A DRGE (Doença do Refluxo
Gastroesofágico ) é na atualidade uma das afecções crônicas mais importantes na
prática médica, devido a elevada prevalência e morbidade, prejuízo na qualidade
de vida, frequentes recidivas e uso continuado de medicações.
DEFINIÇÃO
Ficou definido, através do 1o Consenso
Brasileiro da DRGE que “ a doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é a afecção
crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduodenal para
o esôfago e/ou órgãos adjacentes ao mesmo, acarretando variável espectro de
sintomas e/ou sinais esofagianos e/ou extra-esofagianos, associados ou não a
lesões teciduais”.
- admite-se a participação de componentes do refluxo duodenogástrico na fisiopatogenia da afecção. Em função disso, propõe-se o termo refluxo de conteúdo gastroduodenal (“não-ácido”) e não apenas de conteúdo gástrico (ácido);
- admite-se a existência de sintomas esofágicos e extra-esofágicos (atípicos);
- destaca-se que os sintomas podem ou não ser acompanhados por lesões teciduais esofágicas diagnosticadas pelo exame endoscópico (pode haver ou não esofagite).
Merece destaque a elevada
prevalência da doença.
Estudo populacional em nível
nacional, empreendido pelo Instituto Datafolha em 22 metrópoles brasileiras,
entrevistou 13.959 indivíduos.
A pirose (azia), uma vez por semana
estava presente em 4,6 % da amostra. Quando a ocorrência de pirose (azia) era
de duas ou mais vezes por semana a prevalência foi de 7,3 %.
Estima-se, portanto, que cerca de 12
% da população brasileira tem a DRGE, sem que tal análise tenha levado em conta
os doentes com manifestações atípicas, os quais certamente, devem aumentar
substancialmente esse número.
Portanto acredita-se que estes
números sejam apenas uma subestimativa da real prevalência da DRGE.
A DRGE predomina no mundo ocidental,
sendo bem menos freqüente nos países orientais. Estima-se que 15 % a 20 % da
população do mundo ocidental tenham sintomas típicos freqüentes e que 45 % a 60
% tenham estes sintomas ocasionalmente.
Acredita-se que estas diferenças
geográficas se devam a fatores ambientais, como o estresse, o teor de gordura
da alimentação, o uso de restaurantes tipo “fast foods” e não a fatores raciais
ou genéticos.
Estatísticas americanas demonstram
que a prevalência da DRGE está em franca ascensão.
Dados recentes de pesquisas
americanas revelam que freqüência anual dos sintomas típicos da DRGE é da ordem
de 58,7 % e a semanal de 19,8 %.
A prevalência da DRGE é semelhante
entre ambos os sexos ou discretamente superior no sexo masculino. Existem evidências,
no entanto, de que a DRGE seja mais grave no sexo masculino pela maior
freqüência de aparecimento de esofagite erosiva ou de esôfago de Barrett.
A prevalência da DRGE aumenta
progressivamente com a idade, principalmente após os 40 anos.
Estudos sobre distribuição racial da
DRGE não estão disponíveis até o momento, mas acredita-se que esta seja mais
grave na raça branca pela maior freqüência de aparecimento de esôfago de
Barrett nesta raça.
FISIOPATOLOGIA
Participação genética:
Estudos recentes têm demonstrado
agregação familiar em até quatro gerações. Adicionalmente, o risco relativo da
DRGE é maior em parentes de primeiro grau.
Causas:
A DRGE é de etiologia multifatorial e resulta da interação entre :
agentes agressores (ácido, pepsina, sais biliares e outras enzimas digestivas) emecanismos de defesa (barreira anti-refluxo, clareamento esofágico, barreira mucosa), como pode ser observado na figura 1.
O equilíbrio obtido nesta interação pode determinar a forma de apresentação da
DRGE – erosiva, não-erosiva.
Barreira anti-refluxo:
A barreira anti-refluxo refere-se ao esfíncter inferior de esôfago (EIE), que na DRGE pode ser responsável pelo refluxo através dos seguintes mecanismos fisiopatológicos:
- Aumento do número de episódios de relaxamento transitório do EIE (RTEIE);
- Hipotensão do EIE (PEIE < 6mmHg);
- Presença de hérnia hiatal;
- Comprimento total do EIE < 2 cm;
- Comprimento abdominal do EIE < 1 cm.
Relação entre hérnia de hiato e DRGE:
Atualmente, sabe-se que o achado radiográfico ou endoscópico de hérnia de hiato não é indicativo de que os sintomas do paciente sejam causados pelo RGE. Sabe-se, no entanto, que a hérnia de hiato maior que três centímetros pode contribuir para a gravidade da DRGE na medida que o ácido preso no saco herniário está mais disponível para refluir.
Mecanismos de origem gástrica relacionados à DRGE:
Distensão gástrica, principalmente
pós-prandial (após refeição), cujas causas podem ser :
- Aumento
da pressão intragástrica;
- Mau
esvaziamento gástrico;
- Alteração
da secreção gástrica (aumento de volume, redução de pH).
Mecanismos de origem esofágica relacionados à DRGE:
A peristalse esofagiana é um
mecanismo de suma importância no clareamento do esôfago após episódio de RGE.
Trabalhos anteriores demonstraram
ser necessária amplitude de contração média da porção distal do esôfago da
ordem de 30 mmHg para que este clareamento se faça na posição supina.
Aproximadamente, 25 % dos portadores
de esofagite leve e 50 % dos com esofagite severa apresentam distúrbio motor
conhecido como motilidade
esofagiana ineficaz (MEI), caracterizados pelo achado de três ou mais ondas
de contração de baixa amplitude ou não transmitidas.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS TÍPICAS
A DRGE apresenta grande variedade de
manifestações clínicas. Na forma típica da enfermidade, as manifestações são
diretamente relacionadas à ação do conteúdo gastroduodenal refluído sobre o
esôfago.
As principais manifestações típicas
da DRGE são :
Pirose – referida por muitos
pacientes como azia, que pode ser considerado sinônimo. Define-se pirose como a
sensação de queimação retroesternal que se irradia da região do estômago à base
do pescoço, podendo atingir a garganta.
Regurgitação ácida – significa
o retorno de conteúdo ácido ou alimentos em direção à cavidade oral.
MANIFESTAÇÕES ATÍPICAS
Nas formas atípicas, as
manifestações clínicas devem-se à ação do material gástrico refluído sobre
órgãos adjacentes, ou, aumento do refluxo esôfago-brônquico, podendo tal ação
estar ou não associada a lesões teciduais.
Pacientes com manifestações atípicas
freqüentemente não apresentam concomitância com as manifestações típicas da
doença (pirose e regurgitação).
Manifestações atípicas da DRGE:
Manifestações
Esofágicas – dor torácica (peito) retroesternal sem
evidência de doença coronariana (dor torácica não-cardíaca), globus (bola na
garganta).
Manifestações
Pulmonares – asma, tosse crônica, hemoptise,
bronquite, bronquiectasias, pneumonias de repetição.
Manifestações Otorrinolaringológicas –
rouquidão, pigarro (clareamento da garganta), laringite posterior crônica,
sinusite crônica, otalgia ( dor de ouvido).
Manifestações
Orais – desgaste do esmalte dentário, halitose
(mau hálito), aftas.
MANIFESTAÇÕES
CLÍNICAS DE ALARME
São consideradas manifestações clínicas de alarme : disfagia (dificuldade para engolir), odinofagia (dor para engolir), anemia, hemorragia digestiva e emagrecimento.
Também devem ser consideradas a
presença de história familiar de câncer, náuseas e vômitos, sintomas de grande
intensidade ou de ocorrência noturna.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é realizado a partir de anamnese (história clínica) detalhada capaz de identificar as seguintes características semiológicas : intensidade, duração, freqüência, fatores desencadeantes, de melhora e piora, evolução da doença ao longo do tempo e o impacto na qualidade de vida do paciente.
A intensidade e a freqüência dos
sintomas são fracos preditores da presença ou da gravidade da esofagite. O
tempo de história, ou seja, a duração da doença, está associada a aumento do
risco para o desenvolvimento de esôfago de Barrett.
Na abordagem inicial do paciente é
importante considerar a idade e a presença ou não de manifestações clínicas de
alarme. Deve ser dado destaque para a investigação diagnóstica por meio de
endoscopia, os pacientes com idade superior a 40 anos bem como os que
apresentam manifestações clínicas de alarme.
Convém lembrar que a ausência de
sintomas típicos não exclui o diagnóstico de DRGE.
A ocorrência de manifestações
atípicas algumas vezes constitui um verdadeiro desafio para o clínico pela
dificuldade do diagnóstico preciso. Nestes casos, como se verá, o “teste
terapêutico” constitui um auxiliar importante.
Em pacientes com dor torácica, cabe
ao cardiologista a investigação inicial para afastar doença coronariana,
independentemente da presença ou não de sintomas típicos da DRGE.
Para investigação de pacientes com
queixa de sensação de globus (bola na garganta) e/ou sintomas atípicos
respiratórios e/ou otorrinolaringológicos, sugere-se a realização de pHmetria
esofágica prolongada com a inclusão de canal proximal de registro.
Cerca de 50 % dos pacientes com asma
grave apresentam DRGE. Esse achado, não significa que o refluxo seja causa da
asma nessa proporção de casos, porque a asma e o seu tratamento com teofilina e
derivados podem favorecer o aparecimento da DRGE.
TESTE TERAPÊUTICO
Indicado para pacientes com menos de
40 anos de idade que apresentem manifestações clínicas típicas (pirose e
regurgitação), sem manifestações clínicas de alarme.
Consiste no uso de inibidor de bomba
prôtonica (IBP), associado a medidas comportamentais.
A resposta satisfatória permite
inferir o diagnóstico de DRGE.
Apesar da disposição acima, é
importante enfatizar que o Consenso Brasileiro de Doença do Refluxo
Gastroesofágico recomenda a realização prévia de uma endoscopia ab initio para
o diagnóstico diferencial com outras afecções (úlcera péptica, gastrite,
neoplasia).
EXAMES DE INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA
Os exames complementares utilizados
no diagnóstico da DRGE devem ser capazes de :
1. confirmar
a presença de refluxo gastroesofágico (RGE);
2. estabelecer
se os sintomas são relacionados ao RGE;
3. determinar
se existe lesão de mucosa associada;
4. identificar
a presença de fator prognóstico que possa influenciar na seleção do tratamento
a ser administrado.
ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA
O exame endoscópico é o método de
escolha para o diagnóstico das lesões causadas pelo refluxo gastroesofágico.
Permite avaliar a gravidade da esofagite e realizar biópsias quando houver
indicação.
As seguintes lesões, conseqüências
de refluxo gastroesofágico, podem ser visualizadas ao exame endoscópico:
erosões , úlceras, estenose péptica e esôfago de Barrett.
O exame endoscópico, apesar de não
ser altamente sensível para o diagnóstico de DRGE (sensibilidade de
aproximadamente 50%), é importante no diagnóstico diferencial com outras
enfermidades, particularmente câncer.
O diagnóstico de lesões da mucosa é
importante porque identifica subgrupo de pacientes com tendência à cronicidade
e a necessidade de medicação mais agressiva.
Pacientes sem lesão da mucosa esofagiana
devem ser encaminhados a pHmetria esofágica prolongada, que quando positiva,
identifica subgrupo de pacientes denominados de DRGE não-erosiva.
Indicações:
Avalia a presença e o grau de esofagite (melhor
método para tal diagnóstico). Lembrar que existe esofagite endoscópica em cerca
de 50 % dos pacientes com DRGE, com predomínio de manifestações típicas (azia e
regurgitação) e em apenas 15 a 20% daqueles com predomínio de manifestações
atípicas. Portanto, a ausência de esofagite ao estudo endoscópico não exclui o
diagnóstico da DRGE.
-Caracteriza a presença de
complicações da DRGE (Esôfago de Barrett, estenose,
ulcerações esofágicas,
etc.)
