Procurador que comandou investigação diz que esquema sofreu um baque,‘mas não está morto’; ele questiona o motivo de a CPI não avançar na apuração sobre os beneficiários dos recursos movimentados
Fernando Gallo
Coordenador do núcleo de combate à corrupção do
Ministério Público Federal em Goiás, instituição que desencadeou a Operação
Monte Carlo, da Polícia Federal, e investigou as relações de Carlinhos
Cachoeira com o jogo ilegal no Estado, o procurador da República Hélio Telho
afirma que a tática de defesa de Carlinhos Cachoeira é a mesma utilizada pelos
advogados do processo do mensalão, em julgamento desde agosto no Supremo
Tribunal Federal. Na última sexta-feira, em sua primeira declaração pública
desde que deixou a cadeia, após passar 226 dias preso em decorrência das
investigações da operação, o contraventor Carlos Cachoeira afirmou que a
Procuradoria tenta fazer “estrelismo” em cima dele e que as escutas telefônicas
do processo são ilegais.
“Você não vê ele se defender daquilo pelo que
está sendo acusado. Em momento nenhum ele nega que tenha chefiado o esquema (de
jogos ilegais) ou que o esquema exista. Ele diz que o processo é nulo. É a
mesma tática de defesa que foi utilizada pelos advogados do processo do
mensalão, que é tentar desqualificar o trabalho do Ministério Público”,
sustenta Telho.
O procurador diz, nesta entrevista ao Estado,
não ter dúvidas de que o esquema ilegal do contraventor “não está morto” e de
que “os negócios ilícitos serão potencializados” com ele solto pela Justiça.
Telho afirma que o indiciamento de dezenas de pessoas pela CPI do Cachoeira -
que poderá ocorrer no relatório do deputado federal Odair Cunha (PT-MG), cujo
resumo deve ser apresentado na Câmara nesta quarta-feira - “tem efeito jurídico
zero” e critica duramente a comissão, ao dizer que ela tenta proteger os
beneficiários dos recursos das empresas fantasmas do esquema. “Isso é realmente
preocupante e deve ser analisado. Quem está sendo deixado de fora? Quem a CPI
está protegendo?”, indaga o procurador da República.
Como o sr. avalia a soltura de Carlinhos
Cachoeira?
Ele não foi solto pela Justiça Federal por falta
de motivos para que seja mantido preso. Os motivos para que ele continue respondendo
ao processo preso continuam intactos. O TRF e o STJ entenderam dessa maneira.
Ele foi solto pela juíza de Brasília porque a pena que ele pegou lá é em um
regime muito mais benéfico do que a prisão fechada em que estava
provisoriamente. Na Justiça Federal ele foi solto porque, segundo o
entendimento do desembargador Tourinho Neto, teria havido excesso de prazo, que
aliás foi o próprio desembargador que provocou ao suspender a fundamentação
penal a pedido da própria defesa. Há motivos para ele permanecer preso. As
evidências estão mostrando que a quadrilha que ele chefia não se desarticulou e
agora, com ele voltando a assumir novamente as atividades, os negócios ilícitos
serão potencializados.
A condenação dele ao regime semiaberto no
processo da Operação Saint-Michel foi branda?
A lei prevê que as penas entre quatro e oito
anos sejam cumpridas em regime inicialmente semiaberto. A regra geral é essa.
É mais difícil levá-lo de volta à prisão do que
teria sido mantê-lo preso?
Manter preso, na prática, e mais fácil do que
mandar de volta para a cadeia. Mas normalmente é mais difícil mandar de volta
para a cadeia quando a Justiça entende que não há mais motivos para manter
preso. No caso específico de que estamos cuidando, a Justiça não entendeu que
os motivos não existem, e sim que eles subexistem. Ela só soltou porque houve
demora no julgamento e porque não poderia mantê-lo preso aguardando o
julgamento por tanto tempo assim.
O sr. conhece de longa data a atuação de
Cachoeira. Acredita que ele possa rearticular um esquema grande, muito além de
reorganizar o jogo em Goiás?
Pelas centenas de milhões de reais que esse
esquema movimentou, não tenho dúvida nenhuma de que esse esquema não está
morto. Ele pode ter sofrido um revés, um baque, mas ele não morreu e a
tendência é ele se regenerar se o combate não se aprofundar.
Em sua primeira entrevista depois da saída da
prisão, Cachoeira disse que as teses da Procuradoria são “maliciosas” e que os
grampos da Operação Monte Carlo são completamente ilegais. O que o sr. acha
disso?
Você não vê ele se defender daquilo de que está sendo
acusado. Em momento nenhum ele nega que tenha chefiado o esquema ou que o
esquema exista. Ele diz que o processo é nulo. É a mesma tática de defesa que
foi utilizada pelos advogados do processo do mensalão, que é tentar
desqualificar o trabalho do Ministério Público, a validade das provas que foram
produzidas e dizer que no fim das contas não acontecerá o resultado que se
tenta produzir.
Qual a avaliação que o sr. faz da proposta de
indiciamento de dezenas de pessoas pela CPI do Cachoeira, inclusive do
governador Marconi Perillo?
O indiciamento em si é um nada jurídico, não produz nenhum efeito jurídico contra a pessoa que está sendo indiciada. Ele resulta mais em estrépito, em argumentos que os adversários utilizam no palanque eleitoral do que propriamente em resultado prático. O indiciamento pela CPI não vai punir ninguém, não vai abrir processo contra ninguém. O efeito jurídico prático é zero. Então não me preocupa que dezenas de pessoas estejam sendo indiciadas. O que me preocupa mais é quem não está sendo indiciado.
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