O que é um doleiro?
Doleiros
são operadores do mercado paralelo ou ilegal de câmbio, que formam um sistema
bancário informal e clandestino. Existem em vários países do mundo. Eles atuam
no Brasil basicamente de cinco modos: compra e venda de dólares no mercado de
balcão de modo ilegal, por meio das operações de dólar-cabo, administração de
“caixa 2”, remessa de dinheiro por meio de contratos de importação fraudulentos
e transformação de dinheiro eletrônico em dinheiro em espécie.
Por que alguém procura um
doleiro?
Em
regra, para esconder dinheiro sujo e movimentações ilegais (lavagem de
dinheiro). Um agente público corrupto não pode simplesmente depositar na sua
conta bancária os milhões de reais em propina que recebeu, porque isso poderia
despertar a suspeita do banco e desencadear uma investigação. Por isso, ele
buscará um “banco clandestino”, isto é, um doleiro, para lavar o dinheiro. Uma
testemunha do caso Lava Jato bem descreveu o escritório de Alberto Youssef como
“um banco de dinheiro sujo”.
A lavagem do dinheiro pode acontecer de diferentes modos. Por exemplo, quando
um agente público corrupto entrega o dinheiro para um doleiro, aquele pode
pedir que este disponibilize o dinheiro no exterior em uma conta bancária
indicada. Essa conta bancária normalmente estará em nome de uma empresa
offshore com sede em um paraíso fiscal, a qual é controlada por aquele agente
público de modo oculto. Mais tarde, o agente público pode trazer esse dinheiro
sujo ao Brasil de modo disfarçado, simulando, por exemplo, o investimento
daquela empresa offshore em uma empresa brasileira de propriedade do corrupto.
Para as autoridades públicas, parecerá um investimento estrangeiro em uma
empresa nacional, enquanto na verdade é o retorno da propina enviada ao
exterior.
O que é uma empresa
offshore?
É uma
empresa criada em um paraíso fiscal no qual as leis dificultam a punição de
crimes e a identificação do dono real da empresa. Embora possa ser utilizada
para fins lícitos, é comum o seu uso para propósitos criminosos, caso em que funciona
como uma empresa de fachada. Quando criada para fins ilícitos, a offshore será
registrada em nome de “laranjas” do país em que é constituída, os quais
outorgam procuração ao verdadeiro dono com amplos poderes de gestão da
instituição de fachada. Esse verdadeiro dono pode ser, por exemplo, um agente
público corrupto que, no momento seguinte, usará a offshore para abrir uma
conta em algum outro país, onde esconderá o dinheiro sujo.
Embora constituída em um paraíso fiscal no exterior, essa empresa nunca
desenvolve negócios reais no exterior, não possuindo, usualmente, mais do que
uma caixa postal para o recebimento de correspondências. No caso Lava Jato, o
uso fraudulento de offshores foi identificado. Descobriu-se, por exemplo, que
funcionários da Petrobras abriram contas para receber propina, em vários
países, as quais estavam em nome de empresas offshores. Doleiros, igualmente,
usaram offshores para, em nome delas, esconder dinheiro sujo no exterior.
Por que o caso Lava Jato
está em Curitiba?
A 13ª
Vara Federal Criminal de Curitiba é especializada em crimes financeiros e de
lavagem de ativos. Os primeiros fatos investigados envolviam lavagem de
dinheiro praticada, entre outras pessoas, por Alberto Youssef, e aconteceram em
Londrina, no Paraná. Além disso, a atuação do doleiro era objeto de inquéritos
e processos suspensos em razão de colaboração que ele vinha prestando em
Curitiba, naquela Vara.
Com o desdobramento das investigações, descobriram-se centenas de crimes
praticados no Paraná, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Pernambuco. Os
crimes mais graves ocorreram no Paraná. Além de Alberto Youssef ter sede no
Paraná e em São Paulo, ele lavou ativos por meio de atividades e imóveis
localizados em Londrina e em Curitiba, gerenciando suas atividades ilícitas
também a partir daí. Além disso, há uma grande inter-relação entre as
investigações, de modo que a prova dos fatos ocorridos em diferentes estados é
reciprocamente útil.
Evidências apreendidas na residência de determinados agentes servem para provar
a conduta de outros. Some-se que doleiros normalmente operam em conjunto e
fazem operações integradas, pois nem sempre possuem recursos em espécie no
Brasil ou aplicações em diferentes países do exterior para onde precisam
remeter ou de onde precisam trazer dinheiro, o que os leva a trocar de posições
financeiras no Brasil e no exterior.
