domingo, 21 de abril de 2013

No Amazonas, falso pastor desaparece com 13 índios da etnia paumari


Um homem que se apresentou como pastor e “parente” dos índios Paumari, da Aldeia Crispim, no Rio Purus, no Amazonas, desapareceu, segundo denúncia dos moradores, com 13 índios da etnia - cinco adultos, seis adolescentes de 12 a 16 anos, um menino pequeno e um bebê de colo.

No sábado (14), recebi um telefonema de uma mulher paumari, moradora da Aldeia Crispim, situada na Terra Indígena Paumari do Lago Marahã, no município de Lábrea (AM). Ela estava muito preocupada com sua filha mais nova e seus netos que haviam sido levados por um homem que se apresentou na aldeia como pastor.

A história que a mulher relatou foi a seguinte: No dia 24 de dezembro, os habitantes paumari da Aldeia Crispim, receberam a visita de um homem, desconhecido, que dizia-se pastor e descendente de índios macuxi.

O suposto pastor chegou acompanhado de um morador da aldeia, que ele conhecera em Lábrea poucos dias antes. O pastor pregou e encantou a todos com sua lábia e a qualidade de suas pregações.

Apresentou-se como compositor de musicas evangélicas e também como advogado que poderia ajudá-los, tanto no desenvolvimento de sua igreja, como na construção de uma escola melhor e na obtenção de inúmeros bens.

O suposto pastor e compositor vendeu dezenas de CDs aos moradores da aldeia Crispim, prometeu que os ajudaria a obter uma antena de rádio, luz elétrica, computadores, máquinas de lavar roupa e fornos para aliviar as tarefas quotidianas. Disse, ainda, que graças a ele, poderiam também instalar internet na aldeia.

Após vários dias de pregações e promessas, pediu ajuda aos paumari, pois seu cartão de crédito tinha sido bloqueado e precisava de dinheiro para voltar, para ir buscar tudo o que tinha prometido. Segundo o relato da mulher, várias pessoas da aldeia teriam emprestado dinheiro para o suposto pastor, inclusive pedindo empréstimos no banco da cidade.

Finalmente, o suposto pastor convidou o morador que o havia levado para a aldeia a acompanhá-lo em sua viagem de volta para buscar o material prometido. Partiu levando o homem paumari e toda a sua família (esposa, filhos, nora e neto), uma jovem mãe solteira, duas sobrinhas dela, sua filha mais velha e seu filho pequeno.

Prometeu que as moças seriam empregadas como secretária, lavadeira e babá e receberiam R$ 1,2 mil por mês. E partiram de barco, supostamente até a cidade de Canutama no início da semana passada, e teriam seguido pelo Rio Mucuim, na direção de Porto Velho, e parado no quilômetro 70 da estrada Lábrea-Porto Velho.

De lá, o pastor teria telefonado para uns parentes dos paumari em Lábrea dizendo que estava tudo bem e que voltariam com um barco e dois caminhões com as mercadorias e o equipamento prometido.

Desconfiados, alguns moradores da aldeia comunicaram o fato ao posto da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Lábrea. Um de seus funcionários avisou a Funai do município de Humaitá, além das delegacias de polícia de Humaitá e Canutama.

A Funai tentou interceptar o barco quando passava por Lábrea, sem sucesso, e seus funcionários estão aguardando notícias das delegacias das duas cidades. Segundo informações da Funai de Lábrea, é provável que o indivíduo seja um presidiário de Humaitá que teria obtido habeas corpus há pouco tempo.

História
Os paumari são um grupo de aproximadamente 1,3 mil pessoas, falantes de uma língua arawá, e habitantes das margens, dos lagos e dos igarapés do médio curso do Rio Purus.

A história desse povo ficou profundamente marcada pela chamada economia da borracha, - ou economia do aviamento - e pela instalação dos patrões na região, a partir de meados do século XIX. Estes impediam que os Paumari usassem as praias para cultivar e pescar durante o verão e exigiam destes uma dedicação exclusiva para saldar suas dívidas, contraídas através do aviamento de mercadorias.

Endividando-se com os patrões para comprar mercadorias e instrumentos de trabalho, eles ficaram intensamente envolvidos no sistema de aviamento e passaram a produzir (i.e. a extrair produtos vegetais e naturais) para saldar dívidas e obter mercadorias. Sua cosmologia e sua organização social foram fortemente marcada pela história, assim, o hábito dos jovens se empregarem em barcos de pesca, em colocações e seringais ou com comerciantes fluviais é uma herança dessa época.

Mais recentemente, com o declínio do patronato amazônico, a chegada das missões (na década de 1960) libertou-os da dependência dos patrões, mas modificou seu modo de vida, dividindo a população em “crentes” e “não-crentes”.

Desde então, e com a demarcação progressiva das terras (a partir dos anos 1990), procuraram restabelecer o ritmo de vida anual de alternância entre a terra firme e o rio e se reorganizaram politicamente, inclusive participando ativamente do movimento político indígena da região.

Atualmente, enfrentam sérios problemas   como todos os demais grupos da região    em relação à saúde indígena, à educação diferenciada e as invasões de terra, principalmente por barcos de pesca comercial. Os  desafios maiores que enfrentam hoje são a migração de sua população para as cidades vizinhas (Lábrea, Tapauá, Porto Velho e Canutama) e o progressivo abandono de sua língua.

Oiara Bonilla é antropóloga, pesquisadora do Museu Nacional (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e trabalha junto aos Paumari desde 2000.

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