-Evidencia afecções associadas (hérnia
de hiato, úlceras pépticas, neoplasias, etc).
EXAME RADIOLÓGICO CONTRASTADO DE ESÔFAGO
O exame radiológico, embora bastante
difundido e custo relativamente baixo, atualmente é muito pouco indicado porque
apresenta baixa sensibilidade, sobretudo nos casos de esofagite leve.
As principais informações que pode
fornecer dizem respeito à avaliação de características morfológicas
principalmente na presença de complicações, tais como : estenose, úlcera e
retração do esôfago, além de hérnia
hiatal, podendo auxiliar na orientação do tratamento.
Pode sugerir, também, alterações
motoras como ondas terciárias e espasmos do esôfago.
A indicação do método radiológico no
diagnóstico da DRGE está mais restrita ao estabelecimento do significado da
disfagia e odinofagia como sintomas de alarme.
MANOMETRIA ESOFÁGICA
Segundo o Consenso Brasileiro
da Doença do Refluxo Gastroesofágico, as indicações são restritas, limitadas
aos seguintes propósitos :
1. Investigar
a eficiência da peristalse esofágica (funcionamento do esôfago) em pacientes
com indicação de tratamento cirúrgico, com o objetivo de permitir ao cirurgião
considerar a possibilidade de fundoplicatura parcial;
2. Determinar
a localização precisa do esfíncter inferior do esôfago para permitir a correta
colocação do eletrodo de pHmetria
esofágica prolongada, critério considerado essencial;
3. Investigar
apropriadamente a presença de distúrbio motor esofágico associado, tais como as
doenças do colágeno e espasmo esofágico difuso.
pHMETRIA ESOFÁGICA PROLONGADA
Segundo o Consenso Brasileiro
da Doença do Refluxo Gastroesofágico está indicada nas seguintes situações
1. Pacientes com sintomas típicos de DRGE :que não apresentam resposta
satisfatória ao tratamento com IBP (inibidor de bomba protônica) e nos quais o
exame endoscópico não revelou dano à mucosa esofágica. Nestes casos, o exame
deve ser realizado na vigência de medicação.
2. Pacientes com manifestações atípicas extra-esofágicas como
otorrinolaringológicas, respiratórias e dor torácica de origem não-cardíaca
onde não foram observadas evidências de esofagite. Nesses casos é recomendada a
realização de exame pHmétrico com dois ou mais sensores de pH para
caracterização simultânea do refluxo gastroesofágico e do refluxo
supraesofágico (laringofaringeo);
3. Pré-opreatório nos casos em que o exame endoscópico não demonstrou esofagite.
Convém mencionar que a pHmetria
esofágica prolongada não se destina ao estabelecimento do diagnóstico da
esofagite de refluxo, mas apenas à caracterização do fenômeno do refluxo
propriamente dito.
IMPEDÂNCIO-pHMETRIA ESOFÁGICA PROLONGADA
Está indicada nas seguintes
situações :
1. Esclarecimento diagnóstico em
pacientes com sintomas sugestivos da Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)
que não apresentem esofagite ao exame endoscópico e que tenham pHmetria normal;
2. Esclarecimento diagnóstico em
pacientes com sintomas atípicos (dor torácica e sensação de globus faríngeo) e
2- Esclarecimento diagnóstico em pacientes com sintomas atípicos (dor torácica
e sensação de globus faríngeo) e sintomas extra-esofágicos de refluxo
(respiratórios e otorrinolaringológicossintomas extra-esofágicos de refluxo
(respiratórios e otorrinolaringológicos);
3. Esclarecimento diagnósticos de
pacientes com sintomas sugestivos de refluxo gastroesofágico, com suspeita de
participação de refluxo "não-ácido".
4. Avaliação da eficácia de
tratamento clínico ou cirúrgico do refluxo.
TRATAMENTO CLÍNICO
O tratamento objetiva primariamente
o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões e a prevenção de recidivas e
complicações.
Do ponto de vista prático, é difícil
determinar qual a alteração fisiopatológica predominante na DRGE. Por essa
razão, as medidas terapêuticas procuram corrigi-las, simultaneamente. Busca-se:
1. melhorar
a função motora esofagiana, estimulando a depuração ácida e elevando a pressão
basal do esfíncter inferior do esôfago;
2. aumentar
a salivação, estimulando a depuração ácida e elevando o pH esofágico;
3. acelerar
o esvaziamento gástrico que, muitas vezes, se acha retardado;
4. reduzir
o potencial agressivo do suco gástrico, neutralizando ou mesmo suprimindo a
agressão representada pelo ácido clorídrico do suco gástrico.
Pode-se dividir a abordagem em
medidas comportamentais e farmacológicas que deverão ser implementadas
simultaneamente em todas as fases da enfermidade.
Medidas Comportamentais
1. Elevação
da cabeceira da cama (15 cm);
2. Evitar
deitar-se nas 2 horas após as refeições;
3. Evitar
refeições copiosas;
4. Redução
ou cessação do fumo;
5. Redução
do peso;
6. Moderar
a ingestão dos seguintes alimentos, na dependência da correlação com os sintomas:
gordurosos, cítricos, café, bebidas alcoólicas, bebidas gasosas, menta,
hortelã, tomate, chocolate;
7.Cuidado
especiais para medicamentos potencialmente “de risco” anticolinérgicos,
teofilina, antidepressivos tricíclicos, bloqueadores de canais de cálcio,
agonistas B adrenérgicos, alendronato.
Medidas Farmacológicas
Consideramos que nos pacientes com
diagnóstico de esofagite erosiva ou não erosiva, a conduta inicial é começar o
tratamento com inibidor de bomba de próton (IBP) por 6 a 12 semanas, variando a
dose na dependência da gravidade da doença.
É importante que o paciente esteja
ciente de que é portador de uma enfermidade crônica e, por isso, a sua parceria
voluntária com o médico é fundamental no sentido de que adote todas as medidas
propostas.
Na DRGE não-complicada
Está indicada em pacientes que, por
alguma razão (ordem pessoal, econômica, intolerância, etc.) acham-se
impossibilitados de dar continuidade ao tratamento clínico.
