Desta experiência pode surgir um novo ciclo de mobilizações, prolongadas no tempo e cada vez mais coordenadas. Foto de olmo gonzález |
Talvez seja prematuro chamar-lhe assim, mas julgo que sim, que efectivamente as manifestações em mais de 50 cidades e os acampamentos nas praças principais de muitas cidades nos dias seguintes constituem um Acontecimento fundador de um novo tipo de movimento social com perspectivas de duração, uma vez que se expressa uma indignação colectiva perante as consequências negativas de uma crise pela qual uma maioria social não se sente responsável.
Em saltos como o que foi dado agora, de uma manifestação para um acampamento, pode haver motivos concretos. No caso de Madrid, por exemplo, as detenções no fim da manifestação de domingo levaram um grupo de pessoas a acampar na Puerta del Sol para exigir a sua libertação; mais tarde, o seu desmantelamento por parte da polícia provocou uma nova ocupação e acampamento no dia seguinte e assim continua.
Mas, sem dúvida, têm também a sua influência factores gerais como o «efeito emulação ou contágio», tanto pelas referências que pudemos ver ao simbolismo da Praça Tahrir no Cairo (mesmo reconhecendo que, nesse caso, se tratava de fazer cair uma ditadura), como pelo facto de a própria iniciativa de Madrid ter significado um estímulo para que as pessoas mobilizadas noutras cidades expressassem a sua solidariedade. Pretende-se assim ocupar o espaço público em lugares particularmente simbólicos.
2. Quais as causas possíveis da indignação destas pessoas?
É difícil generalizar, mas julgo que a causa mais comum foi a percepção da injustiça presente na resposta que os grandes partidos, constituídos por uma «classe política» considerada corrupta e ao serviço dos grandes poderes económicos, estão a dar à crise sistémica – financeira, económica, social. As pessoas vêem que as medidas contra a crise estão a recair sobre aqueles que não a provocaram – jovens, mulheres, velhos, imigrantes – através de grandes cortes em direitos sociais fundamentais num Estado Social minguante como o espanhol. É muito significativo o slogan da comissão que tomou a iniciativa destas mobilizações, «Democracia Real, Já»: «Não somos mercadoria de políticos e banqueiros».
Se, além disso, tivermos em conta o protagonismo que a juventude está a ter, o slogan da Juventude Sem Futuro, outra das comissões da convocatória, é também representativo dessa indignação quando denunciam a sua situação «sem casa, sem trabalho, sem pensão», embora a seguir afirmem «Sem Medo», para expressar a sua vontade de abandonar a resignação ou a procura de saídas individuais para a crise.
3. Como se pode interpretar isto no contexto de uma campanha eleitoral?
Julgo que, justamente por ter acontecido a meio dessa campanha, também implica uma expressão de protesto face a discursos partidários cheios de promessas que depois não pensam cumprir se chegarem a governar. Reflecte o que as sondagens já dizem: a convicção de que a «classe política» é um dos principais problemas, daí o distanciamento da cidadania: não em relação à democracia em abstracto, mas em relação à democracia realmente existente. Pensam que essa democracia se foi esvaziando e que as grandes decisões são tomadas fora dos parlamentos e das instituições representativas. Uma frase de um dos manifestantes pode resumi-lo: «A nossa democracia foi sequestrada. Queremos libertá-la».
4. Em que medida se relaciona com os acontecimentos que estão a ter lugar a nível mundial?
Desde a explosão da crise sistémica e financeira em finais de 2008, estamos a assistir ao desenvolvimento, desigual mas crescente, de movimentos de protesto em diversos países do «Norte» face à saída mais neoliberal que se está a dar à crise. Na própria União Europeia temos os casos da Grécia, da França, da Grã-Bretanha ou de Portugal. Temos também o caso, até agora excepcional, da Islândia, onde houve dois referendos que decidiram recusar o pagamento da dívida gerada por uma banca privada que entrou em falência devido ao seu próprio aventureirismo especulativo. Por isso também vimos slogans como «Espanha em pé, uma Islândia é» ou «Queremos ser islandeses». E, por fim, temos o exemplo das revoltas no mundo árabe e o papel que teve a juventude, através do recurso intensivo e extensivo das novas tecnologias da comunicação. Tudo isto, sem dúvida, teve influência nas redes sociais que aqui foram preparando as mobilizações do passado 15-M.
