Por Antony
Mueller*
Introdução
A armadilha da
renda média ocorre quando um país emergente entra em um período de estagnação
após ele ter completado a sua "decolagem" e ter superado a armadilha
da pobreza e a armadilha malthusiana. Tendo chegado ao nível da renda
média, a trajetória do crescimento econômico efetuada durante a decolagem deixa
de ser sustentável.
Durante a fase
da decolagem, a mão-de-obra barata alimenta uma rápida expansão econômica em
decorrência da migração que ocorre das áreas rurais para as cidades
industriais. Nesta fase, a economia cresce pela migração, pela aglomeração e
pela acumulação de capital. As taxas de crescimento econômico são altas
porque a mão-de-obra é abundante e barata, e a acumulação de capital ainda gera
altos retornos.
As taxas de
crescimento começam cair quando a mão-de-obra se torna menos abundante e o
retorno marginal do capital se torna marginalmente menor.
O Brasil
representa um caso em que a entrada na armadilha da renda média resultou em
políticas erradas que pioraram a situação.
O conceito da
armadilha da renda média
Como dito, o
termo "armadilha da renda média" denota a situação de uma economia
emergente quando ela entra em um nível de renda média e não mais sai
dele. Atualmente, o Banco Mundial define a faixa entre US$1.036 e
US$4.085 per capita como "baixa renda média" e entre US$4.086 e
US$12.615 como "alta renda média".
De acordo com
o tipo do cálculo do Banco Mundial, o Brasil chega bem perto do limite da
categoria dos países de alta renda, mas ainda está na faixa da renda média
alta.
Estar preso na
faixa da renda média significa que o país é incapaz de prosseguir o seu caminho
de crescimento, aquele que ele vinha mantendo durante a fase da decolagem. Em
vez de manter um crescimento moderado, o país cai em uma fase de crescimento
fraco, como mostra a figura abaixo.
A armadilha da
renda média significa que o país não consegue alterar sua estratégia de
crescimento, saindo de um modelo acumulativo e imitativo e indo para um modelo
de economia competitiva, empresarial e inovadora.
Imitar as
economias pioneiras gera altos retornos somente quando a distância entre a
economia emergente e os países avançados é grande. Quando a distância
diminui, a imitação torna-se mais difícil e mais arriscada. O futuro é
desconhecido e exige experimentação para se descobrir qual tecnologia irá
funcionar. Esta trajetória envolve um constante processo de tentativa e
erro, o qual requer habilidades muito mais sofisticadas do que a mera imitação
de tecnologias maduras.
Quanto mais a
economia emergente avança e se aproxima do grupo das economias pioneiras, mais
este país em desenvolvimento deve se engajar em uma busca ativa pela próxima
tecnologia. No entanto, dado que os governos dos países emergentes sempre
tendem a manter suas intervenções sobre a economia, a transição para uma
economia competitiva e moderna encontra uma inflexível resistência da parte do
poderoso aparelho de funcionários das empresas estatais e da classe política.
Muitas vezes, a decolagem de um país em desenvolvimento vem junto com uma
ampliação da atividade estatal. O típico efeito colateral deste
crescimento é um agigantamento do setor público, o qual acaba funcionando como
uma barreira quando o país alcança a faixa da renda média, impedindo-o de
entrar na faixa da alta renda.
Preso na armadilha
Os países
emergentes caem na armadilha de renda média porque, em vez de abraçar o
capitalismo inovador, acabam ficando presos a um sistema econômico estatista e
arcaico. Não é raro que a velha elite passe a explorar o medo da
população em relação à "tempestade perene da destruição criativa" (Schumpeter)
do capitalismo dinâmico.
Porém, ao
renunciar à destruição criativa, esta economia em desenvolvimento também acaba
por rechaçar a prosperidade, e passa alimentar a ilusão de que é possível
enriquecer dentro de um sistema estático. Na realidade, os países em
desenvolvimento que permanecem com um capitalismo de estado não apenas não
ganham prosperidade, como também perdem a estabilidade quando inevitavelmente
descambam no círculo vicioso do declínio econômico, o que faz com que o sistema
político comece a oscilar entre o autoritarismo e o populismo. Vide
Argentina e Venezuela, por exemplo.
O
desenvolvimento econômico é uma corrida de maratona com obstáculos. O
primeiro obstáculo consiste em saber superar a barreira que surge quando a
baixa renda passa a limitar a poupança e os investimentos, e consequentemente a
acumulação de capital. O segundo grande obstáculo é a armadilha
malthusiana, que ocorre quando a população aumenta, mas a renda per capita não
sobe. Foi a Revolução
Industrial quem quebrou este padrão da estagnação. Parte do
mundo saiu da armadilha da pobreza. Com o avanço da Revolução Industrial
a taxa de reprodução diminuiu ao passo que a produtividade econômica aumentou.
A armadilha malthusiana desapareceu com a transição demográfica e
pavimentou o caminho para um grande aumento dos níveis de renda.
Um pequeno
grupo de países pioneiros liderou este permanente processo de inovação.
Sucessivas revoluções industriais durante os últimos dois séculos levaram a
ganhos cada vez maiores de produtividade.
No entanto,
enquanto um grupo de economias prosperou, muitas outras ficaram para trás.
Mesmo hoje, ainda há uma multidão de países presos na armadilha da
pobreza e na armadilha malthusiana. Um outro grupo de países que
conseguiu obter a decolagem e superar a armadilha malthusiana — como o Brasil — se encontra preso
na armadilha de renda média. Apenas alguns países conseguiram
realizar a façanha de alcançar os pioneiros e se tornar membros do clube dos
países de alta renda.
O caso do
Brasil
Quando o
crescimento econômico baseado na acumulação de capital e na imitação
tecnológica terminou, o Brasil ainda não havia adquirido a capacidade de
competir com os países de alta renda em termos de tecnologia, produtividade e
habilidades. Nesta fase, o Brasil não mudou a sua estratégia de
crescimento. Em vez de promover uma economia empreendedorial de inovação,
o Brasil implantou uma política de forte protecionismo. Como consequência, o
país experimentou fases de crescimento artificial que se degeneraram em
recessões e altas taxas de inflação. Na maioria das vezes, o Brasil pagou
o preço de seu crescimento artificial com longos períodos de estagflação.
Após um
crescimento moderado na década de 1990 — consequência inevitável de seus fortes
e necessários ajustes econômicos —, e um crescimento mais robusto na década de
2000, o Brasil pós-2010 adentrou uma nova fase de debilidade econômica.
Em vez de pular para frente, a economia brasileira recuou. Desde o
começo dos anos 1990, a média da taxa de crescimento
econômico do Brasil é de apenas 3%, o que significa que o país já se
encontra novamente, e há um bom tempo, em uma armadilha da renda média.
Para conseguir
alcançar as economias avançadas, o Brasil precisaria
apresentar uma taxa média de crescimento do PIB per capita de 4,2% durante os
próximos 50 anos. Só assim será possível alcançar o nível médio dos
países de alta renda da OCDE. Igualmente, seria necessária uma taxa de
crescimento econômico per capita de 4,7% para se chegar no nível da renda dos
Estados Unidos.
Entre as
economias emergentes, apenas a China consegue apresentar uma taxa de
crescimento per capita suficiente para alcançar os níveis dos países
ricos. O Brasil, com uma taxa de 1% durante o período de 1980 até 2011,
está bem fora desta expectativa. A China, no entanto, ainda está na fase
de decolagem, e dificilmente conseguirá manter suas atuais altas taxas de crescimento
econômico. Não se deve excluir a possibilidade de que a China também caia
na armadilha da renda média, como já ocorreu com outros países emergentes na Ásia.
Desta forma, no futuro, ao ter sua taxa de crescimento econômico
reduzida, a China inevitavelmente irá reduzir sua contribuição para o
crescimento econômico do Brasil.