Veja um gráfico feito com informações parciais,
atualizadas até agosto de 2014, antes do aprofundamento da segunda etapa da
investigação, que aponta o inter-relacionamento entre alguns dos diferentes
investigados. Alberto Youssef, peça central da segunda fase da operação, assim
como Waldomiro de Oliveira e Leonardo Meirelles, são nós centrais do esquema
investigado na primeira fase.
Há ainda provas concretas de corrupção envolvendo propinas de dezenas de
milhões de reais pagas em obras da refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar),
localizada em Araucária, no Paraná. Já tramitava há anos na 13ª Vara Criminal
em Curitiba um inquérito para apurar o superfaturamento dessa refinaria.
Além de tudo isso, o dinheiro que Albero Youssef recebeu no esquema da
Petrobras foi lavado, dentre outros métodos, por meio da compra de imóveis no
Paraná em nome de empresa de fachada.
Por que parte da Lava Jato está no Supremo Tribunal Federal?
Porque depoimentos e provas revelaram a possível participação nos crimes de
parlamentares. Nesse caso, por previsão constitucional, os envolvidos só podem
ser investigados e processados criminalmente perante o Supremo Tribunal
Federal.
Há relação entre
impunidade e corrupção?
Sim, há uma íntima relação. Segundo a literatura internacional
especializada em corrupção, uma das possíveis perspectivas sobre o fenômeno o
vê como produto de uma decisão do agente que leva em conta custos e benefícios
do comportamento corrupto e do comportamento honesto. Duas variáveis centrais
para a decisão são o montante da punição e a probabilidade de punição. A
probabilidade da punição está diretamente vinculada ao tema da impunidade e,
assim, é um fator decisivo para o volume da corrupção no país.
Como é formalizada a
acusação no sistema judiciário brasileiro?
O
Ministério Público Federal oferece a acusação por meio de uma petição (um texto
escrito) que é chamada de “denúncia”, a qual descreve quem cometeu o crime,
onde, quando e como. O recebimento da denúncia pelo juiz, quando este examina
superficialmente a viabilidade da acusação, inicia o processo penal (“ação
penal”). No processo, o investigado é chamado de réu e terá o direito à ampla
defesa das acusações e a se manifestar sobre cada alegação e prova oferecida
pelo Ministério Público.
O oferecimento da denúncia não garante a condenação. As acusações são julgadas
imparcialmente pela Justiça, em sentenças. No sistema brasileiro, ninguém é
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
O que é colaboração
premiada?
Para
incentivar os criminosos a colaborarem com a Justiça, várias leis trouxeram a
possibilidade de se concederem benefícios àqueles acusados que cooperam com a
investigação. Esses benefícios podem ser a diminuição da pena, a alteração do
regime de cumprimento da pena ou mesmo, em casos excepcionais, a isenção da
pena.
Há duas formas de colaboração premiada. Na primeira, o criminoso revela
informações na expectativa de, no futuro, tal cooperação ser tomada em
consideração pelo juiz quando da aplicação da pena. Na segunda, o criminoso
entra em acordo com o Ministério Público, celebrando, após negociação, um
contrato escrito. No contrato são estipuladas as condições para que a
cooperação seja premiada e quais serão os benefícios concedidos.
A lei brasileira que detalhou como funciona a colaboração premiada foi a
chamada Lei de Combate às Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013).
Embora não houvesse previsão expressa de acordos de colaboração entre o
criminoso e o Ministério Público antes da lei, eles já vinham sendo feitos
desde a força-tarefa do caso Banestado (entre 2003 e 2007).
Em cada acordo, muitas variáveis são consideradas, tais como: informações novas
sobre crimes e quem são os seus autores, provas que serão disponibilizadas,
importância dos fatos e das provas prometidas no contexto da investigação,
recuperação do proveito econômico auferido com os crimes, perspectiva de
resultado positivo dos processos e das punições sem a colaboração, entre
outras. Há uma criteriosa análise de custos e benefícios sociais que decorrerão
do acordo de colaboração sempre por um conjunto de procuradores da República,
ponderando-se diferentes pontos de vista. O acordo é feito apenas quando há concordância
de que os benefícios superarão significativamente os custos para a sociedade.
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