Um
homem que se apresentou como pastor e “parente” dos índios Paumari, da Aldeia
Crispim, no Rio Purus, no Amazonas, desapareceu, segundo denúncia dos
moradores, com 13 índios da etnia - cinco adultos, seis adolescentes de 12 a 16
anos, um menino pequeno e um bebê de colo.
No
sábado (14), recebi um telefonema de uma mulher paumari, moradora da Aldeia
Crispim, situada na Terra Indígena Paumari do Lago Marahã, no município de
Lábrea (AM). Ela estava muito preocupada com sua filha mais nova e seus netos
que haviam sido levados por um homem que se apresentou na aldeia como pastor.
A
história que a mulher relatou foi a seguinte: No dia 24 de dezembro, os
habitantes paumari da Aldeia Crispim, receberam a visita de um homem,
desconhecido, que dizia-se pastor e descendente de índios macuxi.
O
suposto pastor chegou acompanhado de um morador da aldeia, que ele conhecera em
Lábrea poucos dias antes. O pastor pregou e encantou a todos com sua lábia e a
qualidade de suas pregações.
Apresentou-se
como compositor de musicas evangélicas e também como advogado que poderia
ajudá-los, tanto no desenvolvimento de sua igreja, como na construção de uma
escola melhor e na obtenção de inúmeros bens.
O
suposto pastor e compositor vendeu dezenas de CDs aos moradores da aldeia
Crispim, prometeu que os ajudaria a obter uma antena de rádio, luz elétrica,
computadores, máquinas de lavar roupa e fornos para aliviar as tarefas
quotidianas. Disse, ainda, que graças a ele, poderiam também instalar internet
na aldeia.
Após
vários dias de pregações e promessas, pediu ajuda aos paumari, pois seu cartão
de crédito tinha sido bloqueado e precisava de dinheiro para voltar, para ir
buscar tudo o que tinha prometido. Segundo o relato da mulher, várias pessoas da
aldeia teriam emprestado dinheiro para o suposto pastor, inclusive pedindo
empréstimos no banco da cidade.
Finalmente,
o suposto pastor convidou o morador que o havia levado para a aldeia a
acompanhá-lo em sua viagem de volta para buscar o material prometido. Partiu
levando o homem paumari e toda a sua família (esposa, filhos, nora e neto), uma
jovem mãe solteira, duas sobrinhas dela, sua filha mais velha e seu filho
pequeno.
Prometeu
que as moças seriam empregadas como secretária, lavadeira e babá e receberiam
R$ 1,2 mil por mês. E partiram de barco, supostamente até a cidade de Canutama
no início da semana passada, e teriam seguido pelo Rio Mucuim, na direção de
Porto Velho, e parado no quilômetro 70 da estrada Lábrea-Porto Velho.
De
lá, o pastor teria telefonado para uns parentes dos paumari em Lábrea dizendo
que estava tudo bem e que voltariam com um barco e dois caminhões com as
mercadorias e o equipamento prometido.
Desconfiados,
alguns moradores da aldeia comunicaram o fato ao posto da Fundação Nacional do
Índio (Funai) em Lábrea. Um de seus funcionários avisou a Funai do município de
Humaitá, além das delegacias de polícia de Humaitá e Canutama.
A
Funai tentou interceptar o barco quando passava por Lábrea, sem sucesso, e seus
funcionários estão aguardando notícias das delegacias das duas cidades. Segundo
informações da Funai de Lábrea, é provável que o indivíduo seja um presidiário
de Humaitá que teria obtido habeas corpus há pouco tempo.
História
Os
paumari são um grupo de aproximadamente 1,3 mil pessoas, falantes de uma língua
arawá, e habitantes das margens, dos lagos e dos igarapés do médio curso do Rio
Purus.
A
história desse povo ficou profundamente marcada pela chamada economia da
borracha, - ou economia do aviamento - e pela instalação dos patrões na região,
a partir de meados do século XIX. Estes impediam que os Paumari usassem as
praias para cultivar e pescar durante o verão e exigiam destes uma dedicação
exclusiva para saldar suas dívidas, contraídas através do aviamento de mercadorias.
Endividando-se
com os patrões para comprar mercadorias e instrumentos de trabalho, eles
ficaram intensamente envolvidos no sistema de aviamento e passaram a produzir
(i.e. a extrair produtos vegetais e naturais) para saldar dívidas e obter
mercadorias. Sua cosmologia e sua organização social foram fortemente marcada
pela história, assim, o hábito dos jovens se empregarem em barcos de pesca, em
colocações e seringais ou com comerciantes fluviais é uma herança dessa época.
Mais
recentemente, com o declínio do patronato amazônico, a chegada das missões (na
década de 1960) libertou-os da dependência dos patrões, mas modificou seu modo
de vida, dividindo a população em “crentes” e “não-crentes”.
Desde
então, e com a demarcação progressiva das terras (a partir dos anos 1990),
procuraram restabelecer o ritmo de vida anual de alternância entre a terra
firme e o rio e se reorganizaram politicamente, inclusive participando
ativamente do movimento político indígena da região.
Atualmente,
enfrentam sérios problemas como todos os demais grupos da
região em relação à saúde indígena, à educação diferenciada e
as invasões de terra, principalmente por barcos de pesca comercial. Os desafios
maiores que enfrentam hoje são a migração de sua população para as cidades
vizinhas (Lábrea, Tapauá, Porto Velho e Canutama) e o progressivo abandono de
sua língua.
Oiara
Bonilla é antropóloga, pesquisadora do Museu Nacional (Universidade Federal do
Rio de Janeiro) e trabalha junto aos Paumari desde 2000.
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