A grande Inezita Barroso contou
diversas vezes que um de seus maiores sucessos de sua longa e belíssima
carreira, "Marvada Pinga", também conhecida por "Moda da
Pinga", não tem um autor definido. Ela mesma foi recolhendo e
incorporando, em suas andanças pelo interior, versos à música, gravada inicialmente
por Raul Torres, em 1937, e por Laureano e Mariano, em 1939. A música é
atribuída a Ochelsis Laureano e Raul Torres. Mas os méritos de espalhar para o
Brasil inteiro os efeitos de uma boa carraspana são mesmo de Inezita, que
soube, com sua sensibilidade e inteligência, tornar inteligível a
linguagem mais que tortuosa do bebum.
Inezita gravou "Marvada
Pinga" num compacto-simples (alguém ainda sabe o que é isso?) em 1954. A
história é velha, mas merece ser repetida: iniciante que era na vida artística,
ela havia se esquecido que, naquele tempo, um disco tinha dois lados. No
estúdio, alguém quis saber dela o que iria no lado B. Pega assim de supetão,
acabou escolhendo um samba-canção do amigo Paulo Vanzolini - nada menos que
Ronda, ícone da canção paulistana. Como resultado, emplacou dois sucessos de
uma só vez.
Inezita e a "Marvada
Pinga" entraram nesta história, confesso, meio de contrabando. É que,
devido ao fato noticiado à exaustão do drible que o senador Aécio Neves deu no
bafômetro, acredito, a nossa excelsa cachaça, orgulho de todos os nacionalistas
e mesmo dos apreciadores de um bom destilado, vai agora passar a ter o respeito
que merece.
Pois não é sempre que a bebida mais
consumida no país, verdadeiro elo cultural entre tantas diferenças regionais,
serve a um propósito tão nobre quanto este de desmascarar a hipocrisia que
grassa no Brasil oficial, tão bem representado neste episódio pelo senador
mineiro (ou seria carioca?).
É que, dias antes de ser pego pela
blitz antialcoólica, nosso herói bradava no plenário do Senado lições de ética
e moral e receitas definitivas para salvar o país do descalabro de governantes
sem nenhuma das suas "modestas" qualidades de homem público
descendente de nobre linhagem.
O Brasil real, porém, esse que
felizmente ignora solenemente tais exibições de pedantismo acaciano, como
demonstram cabal e alegremente os versos da "Marvada Pinga", há
muito tempo sabe reconhecer quem está no seu juízo. E quem é simplesmente um
mamulengo que diz as coisas sopradas pela conveniência. Ou pelos eflúvios da
libação.
A essas pessoas, portanto, aí vai a
justa homenagem prestada pelos nossos poetas populares, que construíram esta
saborosa e picante "Moda da Pinga":
Co'a marvada pinga é que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dou um taio
Pego no copo e dali num saio
Ali memo eu bebo, ali memo eu caio
Só pra carregá é que eu do trabaio, oi lai
Venho da cidade, já venho cantando
Trago um garrafão que venho chupando
Venho pros caminho, venho trupicano
Chifrano os barranco, venho cambeteano
No lugá que eu caio, já fico roncando, oi lai
O marido me disse, ele me falô
Largue de bebê, peço por favô
Prosa de home, nunca dei valô
Bebo com sór quente pra esfriá o calô
E bebo de noite pra fazê suadô, oi lai
Pego o garrafão e já balanceio
Que é pra mór de vê se tá memo cheio
Não bebo de veiz porque acho feio
No primeiro górpe chego inté no meio
No segundo trago é que eu desvazeio, oi lai
Cada vez que eu caio, caio deferente
Miaço pra traz e caio pra frente
Caio devagá, caio derrepente
Vô de corrupio, vô deretamente
Mas sendo de pinga eu caio contente, oi lai
Eu fui numa festa no rio tietê
Eu la fui chegando no amanhecê
Já me dero pinga pra mim bebê
Tava sem fervê
Eu bebi demais e fiquei mamada
Eu cai no chão e fiquei deitada
Aí eu fui pra casa de braço dado
Oi de braço dado com dois sordado
(ai, muito obrigado).
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Dag Vulpi