Em casos onde é exigido tratamento
contínuo de manutenção com IBP em doses adequadas, especialmente em pacientes
com menos de 40 anos, que optam por tratamento cirúrgico.
Está indicado: nas formas
complicadas, com estenose e/ou úlcera, e quando houver adenocarcinama; em casos
de esôfago de Barrett > 3cm, sem estenose, independente dos sintomas, desde
que haja condições clínicas para sua realização o tratamento cirúrgico tem sido
preconizado por alguns autores como tratamento de escolha para o esôfago de
Barrett, para previnir refluxos ácidos e duodenoesofagogástrico.
Contudo, estudos comparando a
evolução de pacientes tratados clinicamente & cirurgia demonstraram, que
nenhum dos tipos de tratamento foi capaz de reduzir a extensão de mucosa
metaplásica.
Intervenção Cirúrgica
Consiste na recolocação do esôfago
na cavidade abdominal, a aproximação dos pilares do hilo diafragmático
(hiatoplastia) e no envolvimento do esôfago distal pelo fundo gástrico
(fundoplicatura). O tratamento cirúrgico de escolha na DRGE é a hiatoplastia
com fundoplicatura a Nissen.
A forma de acesso atualmente em uso
é a laparoscópica. Somente em casos onde operações prévias no abdomen superior
ou formas complicadas da doença podem exigir o acesso aberto.
A morbidade e mortalidade cirúrgica
é baixa.
COMPLICAÇÕES DA DRGE
Esôfago de Barrett
São complicações da DRGE : esôfago
de Barrett, estenose, úlcera e sangramento esofágico.
Esôfago de Barrett
A definição atual é : ”a substituição do epitélio escamoso
estratificado do esôfago por epitélio colunar contendo células intestinalizadas
(metaplasia intestinal), em qualquer extrensão do órgão”.
Estima-se que 3 a 5 % dos pacientes
com DRGE apresentam mucosa metaplásica intestinalizada revestindo 3 cm ou mais
do esôfago distal. Em torno de 10 a 15 % dos pacientes com DRGE este segmento é
inferior a 3 cm (Esôfago de Barrett curto).
Os sintomas de pacientes com esôfago de Barrett são, em geral, os
mesmos que dos pacientes com DRGE não complicada. A intensidade dos sintomas de
pirose, regurgitação e disfagia pode ser até menos intensa que em comparação à
DRGE complicada. O esôfago de Barrett pode ser identificado, também, em
pacientes com queixas dispépticas ou mesmo manifestações atípicas (pulmonares
ou otorrinolaringológicas).
Em cerca de 6 a 20 % dos casos de
esôfago de Barrett, o paciente pode ser assintomático.
O diagnóstico é realizado pelo exame endoscópico que demonstra a
presença de área de “cor salmão” ou “cor vermelho-róseo” semelhante à mucosa
gástrica, recobrindo a porção proximal à junção esôfago-gástrica, cuja biópsia
apresenta epitélio colunar com metaplasia intestinal. A mucosa metaplásica pode
assumir aspecto de projeções digitiformes, ilhotas ou pode recobrir parcial ou
totalmente a circunferência do esôfago. O endoscopista deverá comunicar ao
patologista a extensão do epitélio colunar e o local das biópsias.
O diagnóstico é confirmado histopatologicalmente.
O aspecto mais importante a ser
considerado no esôfago de Barrett é o risco
potencial de desenvolvimento de adenocarcinoma de esôfago, que varia
de 0,2 a 2,1 % ao ano em pacientes sem displasia, o que representa incidência
30 a 125 vezes maior que a população em geral.
O tratamento consiste de :
1. controlar
os sintomas;
2. manter
a mucosa cicatrizada.
Existe, no entanto, controvérsia
quanto aos objetivos finais do tratamento, isto é, se este deve visar a
regressão do epitélio metaplásico, ou, a interrupção da progressão de epitélio
intestinalizado para displasia e adenocarcinoma.
O esôfago de Barrett não apresenta,
até o momento, nenhum tratamento eficaz quando o objetivo é a regressão do
epitélio metaplásico: tanto o tratamento clínico como cirúrgico são eficazes
somente em controlar o refluxo diminuindo, consequentemente, o processo
inflamatório. A presença de displasia deve ser sempre considerada.
O tratamento clínico é feito com inibidor de bomba protônica
(IBP), em doses variadas.
O tratamento via endoscópica pelos métodos de ablação são
considerados promissores, porém , ainda inconclusivos, podendo ser empregados
somente em protocolos de investigação.
O tratamento cirúrgico é o mesmo preconizado para DRGE, eficaz
somente para controlar o refluxo, porém foram descritos diversos casos de
adenocarcinoma que ocorreram em esôfago de Barrett, anos após a realização da
cirurgia.
O seguimento destes pacientes, por outro lado, permite melhor
prognóstico.
Nos casos sem displasia, o
seguimento deve ser realizado por meio de endoscopias e biópsias seriadas a
cada 12 a 24 meses.
Pacientes com displasia (neoplasia
intraepitelial) de baixo grau devem
ter acompanhamento a cada 6 meses.
Nas displasias de alto grau ou carcinoma intramucoso devem ter o
diagnóstico confirmado por outro patologista especialista, estando indicada a
ressecção esofágica, lembrando que a mucosectomia endoscópica pode ser
empregada para ressecção de lesões localizadas. Em caso de não confirmação de
displasia de alto grau pelo patologista, recomenda-se o tratamento com IBP em
dose dupla por 3 meses seguido de novas biópsias.
Estenose
A estenose do esôfago distal é,
primariamente, uma complicação de resolução cirúrgica. Nas formas com estenose
intensa e/ou extensa, associados a distúrbios motores importantes, como
acalasia e esclerose sistêmica, deve-se considerar a indicação de
esofagectomia.
Por outro lado, pacientes em boas
condições clínicas, com estenoses pépticas, devem ser conduzidos inicialmente
com tratamento clínico. A seguir, dilatação endoscópica pré ou intra-operatória
com sondas termoplásticas de calibre progressivo e tratamento cirúrgico por
fundoplicatura.
