segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A DESTITUIÇÃO DE LUGO, VISTA DO PALÁCIO

A ordem do dia era condenar o presidente paraguaio; Lugo tinha informações de um plano para causar um derramamento de sangue na praça
Por Natalia Viana

Eram 18 horas do dia 21 de junho. A defesa teria 17 horas para elaborar seus argumentos e duas horas para defendê-los diante do Senado, que serviria como juiz no dia seguinte. O processo de impeachment contra Fernando Lugo, presidente eleito 4 anos antes no Paraguai. A Câmara dos Deputados fez a acusação formal, declarando que o ex-bispo estava desempenhando mal as suas funções. O libelo acusatório, no entanto, não continha nenhuma prova concreta, limitando-se a afirmar que as causas mencionadas “são de pública notoriedade, motivo pelo qual não necessitam ser provadas”. 
A notícia do juízo político – a versão paraguaia do impeachment – foi oficializada naquela noite e timidamente alguns grupos começaram a chegar à Plaza Independência  no centro de Assunção, que fica diante do Congresso. Aos poucos a aglomeração, foi tomando corpo; na manhã seguinte, antes do meio-dia, quando a defesa teria início, já reunia dez mil pessoas.
“Nós nos auto-convocamos”, lembra Katia Maria Guggiari, uma jovem baixinha, de cabelos longos como a tradição política de sua família. Neta de um dos últimos presidentes liberais a governar o Paraguai, José Patricio Guggiari Corniglioni (1928-1932), Katia, contrariando boa parte da tradicionalíssima família – com quem rompeu relações – foi para a praça munida dos conselhos de um primo que havia vivido sob a ditadura de Stroessner. “O mais importante”, lembra ela, “era ficar longe da entrada do Congresso quando anunciassem o resultado do juízo político, porque a polícia iria reprimir imediatamente”

O que levou Katia à praça não foi apreço pelo ex-presidente Lugo, por quem ela mantém indisfarçada antipatia. “Eu estava absolutamente ofendida com o que estava acontecendo. Passamos 17 anos de transição. Finalmente havíamos entrado na democracia e eles romperam com tudo em 24 horas”, diz ela. “Isso dói”.

Cinco meses depois, ela ainda guarda viva na lembrança o clima de tristeza daqueles dias. “Gente que não te conhecia vinha te abraçar e dizia ‘tranquilo, não está tudo feito ainda…’”, diz ela, que passou boa parte do tempo enviando torpedos para senadores do partido liberal: ‘meu avô está se revirando na tumba’. Os liberais, segunda maior força política do país, haviam fechado um acordo com seus inimigos de longa data, o conservador partido colorado, para levar adiante a destituição do primeiro presidente de centro-esquerda a chegar ao poder no país. “Depois disso foram muitas horas… Foram muito poucas horas, mas parece que foi uma eternidade”.

Dentro do prédio do Congresso, a Ordem do Dia circulava desde o amanhecer daquela sexta-feira, detalhando os procedimentos do juízo político– e demonstrando que se tratava de um acordo mais que fechado.

O procedimento – veja aqui uma cópia do documento – explicava que às 12 horas haveria uma sessão para escutar a defesa do presidente. Às 14:30 se constituiria um tribunal para decidir a admissão das provas oferecidas pelos dois lados. Às 15:30 haveria uma sessão extraordinária para formular alegações, e às 16:30, a sessão que ditaria a sentença.
A Ordem do Dia descrevia até como seria o encerramento da última sessão: “Uma vez comprovados os votos requeridos se procederá a declarar o acusado culpável afastando-o do pleno direito de seu cargo”.
Nas 17 horas que teve para tentar refrear o juízo político, a equipe de defesa de Lugo impetrou um recurso de pedido de inconstitucionalidade na Corte Suprema de Justiça às 8:24 horas do dia 22 de junho, alegando que o direito de defesa não havia sido respeitado. A resposta chegou na segunda-feira seguinte, quando Federico Franco já comandava o país.

“Como se trata de um procedimento que tecnicamente não é jurisdicional, as garantias próprias do processo judicial, embora possam ser aplicáveis, não o são de maneira absoluta, mas parcial, com o objetivo de garantir o devido processo e o direito de defesa do acusado”, deliberou  a Suprema Corte. E termina por  indeferir, sem mais trâmites, o recurso de inconstitucionalidade.  Veja aqui o documento.
Outro recurso, pedindo a anulação do impeachment, no qual foi anexada a Ordem do Dia que determinava a condenação do réu, também foi negado meses depois. O principal argumento da Corte Suprema é que o impeachment, por se tratar de um procedimento político, não tem a obrigação de seguir as normas de um julgamento comum – como o direito à ampla defesa.  .... Leia na íntegra...

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