Para sair da
armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma grande transformação em
sua economia, deixando de ser uma economia acumulativa e imitadora e se
tornando uma economia inovadora. Para sair da armadilha da renda
média, o Brasil teria de fazer uma mudança fundamental em sua estratégia
econômica. Em vez de uma transformação de cima para baixo, a economia
precisa florescer de baixo para cima. Esta mudança requer a liberalização
dos entraves regulatórios e burocráticos que hoje incidem sobre o setor
empreendedor. Redução da carga tributária e eliminação do pesadelo burocrático
são imprescindíveis. O setor estatal deve abandonar seu intervencionismo ad
hoc, o qual cria incertezas, em prol de uma política que se limite a oferecer
segurança jurídica e institucional, e que facilite o empreendedorismo.
Porém, não
apenas hoje, mas já por décadas, o Brasil pratica uma política macroeconômica
errada para lidar com a armadilha da renda média. Em vez de liberar a
economia, o estado cria cada vez mais controles e regulamentações. Em vez
de promover uma economia empreendedorial, o Brasil se dedica a fortalecer ainda
mais seu sistema de capitalismo de estado. Em vez de abandonar as
políticas macroeconômicas de cunho dirigista, o país intensifica seu
intervencionismo já extremado.
Adotar
políticas fiscais e monetárias expansionistas na tentativa de sair da armadilha
da renda média apenas agrava a situação. Falando em termos de teoria do
crescimento econômico, ambas estas políticas levam a economia a um
desequilíbrio entre poupança, investimentos, gastos e taxa de câmbio. Uma
atividade econômica que exceda este ponto de "crescimento
equilibrado" é insustentável. Sem o progresso tecnológico para
compensar este hiato, a economia recua. Ainda pior será a situação se o
governo apresentar déficits orçamentais, os quais geram uma redução da taxa
nacional de poupança. Neste caso, em consequência de um crescimento
artificial gerado pelos estímulos monetários e fiscais, a economia cairá abaixo
de seu nível anterior de renda.
O grande erro
desta política econômica está em confundir as consequências do crescimento
econômico com suas causas. A política macroeconômica que o Brasil adotou
para lidar com a armadilha da renda média sofre do mesmo erro que Mises já havia
denunciado ao recorrer à alegoria do mestre de obras que
tenta construir uma casa em um tamanho que excede a real quantidade de insumos
ao seu dispor. Este erro de cálculo não apenas faz com que a construção
da casa não seja concluída, como também faz com que a casa nem sequer possa
ficar de um tamanho menor do que aquele originalmente projetado.
Conclusão
Países de
renda média, após superarem a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana,
enfrentam o esgotamento da mão-de-obra barata. Um país emergente cai na
armadilha da renda média quando, simultaneamente, perde sua capacidade de
competir com os países de baixa renda em termos de preços e, ao mesmo tempo,
ainda não possui a capacidade de competir com os países de alta renda em termos
de tecnologia. A continuidade da ingerência do estado na economia faz com que
estes países caiam no regresso.
Tentar sair da
armadilha recorrendo a políticas de estímulo monetário e fiscal não apenas não
funciona, como na realidade pavimenta o caminho para o endividamento público, e
gera ainda mais debilidade econômica no longo prazo. O caso do Brasil e
seus famosos "vôos de galinha" mostra como o país sofre de
recorrentes ciclos de expansão econômica artificial seguida de contração.
Para continuar
a crescer, o país tem de ter progresso tecnológico. No entanto, se o país
recorre a déficits orçamentários e a inflações monetárias, a tragédia econômica
está programada. Para obter maiores níveis de produtividade, o Brasil teria
de abandonar o atual sistema de capitalismo de estado, o qual foi escolhido
como o caminho para a decolagem. Para sair da armadilha da renda média, o
Brasil tem de abrir sua economia para o capitalismo empreendedorial da
destruição criativa.
*Antony
Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de
economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS),
onde ele atua também no Centro de
Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental
Economics Institute (CEI) e
mantém em português os blogs Economia
Nova e Sociologia
econômica.
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