Úlcera e sangramento esofágico
O sangramento esofágico na DRGE
costuma ser lento e insidioso, sendo muitas vezes responsável por anemia
crônica. Recomenda-se o tratamento
clínico com IBP em dose dupla por período de pelo menos 8 semanas.
Após a cicatrização, manter tratamento com IBP, dose de manutenção. Na
eventualidade de opção por tratamento cirúrgico, este deve ser o mesmo
preconizado para DRGE.
PREVALÊNCIA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO COMO CAUSA DE TOSSE
Publicações (4,5,6,7,8,9) que
caracterizam tosse crônica como decorrente do refluxo gastroesofágico (RGE),
nos casos nos quais o tratamento específico do refluxo elimina ou melhora a
queixa de tosse, consideram que o RGE representa uma das causas mais comuns de
tosse crônica em adultos em todo o mundo. A prevalência dessa condição em tais
estudos varia de 5 a 41%. Irwin et al., em três publicações sobre o tema (9,10,11), apontaram
em 1981 (10) que a prevalência de tosse crônica decorrente de RGE era
de 10% e que o refluxo representava a quarta causa mais freqüente de tosse
crônica; em 1990 (9), prevalência de 21% e passaram a considerar o refluxo
como a terceira causa mais comum de tosse crônica e em 1998 (11),
prevalência de 36%, considerando o refluxo como a segunda causa mais comum de
tosse crônica.
Entretanto, os critérios adotados
para caracterização da tosse como decorrente de refluxo são bastante
questionáveis, pois, o fato da tosse não melhorar com o tratamento clínico do
refluxo não significa que a mesma não seja decorrente de refluxo, uma vez que
pode ser desencadeada por refluxo “não-ácido” que não é adequadamente
controlado pelo tratamento clínico.
Vale considerar também que as duas
condições clínicas (tosse e RGE) são bastante comuns na população em geral e
que tais queixas podem estar associadas sem necessariamente haver relação de
causa e efeito entre elas (12, 13,14).
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas
consideradas típicas da DRGE são pirose e regurgitação. Apesar desses sintomas
sugerirem a presença da afecção, vale salientar que outras doenças (como:
úlcera péptica, gastrites e eventualmente neoplasias) podem cursar
com um deles. Contudo, quando tais queixas coexistem, a possibilidade do
paciente ser portador da DRGE é superior a 90%.
Mais recentemente, reconheceu-se que
outras manifestações clínicas podem ser decorrentes de refluxo gastroesofágico
(RGE). Considera-se que dor torácica não-coronariana, sensação de globus
faríngeo, manifestações extra-esofágicas respiratórias (fundamentalmente tosse
e asma brônquica) e otorrinolaringológicas (basicamente disfonia e pigarro)
possam também ser decorrentes de RGE. Lembrar que a ausência de manifestações
típicas do refluxo (pirose e regurgitação) não exclui o diagnóstico da DRGE.
Pacientes com manifestações atípicas freqüentemente não apresentam sintomas
típicos do refluxo (15).
São cabíveis dois tipos de abordagem
inicial em pacientes com DRGE: tratamento empírico (teste terapêutico) e
tratamento baseado na confirmação diagnóstica da afecção por exames
subsidiários. Na decisão sobre a abordagem inicial do paciente, é importante
considerar a idade e a presença ou não de manifestações de alarme. Recomenda-se
confirmação diagnóstica em pacientes com idade superior a 40 anos, na presença
de manifestações de alarme tais como: disfagia, odinofagia,
anemia, hemorragia digestiva e emagrecimento, nos indivíduos com história
familiar de câncer e naqueles com queixas de náuseas e vômitos e/ou sintomas de
grande intensidade ou de ocorrência noturna (16,17,18).
Quando, no entanto, estamos frente a
manifestações típicas em pacientes com menos de 40 anos de idade, sem
manifestações de alarme, podemos considerar a instituição do teste terapêutico. Nesses
casos, é prescrito um inibidor da bomba protônica (IBP) em dose plena diária
por quatro semanas, como conduta inicial. A resposta satisfatória, com remissão
dos sintomas, sugere o diagnóstico da DRGE.
Entretanto, a respeito do teste
terapêutico, é necessário cautela porque estudo baseado em revisão sistemática
de literatura (19), conclui que: “o teste terapêutico com inibidores
de bomba protônica, em pacientes com suspeita clínica de DRGE, não estabelece o
diagnóstico confiável da afecção”. Justificando tal afirmação, destacamos que o RGE
pode desencadear sintomas decorrentes da acidez do material refluído (ex:
pirose retroesternal). Contudo, pode também determinar sintomas que são mais
dependentes da presença física do refluxo que da sua acidez propriamente dita
(ex: regurgitação e muitas das manifestações extra-esofágicas). Os sintomas
decorrentes da acidez do refluxo costumam melhorar com o uso de medicamentos
anti-secretores (os mais usados são os IBP). Porém, os sintomas decorrentes da
presença física do refluxo (independentes da sua acidez) não são adequadamente
controlados por tais drogas. Portanto, havendo melhora da queixa clínica
durante o teste terapêutico com IPB, sugere-se fortemente a participação do
refluxo gastroesofágico, contudo, não havendo melhora expressiva, não se pode
descartar o diagnóstico da DRGE, pois, os sintomas apresentados pelo paciente
podem ser decorrentes de refluxo “não-ácido” que não é adequadamente bloqueado
pelos medicamentos anti-secretores.
Tosse decorrente de refluxo gastroesofágico
Não há características próprias da
tosse decorrente do RGE que a diferencie das tosses de outras origens (20).
A tosse decorrente do refluxo predomina no período diurno e não está associada
a manifestações típicas do RGE (pirose e regurgitação) em até 75% das vezes (4).
Baseando-se em estudos prospectivos;
quatro (9,10,20,21) de pacientes com tosse crônica de diversas
origens e dois (4,22) de pacientes com tosse decorrente de RGE,
elaborou-se um perfil clínico que tem alta capacidade de predição para tosse
decorrente de RGE (aproximadamente 91%). Apresenta-se na Tabela 1, tal
perfil.