5. As mobilizações em torno do 15 de Maio efectuaram-se principalmente através das redes sociais. Em que medida a Internet altera o panorama das mobilizações políticas?
Obviamente, implicam uma revolução na contra-informação e na comunicação que ajuda a contrabalançar as informações e a opinião publicada nos meios de comunicação tradicionais e a difundir as suas próprias, com uma rapidez e uma economia de tempo impensáveis no passado. Permitem uma coordenação entre os activistas muito superior à que existia até agora, a que se junta a possibilidade de um funcionamento democrático e horizontal também maior. Ajudam, finalmente, a uma passagem fácil do espaço virtual para o espaço real mediante a difusão acelerada das iniciativas de rua e das réplicas imediatas às respostas que possam ser dadas pelas autoridades.
6. Qual a sua opinião sobre a cobertura que as mobilizações estão a ter nos meios de comunicação tradicionais?
Até 15 de Maio houve um silenciamento quase total sobre o que se estava a preparar a partir dessas redes sociais, mas é evidente que no dia seguinte houve uma mudança de atitude ao verem a legitimação social que o movimento conseguiu, com a resposta massiva que encontrou na rua. Mas há também tentativas claras de revelar as presumíveis fraquezas deste movimento: a sua heterogeneidade (real mas lógica e nem por isso negativa), a sua possível manipulação por um ou outro partido (o que remete para as teorias conspiratórias em ascensão, que pretendem negar os motivos reais do protesto), a existência de sectores «anti-sistema» (utilizando este termo depreciativamente, quando vimos slogans como «O sistema é que é antipessoal») ou «violentos» (quando se está a ver que a opção claramente maioritária é a desobediência civil não violenta). No entanto, também há meios (especialmente nas rádios) que estão a dar a palavra a porta-vozes das redes que estiveram na origem da convocação, ou analistas que ajudam a compreender que o que está a acontecer é algo que pode ajudar a procurar respostas diferentes àquelas que os grandes partidos oferecem, tanto em relação à democracia realmente existente, como relativamente à crise.
7. Por último, queríamos perguntar-lhe que efeitos possíveis poderão ter estas mobilizações, quer a curto, quer a longo prazo.
Um efeito importante é já a construção de uma nova subjectividade comum, plural e criativa presente nas pessoas que participam nestas mobilizações. Isto é positivo para todas estas pessoas porque implica saírem da paralisia e deixarem de acreditar que não se pode fazer nada face à crise, além de ir votar por um ou outro partido a 22 de Maio.
A efervescência colectiva que se está a viver nestes dias, o sentir-se parte de um movimento tão espalhado e sincronizado em tantas cidades e com referências à escala internacional, com um reportório de mensagens e de acções muito amplo e cada vez mais criativo, terá impacto, sem dúvida, em todas estas pessoas. Desta experiência pode surgir um novo ciclo de mobilizações, prolongadas no tempo e cada vez mais coordenadas, embora também seja provável que se possam ir expressando publicamente diferentes redes, discursos e propostas e surjam as primeiras tensões no interior do movimento. Mas isto também dependerá da atitude mantida pelos poderes públicos e das suas tácticas de cooptação e/ou repressão face às exigências e aos diversos sectores do movimento.
Jaime Pastor é professor titular de Ciências Políticas. Faz parte da redacção de VIENTO SUR
Fonte: UNED
Tradução de Helena Pitta para o Esquerda.net
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi