A ordem do dia era condenar o presidente
paraguaio; Lugo tinha informações de um plano para causar um derramamento de
sangue na praça
Por Natalia Viana
Eram 18 horas do dia 21 de junho. A
defesa teria 17 horas para elaborar seus argumentos e duas horas para
defendê-los diante do Senado, que serviria como juiz no dia seguinte. O
processo de impeachment contra Fernando Lugo, presidente eleito 4 anos antes no
Paraguai. A Câmara dos Deputados fez a acusação formal, declarando que o
ex-bispo estava desempenhando mal as suas funções. O libelo acusatório, no
entanto, não continha nenhuma prova concreta, limitando-se a afirmar que as
causas mencionadas “são de pública notoriedade, motivo pelo qual não necessitam
ser provadas”.
A notícia do juízo político – a
versão paraguaia do impeachment – foi oficializada naquela noite e timidamente
alguns grupos começaram a chegar à Plaza Independência no centro de
Assunção, que fica diante do Congresso. Aos poucos a aglomeração, foi tomando
corpo; na manhã seguinte, antes do meio-dia, quando a defesa teria início, já
reunia dez mil pessoas.
“Nós nos auto-convocamos”, lembra
Katia Maria Guggiari, uma jovem baixinha, de cabelos longos como a tradição
política de sua família. Neta de um dos últimos presidentes liberais a governar
o Paraguai, José Patricio Guggiari Corniglioni (1928-1932), Katia, contrariando
boa parte da tradicionalíssima família – com quem rompeu relações – foi para a
praça munida dos conselhos de um primo que havia vivido sob a ditadura de
Stroessner. “O mais importante”, lembra ela, “era ficar longe da entrada do
Congresso quando anunciassem o resultado do juízo político, porque a polícia
iria reprimir imediatamente”
O que levou Katia à praça não foi
apreço pelo ex-presidente Lugo, por quem ela mantém indisfarçada antipatia. “Eu
estava absolutamente ofendida com o que estava acontecendo. Passamos 17 anos de
transição. Finalmente havíamos entrado na democracia e eles romperam com tudo
em 24 horas”, diz ela. “Isso dói”.
Cinco meses depois, ela ainda guarda
viva na lembrança o clima de tristeza daqueles dias. “Gente que não te conhecia
vinha te abraçar e dizia ‘tranquilo, não está tudo feito ainda…’”, diz ela, que
passou boa parte do tempo enviando torpedos para senadores do partido liberal:
‘meu avô está se revirando na tumba’. Os liberais, segunda maior força política
do país, haviam fechado um acordo com seus inimigos de longa data, o
conservador partido colorado, para levar adiante a destituição do primeiro
presidente de centro-esquerda a chegar ao poder no país. “Depois disso foram
muitas horas… Foram muito poucas horas, mas parece que foi uma eternidade”.
Dentro do prédio do Congresso, a
Ordem do Dia circulava desde o amanhecer daquela sexta-feira, detalhando os
procedimentos do juízo político– e demonstrando que se tratava de um acordo
mais que fechado.
O procedimento – veja aqui uma cópia do documento – explicava que
às 12 horas haveria uma sessão para escutar a defesa do presidente. Às 14:30 se
constituiria um tribunal para decidir a admissão das provas oferecidas pelos
dois lados. Às 15:30 haveria uma sessão extraordinária para formular alegações,
e às 16:30, a sessão que ditaria a sentença.
A Ordem do Dia descrevia até como
seria o encerramento da última sessão: “Uma vez comprovados os votos requeridos
se procederá a declarar o acusado culpável afastando-o do pleno direito de seu
cargo”.
Nas 17 horas que teve para tentar
refrear o juízo político, a equipe de defesa de Lugo impetrou um recurso de
pedido de inconstitucionalidade na Corte Suprema de Justiça às 8:24 horas do
dia 22 de junho, alegando que o direito de defesa não havia sido respeitado. A
resposta chegou na segunda-feira seguinte, quando Federico Franco já comandava
o país.
“Como se trata de um procedimento
que tecnicamente não é jurisdicional, as garantias próprias do processo
judicial, embora possam ser aplicáveis, não o são de maneira absoluta, mas
parcial, com o objetivo de garantir o devido processo e o direito de defesa do
acusado”, deliberou a Suprema Corte. E termina por indeferir,
sem mais trâmites, o recurso de inconstitucionalidade. Veja aqui o documento.
Outro recurso, pedindo a anulação do
impeachment, no qual foi anexada a Ordem do Dia que determinava a condenação do
réu, também foi negado meses depois. O principal argumento da Corte Suprema é
que o impeachment, por se tratar de um procedimento político, não tem a
obrigação de seguir as normas de um julgamento comum – como o direito à ampla
defesa. .... Leia
na íntegra...
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