Tabela 1. Características que sugerem a tosse crônica seja decorrente de refluxo gastroesofágico
· Ausência
de exposição a agentes irritantes
- Não ser fumante na atualidade;
- Não estar em tratamento com drogas inibidoras da enzima de conversão da angiotensina (ECA);
- Radiografia de tórax normal ou com alterações inespecíficas.
- a tosse não melhora com o tratamento da asma;
- teste negativo de provocação com metacolina;
- Participação de sinusites descartada;
- Participação de bronquite eosinofílica descartada.
ESTRATÉGIA DE ABORDAGEM DO PACIENTE COM TOSSE CRÔNICA E SUSPEITA DE REFLUXO GASTROEOFÁGICO
Apesar dos últimos consensos,
europeu (30) e americano (31), recomendarem o tratamento
empírico do RGE em todos os casos que se enquadrem na tabela 1, há contestação
atual em relação a eficiência de tal conduta. Chang et cols. (32), em
revisão sistemática de literatura sobre o tema, concluem que “o uso de IBP no
tratamento da tosse crônica associada à DRGE tem efeitos benéficos em alguns
adultos. Contudo, inferiores aos sugeridos nos últimos consensos sobre tosse“ e
que “os resultados de tal tratamento são inconsistentes e de benefício
variável”. Ours et cols (33) referem que apenas 35% dos pacientes com
tosse crônica e refluxo patológico à pHmetria esofágica respondem bem ao uso de
IBP.
Por outro lado, o tratamento
empírico do refluxo é justificado por estudo retrospectivo (34) no
qual foi considerado que o RGE era causa de tosse em 44 dentre 56 pacientes com
tosse estudados (79%), pelo fato de haver melhora da queixa com o uso de IBP.
Na estratégia de abordagem que emprega o tratamento empírico do refluxo
recomenda-se a realização de investigação diagnóstica específica (pHmetria
esofágica prolongada), nos casos que não apresentam melhora significativa com o
tratamento. A pHmetria indicada em tal situação tem por objetivo avaliar se as
medidas em uso estão sendo suficientes para controlar o refluxo
gastroesofágico. Porém, há de se destacar, que o exame consegue avaliar apenas
a ocorrência de refluxo ácido gastroesofágico, não conseguindo caracterizar a
presença de refluxo “não-ácido”. Convém salientar que, para a realização do
tratamento empírico, recomenda-se medidas comportamentais e dietéticas e o uso
de IBP, em dose dupla, por dois a três meses.
Em nenhuma das publicações sobre
tosse crônica e refluxo consultadas para a elaboração desse capítulo, se
esclarece que a pHmetria executada para controle do tratamento empírico é
realizada de modo diferente da utilizada para o diagnóstico do refluxo
gastroesofágico, que não esteja na vigência de tratamento. Quando queremos
avaliar a real ocorrência de refluxo ácido gastroesofágico, realizamos a
monitorização pHmétrica estimulando que o paciente mantenha suas atividades
cotidianas, que ingira alimentos com os quais costuma ter queixas de refluxo e
que suspenda qualquer medicação anti-secretora por, pelo menos, uma semana
antes da realização do exame.
Para realização da pHmetria com
objetivo de controle de tratamento, recomenda-se que o exame seja feito na
vigência das medidas terapêuticas e que sejam utilizados além dos sensores
esofágicos (para avaliação de refluxo ácido gastroesofágico e de refluxo ácido
supraesofágico) um sensor de pH posicionado no interior da câmara gástrica, para
avaliar se a acidez gástrica está devidamente bloqueada.
Convém comentar que o Consenso
Europeu faz uma afirmação inadequada ao recomendar a pHmetria esofágica como o
melhor teste diagnóstico do refluxo gastroesofágico. Pois, atualmente,
considera-se que o método seja, realmente, o melhor para caraterização do
refluxo ácido gastroesofágico. Contudo, são reconhecidas as limitações do mesmo
na caracterização do refluxo “não-ácido”. Em função disso, pode-se dizer que o
melhor método diagnóstico do refluxo é a impedâncio-pHmetria esofágica, que
consegue caracterizar a presença de refluxo ácido e “não-ácido”.
A revisão sistemática de literatura
sobre tosse decorrente de refluxo, publicada em janeiro de 2006 (31,
reconhece a importância da impedâncio-pHmetria mas a coloca como perspectiva
futura e sugere o estudo radiológico contrastado do esôfago, nos casos nos
quais a pHmetria convencional não consegue caracterizar refluxo patológico.
Porém, a nosso ver, tal proposta, apesar de prática e pouco dispendiosa, deve
ser considerada com bastante crítica, pois, o estudo radiológico do esôfago
promove apenas avaliação momentânea do refluxo, tendo sensibilidade diagnóstica
bastante reduzida e a impedâncio-pHmetria esofágica não é apenas uma
perspectiva futura, mas sim método disponível em vários centros de referência
de estudo do RGE, inclusive em nosso meio.
Tanto o Consenso Europeu tanto a
recente revisão de 2006 reforçam que não se deve descartar a DRGE como causa de
tosse crônica, nos casos que não respondem bem ao tratamento empírico do
refluxo. O insucesso do tratamento tem duas principais causas:
- a tosse pode ser decorrente de
refluxo “não-ácido” gastroesofágico, que não é adequadamente bloqueado pelo
tratamento clínico;
- a tosse pode ser decorrente de
refluxo ácido que não está adequadamente controlado pelas medidas clínicas
adotadas (resistência ao anti-secretor utilizado).
Um aspecto importante a ser
considerado, é que os IBP controlam adequadamente os sintomas ácido dependentes
da DRGE. Porém, não tem efeito adequado no controle de sintomas que são
decorrentes da presença física do refluxo (independentes da acidez do mesmo).
