Meses antes das
eleições presidenciais chilenas de 1970, os militares brasileiros já previam
que as Forças Armadas chilenas reagiriam a uma eventual vitória do candidato
Salvador Allende, como de fato aconteceu, em 1973. A presença do Chile
socialista na Organização dos Estados Americanos (OEA) também era vista como
ameaça à segurança continental.
Um dos milhares de
documentos do Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa) – extinto com a criação do
Ministério da Defesa - agora disponibilizados ao público pelo Arquivo Nacional,
em Brasília, confirmam que a situação política interna do Chile era objeto da
atenção dos militares e diplomatas brasileiros desde antes de Allende chegar ao
poder pelo voto direto.
Os militares e
diplomatas também temiam pela segurança da embaixada e dos representantes
brasileiros que trabalhavam no país vizinho, onde a tensão política aumentava
na medida em que cresciam as chances de o primeiro presidente socialista ser
eleito e empossado democraticamente.
“A situação [chilena]
é muito grave face à conjuntura mundial e, principalmente, a da América Latina,
se considerarmos os rumos que poderá tomar em setembro próximo, por ocasião das
eleições presidenciais chilenas”, pondera o então coronel Luiz José Torres
Marques.
No documento, o
coronel relata a seus superiores o resultado de uma reunião realizada na
embaixada brasileira no Chile, em maio de 1970, e da qual participaram, além do
embaixador brasileiro Antônio Cândido da Câmara Canto, todos os secretários e
adidos militares da embaixada.
Em sua mensagem, o
coronel afirmava que o candidato do Partido Nacional, o empresário e
ex-presidente da República Jorge Alessandri Rodriguez (1958/1964), que
considerava “um homem austero e digno”, era o preferido da “classe mais elevada
da população chilena e daqueles que não desejam ver o comunismo implantado no
país”. Para o brasileiro, se Alessandri vencesse as eleições por maioria
absoluta, o Chile “continuaria com um governo democrático”.
O coronel, contudo,
não descartava nem a hipótese de Alessandri vencer por maioria relativa e o
Congresso acabar referendando a vitória de Allende nem a de o socialista vencer
por maioria relativa e terminar empossado. Em ambos os casos, concluía Marques,
as prováveis consequências seriam as mesmas: a eclosão de um movimento militar
a fim de impedir Allende de governar.
O coronel também
informa a seus superiores que os representantes diplomáticos brasileiros
estariam vivendo em clima de insegurança, que atribui à presença de milhares de
refugiados brasileiros que, após o golpe militar de 1964, buscaram asilo
político no Chile. Em sua mensagem, Marques procura convencer o Estado-Maior
das Forças Armadas e, portanto, o governo brasileiro, da necessidade de dar
maior segurança à representação brasileira.
Entendendo que os
diplomatas estavam sob risco, o militar reclamava da “inexistência de um
sistema mínimo de segurança que lhes dê uma cobertura para as constantes
ameaças que sofrem por parte de elementos subversivos nacionais [chilenos] e de
brasileiros que lá se refugiaram após a revolução de março de 1964”, sugerindo
que o próprio embaixador Câmara Canto e sua família viviam “enclausurados”, na
embaixada.
Morto em 1977, Câmara
Canto é apontado como o principal apoiador e elo entre o regime militar
brasileiro e o governo do general Pinochet. “Quando, por força de suas
atribuições, ele tem que se ausentar, os secretários [da embaixada] e os adidos
militares lhe dão cobertura sumária, operando como se fossem policiais”.
Após a vitória de
Allende, o próprio chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, almirante Murillo
Vasco do Valle Silva, solicitou ao presidente Emilio Médici orientação de como
a representação brasileira na Junta Interamericana de Defesa (JID) - uma
entidade de assessoramento militar da Organização dos Estados Americanos (OEA)
- deveria proceder em caso de algum país-membro propor o afastamento da
representação chilena, a exemplo do que já havia ocorrido com a delegação
cubana, suspensa em 1961.
“O programa socialista
que está sendo desenvolvido pelo presidente Salvador Allende […] tende a criar
desarmonia e desconfiança nos organismos onde são discutidas medidas de
proteção contra a infiltração ideológica comunista no Continente Americano”,
escreveu Silva, incomodado com a permanência da delegação chilena na Junta,
permitindo acesso às sessões e documentos contendo estudos e planos comuns de
segurança continental.
“Esta chefia,
considerando a atual conjuntura chilena, é de parecer de que o chefe da
delegação brasileira deverá apoiar qualquer ação que vise a preservação da
segurança necessária aos já mencionados estudos”.
Reunida, a
documentação militar disponibilizada ao público desde ontem (1º) soma quase 130
volumes. A maior parte dos papéis, relativos ao período de 1947 a 1991, são
documentos administrativos sem maior importância, como pedidos de pareceres ou
documentos funcionais para fins de promoção, mas há também documentos
relevantes como um aviso sobre irregularidades em concorrência pública.
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