assume o papel de tesoureiro oficial, mas diz que Walfrido tinha papel central na campanha. O mesmo está registrado nos autos por Clésio Andrade que, na ocasião, assumiu o lugar de vice na chapa de Azeredo à reeleição.

Paulo Vasconcelos, um dos responsáveis pela comunicação da campanha, diz que foi convidado por Walfrido a participar. No segundo turno, quem ligou para o tucano Amilcar Martins, aliado do adversário daquele pleito, Itamar Franco (PMDB), pedindo apoio, foi Walfrido. Ao enviar proposta do plano de comunicação da campanha, Zilmar Fernandes, assessora de Duda Mendonça, encaminhou a correspondência para quem? Walfrido. O texto cita o valor real do serviço (R$ 4,5 mil) e o que seria registrado oficialmente na prestação de contas da campanha (R$ 700 mil). Assim como no mensalão do PT, Duda recebeu recursos por meio de Valério, dinheiro cuja origem é um empréstimo de R$ 9 milhões do Banco Rural. Para a PGR, um empréstimo simulado.

Sobre a carta de Duda, a defesa de Walfrido alega que sua participação “resumiu-se a encaminhar a carta para o comitê”. Cita a informação de que a maioria das testemunhas do processo diz não tê-lo conhecido na campanha. Trata Walfrido como “avis rara no meio político” para justificar o manuscrito com as informações financeiras da campanha de 98, dizendo que ele “opinou, orçou, avaliou”, mas “nada concretamente planejou ou executou”. “Suas análises técnicas desapaixonadas eram buscadas por muitos, aliados e nem tão aliados; amigos e não tão amigos. Sua capacidade de dimensionar quantitativamente uma campanha, inclusive orçando os custos respectivos, tornou-se legendária em sua terra”, escreveu o advogado Arnaldo Malheiros na tentativa de desvincular seu cliente da campanha.

Sobre o pagamento feito por seu cliente a Valério para pagar a dívida de Azeredo, Malheiros também explica, citando a Samos Participações Ltda, empresa de Walfrido: “Não significa que (Walfrido) tenha carregado fardos de papel-moeda ao guichê. Na verdade, o requerente, em seu escritório, assinou ordem para que se depositasse o valor de empréstimo que estava sendo dado à Samos na conta do credor de seu amigo”.

Em 2010, Walfrido saiu de Minas para comemorar o aniversário na sala privada do restaurante Fasano, em São Paulo. Foi uma festa menor, afinal, dois anos antes, havia convidado os amigos para comemorar o aniversário da esposa no restaurante Caviar Kaspia, em Paris. No ano passado, ele celebrou os 69 anos em almoço para convidados em Minas Gerais.

— O Walfrido adora o aniversário, não é? Ainda não sabemos como vamos comemorar — disse ao GLOBO sua mulher Sheila dos Mares Guia. Meia hora depois, a assessoria do ex-ministro ligou para dizer que “não haverá grande festa, apenas uma coisa íntima, com a família”.

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