Vela MF et cols. (35), avaliando por meio de impedâncio-pHmetria esofágica
a eficiência do omeprazol no controle do refluxo gastroesofágico, observaram
que o uso do fármaco não reduzia significantemente o número de episódios de
refluxo mas sim alterava sua acidez (continua havendo o mesmo número de
refluxos, contudo os refluxos tornavam-se “não-ácidos”). Portanto, espera-se
melhora clínica com o uso da droga dos sintomas ácido dependentes,
explicando-se a manutenção da queixa nos sintomas não ácido dependentes.
Shay S et al (24), estudando
pacientes que permanecem sintomáticos apesar do uso de IBP, por meio de
impedancio-pHmetria, observaram que 28% deles apresentavam sintomas
relacionados com refluxo ácido (detectável por pHmetria convencional). Contudo,
40% deles apresentavam sintomas relacionados com refluxo “não-ácido”
(detectável pela impedâncio-pHmetria). Os autores descrevem que nos 32%
restantes, os sintomas não foram relacionados com refluxo (ácido e
“não-ácido”).
Com a melhor caracterização do
refluxo gastroesofágico, pode-se orientar, de modo mais adequado, as
alternativas terapêuticas. O tratamento clínico é bem indicado nos casos nos
quais a tosse seja decorrente de refluxo ácido. Contudo, para os casos de tosse
decorrente de refluxo “não-ácido” ou de aspiração grosseira para as vias
respiratórias do material refluído, a opção de correção cirúrgica do refluxo
deve ser fortemente considerada (36).
TRATAMENTO CIRÚRGICO
Por muito tempo, preconizou-se que o tratamento cirúrgico da DRGE estaria indicado nos casos de “intratabilidade clínica” e nas formas complicadas da doença. Com o significativo aumento da eficiência das drogas usadas no tratamento clínico da afecção, pode-se dizer que, atualmente, é mais rara a observação de “intratabilidade clínica”, devendo os pacientes em tal situação ser meticulosamente estudados para conferir a real participação do RGE no desencadeamento dos sintomas. O que se observa na prática é que a grande maioria dos pacientes tem boa resposta às medidas clínicas usualmente empregadas. Entretanto, parte significativa dos enfermos (cerca de 50%) tem necessidade de manutenção de tratamento clínico prolongado (comportamental e/ou medicamentoso) para manterem-se assintomáticos (47).
Atualmente, o ponto crucial da
indicação do tratamento cirúrgico é a tolerância do paciente ao tratamento
clínico prolongado. Alguns pacientes preferem manter restrições comportamentais
e, freqüentemente, o uso de medicamentos a serem operados; outros preferem o
contrário. Cabe ao médico apresentar ao paciente, com imparcialidade, as opções
terapêuticas (clínico prolongado e cirúrgico) ponderando vantagens e
desvantagens e, compartilhar com o mesmo a decisão da modalidade de tratamento
a ser utilizada.
Estudo baseado em revisão
sistemática de literatura (48), comparando a eficácia dos tratamentos
clínico e cirúrgico da DRGE crônica, conclui que: “o tratamento cirúrgico é
mais eficaz que o tratamento clínico em relação à melhora dos sintomas e
cicatrização da esofagite. Contudo, os IBP podem proporcionar melhora dos
sintomas comparável ao tratamento cirúrgico, se forem utilizadas doses
ajustadas da medicação”; ou seja aumenta-se a dose até conseguir bloqueio
adequado da secreção ácida do estômago, avaliada por pHmetria esofágica
prolongada. Vale destacar, que, apesar dessa consideração ser válida para o
controle das queixas clínicas ácido-dependentes do refluxo, pode não ser para o
controle das queixas não-ácido dependentes.
Indicações do tratamento cirúrgico
1. intolerância ao controle clínico prolongado - Considerar que
os pacientes nos quais observa-se melhores resultados funcionais do tratamento
cirúrgico são os que tiveram boa resposta ao tratamento clínico, mas que
tornaram-se dependentes do mesmo para manterem-se assintomáticos.
2. formas complicadas da doença
(esôfago de Barrett, ulceração, estenose) - Apesar da indicação do tratamento cirúrgico nas formas complicadas da DRGE ser
menos polêmica do que nas formas não-complicadas, não se deve indicar a
terapêutica cirúrgica simplesmente pela existência de uma das complicações da
doença. Os pacientes com formas complicadas devem ser cuidadosamente estudados
buscando-se compreender melhor a fisiopatogenia da complicação, indicando-se o
tratamento mais adequado para cada caso.
O risco de adenocarcinoma do esôfago
é maior dentre os indivíduos com esôfago de Barrett. Contudo, existe grande
polêmica quanto à capacidade do tratamento cirúrgico diminuir tal risco. Estudo
baseado em revisão sistemática de literatura (49), avaliando o efeito do
tratamento cirúrgico do refluxo no risco de adenocarcinoma no esôfago de
Barrett, conclui que: “o risco de adenocarcinoma em indivíduos com esôfago de
Barrett é pequeno e não é reduzido, de modo significante, pelo tratamento
cirúrgico do refluxo. Em função disso, o tratamento cirúrgico do refluxo
gastroesofágico não deve ser recomendado como medida antineoplásica”.
3. pacientes com manisfestações respiratórias da DRGE - Existe
associação freqüente entre a ocorrência de sintomas respiratórios e RGE.
Entretanto, a relação de causa e efeito nem sempre é de fácil comprovação.
Alguns pacientes com problemas respiratórios primários desenvolvem
secundariamente DRGE pelo uso de medicamentos que reduzem o tônus pressórico do
esfíncter inferior do esôfago e, por vezes, por deformidades torácicas
associadas que favorecem o RGE. Outros enfermos apresentam primariamente RGE e
manifestações respiratórias decorrentes do mesmo. Quando ficar bem esclarecida
a participação do RGE na determinação e/ou perpetuação dos sintomas
respiratórios, a correção cirúrgica do refluxo é bem indicada.
Alguns estudos apontam que mais da
metade dos pacientes asmáticos apresenta evidências endoscópicas ou pHmétricas
indicativas da DRGE. Contudo, a relação entre causa e efeito entre essas duas
condições (asma e DRGE) nem sempre é de fácil entendimento. Pois, o refluxo
gastroesofágico pode ser causa mas também pode ser conseqüência da asma e do
seu tratamento.
Existe controvérsia quanto ao valor
da terapia anti-refluxo na asma. Sontag et cols (50) compararam os
resultados obtidos com as seguintes modalidades de tratamento: fundoplicatura
tipo Nissen, ranitidina (150mg três vezes ao dia) e alcalinos. Foram analisados
os sintomas de asma por meio de pontuação na qual considerava-se, além das
queixas clínicas, a necessidade de uso de broncodilatadores e corticóides. Os
autores referem melhora parcial ou completa em 75% dos pacientes tratados
cirurgicamente, em 9% dos tratados com ranitidina e 4% no tratado apenas com
alcalinos. O uso de corticóides foi interrompido em 33% do grupo tratado
cirurgicamente, 11% do grupo tratado com ranitidina e em nenhum caso do grupo
tratado com alcalino. Deve-se destacar, entretanto, que as drogas utilizadas no
grupo tratado farmacologicamente não são as mais eficientes disponíveis.
Há várias revisões analisando a alta
freqüência de RGE em pacientes com asma e as dificuldades diagnósticas
existentes em saber a real participação do refluxo no quadro respiratório.
Contudo, as poucas revisões sistemáticas publicadas apresentam resultados
conflitantes (51,52,53,54,55).
Estudo, baseado em revisão
sistemática de literatura (56), avaliando a eficácia do
tratamento cirúrgico do refluxo no controle da asma, conclui que: “o tratamento
cirúrgico do refluxo melhora os sintomas do refluxo e da asma e reduzem a
necessidade de medicamentos, mas tem pouco ou nenhum efeito sobre a função
pulmonar”.
Outra publicação, baseada em revisão
sistemática de literatura (57), avaliando a eficácia do
tratamento cirúrgico do refluxo no controle da asma, conclui que: “em termos
gerais, não há melhora significante da asma após o tratamento do refluxo.
Contudo, pode haver sub-grupos de pacientes que se beneficiam substancialmente
com o tratamento do refluxo; a grande dificuldade é predizer quais são os bons
respondedores”.
Talvez, o desafio atual em relação a
essa questão seja identificar o sub-grupo de pacientes com sintomas
respiratórios e refluxo gastroesofágico, nos quais o tratamento do refluxo
possa ser benéfico em relação ao controle da asma.
Considera-se, atualmente, que o
acesso videlaparoscópico seja mais vantajoso que o acesso por laparotomia
(cirurgia aberta). Contudo, destaca-se que é de fundamental importância que o
tratamento cirúrgico seja realizado por equipes de grande experiência no
tratamento cirúrgico do refluxo.
Estudo baseado
em revisão sistemática de literatura (58),
comparando resultados da videocirurgia com a operação convencional (técnica
aberta), conclui que: “a videocirurgia é no mínimo tão segura e eficiente
quanto a operação pela técnica aberta e proporciona menor morbidade, menor
tempo de permanência hospitalar e recuperação mais rápida”.
Resumo de algumas recomendações apresentadas em recente revisão sistemática de literatura sobre o tosse crônica e DRGE (31):
- “Em pacientes com tosse crônica,
mesmo que haja evidências concretas de RGE, o diagnóstico efetivo de tosse
crônica decorrente de refluxo só pode ser feito se houver desaparecimento da
tosse com o tratamento do refluxo” (Nível de evidência: baixo);
- “Em pacientes nos quais não há
melhora da tosse com o tratamento empírico do refluxo, não se pode excluir a
possibilidade da tosse ser decorrente de refluxo”. (Nível de evidência:
baixo);
- “Em pacientes com tosse crônica
decorrente de RGE, o termo doença do refluxo ácido deve ser substituído pelo
termo (mais abrangente) doença do refluxo, para não induzir ao pensamento
inadequado que a tosse decorrente de refluxo deve melhorar com o uso de
medicamentos ácido-supressores” (Nível de evidência: opinião de especialistas);
- “Em pacientes com tosse crônica
submetidos à endoscopia digestiva alta, o achado de exame normal não exclui a
possibilidade da tosse ser decorrente de refluxo”. (Nível de evidência:
baixo);
- “Em pacientes com tosse crônica
submetidos à pHmetria , a baixa porcentagem de tosse associada ou induzida por
refluxo durante o método não exclui a possibilidade da tosse ser decorrente de
refluxo”. (Nível de evidência: baixo);
- “Para o diagnóstico do refluxo
“não-ácido” como causa de tosse, deve ser realizado o estudo radiológico do
esôfago para identificação de refluxo grosseiramente patológico”. (Nível de
evidência: baixo). (Ao nosso ver,
se disponível, deve ser indicada impedâncio-pHmetria esofágica nesses casos.);
- “Pacientes com tosse crônica que
apresentam sintomas típicos de DRGE ou que se enquadrem no perfil apresentado
na tabela 1, tem suspeita forte de DRGE e devem ser receber tratamento para o
RGE”. (Nível de evidência: baixo);
- “Em pacientes nos quais a tosse
decorrente de refluxo não é adequadamente controlada pelo tratamento clínico, o
tratamento cirúrgico do refluxo deve ser cogitado”. (Nível de evidência:
baixo);
- “O tratamento cirúrgico do refluxo
pode ser indicado nos pacientes como os seguintes critérios: refluxo patológico
confirmado por pHmetria, perfil clínico sugestivo que o refluxo é a causa da
tosse, ausência de melhora significativa da tosse em três meses de tratamento
clínico intensivo do refluxo, provas de refluxo realizadas durante o tratamento
(pHmetria, estudo radiológico contrastado do esôfago, ou outros) sugerindo que
o refluxo não esteja adequadamente controlado pelo tratamento clínico e
avaliação, pelo próprio paciente, que sua qualidade de vida está bastante
comprometida pela tosse” (Nível de evidência: opinião de especialistas);
- “Não descartar a participação do
RGE na origem da tosse em pacientes que já foram operados por DRGE”. (Nível de
evidência: baixo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi