quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Declínio Americano Em Perspectiva

Muito já foi dito sobre o professor Chomsky, e é difícil encontrar um adjetivo original para ilustrar esse seu mais recente artigo, inspirado pelo aniversário de 50 anos da agressão genocida dos Estados Unidos contra o Vietnam. Eu diria que o professor é um antídoto contra a ignorância, um sábio generoso e democrata que descreve-nos, em uma linguagem acessível a todos, um mundo que os donos do poder prefeririam que não entendêssemos, por ser "excessivamente complexo." Aos donos do poder interessa que sejamos ignorantes e, olhando à minha volta, constato com pesar que eles vêm sendo, em grande parte, bem sucedidos. E que, afinal de contas, a preguiça mental é uma enfermidade infinitamente mais grave do que a burrice.


O Declínio Americano Em Perspectiva by Noam Chomsky "Perdendo" O Mundo

Aniversários significativos são solenemente comemorados - o ataque do Japão à base americana em Pearl Harbor, por exemplo. Outros são ignorados, e eles podem dar-nos lições valiosas sobre o que o futuro provavelmente nos reserva. Agora mesmo, com efeito.

Neste momento, estamos deixando de comemorar o 50º aniversário da decisão do presidente John F. Kennedy em lançar o mais destrutivo e homicida ato de agressão do período pós-II Guerra Mundial: a invasão do Vietnam do Sul, mais tarde de toda a Indochina, deixando milhões de mortos e quatro países devastados, causando vítimas até hoje pelos efeitos de longo prazo, por terem encharcado o Vietnam do Sul com alguns dos mais letais carcinógenos conhecidos, a fim de destruir a cobertura vegetal do solo e colheitas alimentícias.

O alvo primário era o Vietnam do Sul. A agressão mais tarde espalhou-se para o Norte, então para a remota população camponesa do norte do Laos, e finalmente para a zona rural do Camboja, a qual foi bombardeada ao espantoso nível de todas as operações aéreas na região do Pacífico durante a II Guerra Mundial, incluindo as duas bombas atômicas despejadas sobre Hiroshima e Nagasaki. Nisso, as ordens de Henry Kissinger estavam sendo cumpridas - "qualquer coisa que voe sobre qualquer coisa que se mova" - um chamado ao genocídio que é raro no registro histórico. Pouco disso é lembrado. A maior parte mal foi divulgada além de estreitos círculos de ativistas.

Quando a invasão foi lançada há 50 anos, a preocupação era tão pequena que houve poucos esforços em justificá-la, praticamente nada além do apaixonado apelo do presidente de que "nós somos confrontados em todo o mundo por uma monolítica e impiedosa conspiração, que utiliza-se primariamente de meios clandestinos para expandir a sua esfera de influência," e se essa conspiração for bem sucedida no Laos e no Vietnam, "os portões serão escancarados."

Em outra ocasião, ele advertiu que "as sociedades complacentes, auto-indulgentes e pouco duras estão a ponto de ser varridas com os cacos da história e somente os fortes... podem possivelmente sobreviver," nesse caso refletindo sobre o fracasso da agressão e do terror americano em esmagar a independência cubana.

À medida em que os protestos começaram a erguer-se seis anos mais tarde, o respeitado especialista em Vietnam e historiador militar Bernard Fall previu que "o Vietnam enquanto entidade cultural e histórica está ameaçado de extinção, com a zona rural literalmente morrendo sob os golpes da maior máquina militar jamais lançada sobre uma área desse tamanho." Ele estava novamente se referindo ao Vietnam do Sul.

Quando a guerra chegou ao fim oito horrorosos anos mais tarde, a opinião vigente foi dividida entre aqueles que descreviam a guerra como uma "causa nobre" que poderia ter sido vencida com mais dedicação, e no extremo oposto, os críticos, para quem ela foi um "equívoco" que custou muito caro. Por volta de 1977, o presidente Carter chamou pouca atenção quando explicou que não temos "nenhum débito" com o Vietnam por que "a destruição foi mútua."

Há importantes lições em tudo isso para os dias de hoje, além de mais uma prova de que somente os fracos e derrotados são chamados a responder pelos seus crimes. Uma lição é que para compreender o que está acontecendo devemos atentar não apenas para eventos críticos do mundo real, não raro eliminados da história, mas também ao que os líderes e a opinião da elite acreditam, por mais encoberto pela fantasia que isso seja. Uma outra lição é que paralelamente aos vôos da fantasia construídos para aterrorizar e mobilizar o público (e talvez tidos como verdade por alguns que estão hipnotizados pela própria retórica), há também um planejamento geo-estratégico baseado em princípios que são racionais e estáveis por longos períodos, por que têm as suas raízes em instituições estáveis e em suas preocupações. Isso é verdadeiro no caso do Vietnam também. Eu retornarei a isso, apenas destacando aqui que os fatores persistentes na ação do estado são geralmente bem camuflados.

A guerra do Iraque foi um caso instrutivo. Ela foi vendida a um público aterrorizado com os argumentos usuais de auto-defesa contra uma tremenda ameaça à sobrevivência: a "única questão," George W. Bush e Tony Blair declararam, era se Saddam Hussein iria abandonar os seus programas de desenvolvimento de armas de destruição em massa. Quando a única questão recebeu a resposta errada, a retórica do governo moveu-se sem esforço para o nosso "desejo de democracia," e a opinião educada aceitou imediatamente; pura rotina.

Mais tarde, quando a escala da derrota dos EUA no Iraque tornou-se difícil de ser suprimida, o governo tranquilamente admitiu o que estava claro desde o início. Em 2007-2008, a administração anunciou oficialmente que um acordo final deveria incluir a concessão de bases militares americanas e o direito a operações de combate, além de privilegiar investidores americanos no rico sistema energético - exigências relutantemente abandonadas mais tarde em face da resistência iraquiana. E tudo bem ocultado da população em geral.

Com tais lições em mente, é útil olhar para o que é destacado nos principais jornais de política e opinião hoje. Examinemos o mais prestigiado dos jornais estabelecidos, o Foreign Affairs. A manchete estampada na capa da edição de dezembro de 2011 diz em letras garrafais: "Está A América Acabada?"

O artigo do título clama por "economia" nas "missões humanitárias" no estrangeiro, que estão consumindo a riqueza do país, de forma a interromper o declínio americano, o que é um tema preponderante no discurso dos assuntos internacionais, acompanhado pelo corolário de que o poder está movendo-se para o Oriente, para a China e (talvez) a India.

Os principais artigos são sobre Israel-Palestina. O primeiro, por duas altas autoridades israelenses, é intitulado "O Problema É A Rejeição Palestina": o conflito não pode ser resolvido por que os palestinos recusam-se a reconhecer Israel como um Estado Judeu - o que está de acordo com a prática diplomática padrão: estados são reconhecidos, mas não setores privilegiados em seu interior. A exigência não passa de um novo mecanismo para afastar a ameaça de um acordo político que prejudique os objetivos expansionistas de Israel.

A posição oposta, defendida por um professor americano, é intitulada "O Problema É A Ocupação." O subtítulo diz "Como a Ocupação Está Destruindo a Nação." Qual nação? Israel, é claro. O par de artigos aparece sob o título principal "Israel Sitiado."

A edição de janeiro de 2012 contem mais um apelo para bombardear o Irã agora, antes que seja tarde demais. Alertando para "os perigos da intimidação," o autor sugere que "os céticos de uma ação militar deixam de considerar o verdadeiro perigo que um Irã nuclear ofereceria aos interesses dos EUA no Oriente Médio e além. E as suas previsões pessimistas assumem que a cura seria pior que a doença - isto é, que as consequências de um assalto americano ao Irã seriam tão más ou piores do que o Irã realizar as suas ambições nucleares. Mas essa é uma falsa assunção. A verdade é que um ataque militar destinado a destruir o programa nuclear iraniano, se administrado com cuidado, poderia poupar à região e ao mundo uma ameaça muito real, e melhorar dramaticamente a segurança nacional dos EUA a longo prazo."

Outros argumentam que os custos seriam muito elevados, e nos extremos alguns até mesmo notam que um ataque violaria a lei internacional - como a viola a posição dos moderados, que regularmente atiram ameaças de violência, em violação à Carta da ONU.

Vamos rever essas preocupações dominantes uma a uma.

O declínio americano é real, apesar de a visão apocalíptica refletir a familiar percepção da classe dominante de que qualquer coisa diferente do controle total é equivalente a um desastre total. Apesar dos dolorosos lamentos, os EUA permanecem como a potência dominante do mundo por uma larga margem, e nenhum competidor está à vista, não apenas na dimensão militar, na qual é claro que os EUA reinam supremos.

A China e a India têm registrado um rápido (porém altamente desigual) crescimento, mas permanecem países muito pobres, com enormes problemas internos inexistentes no Ocidente. A China é o maior centro manufatureiro do mundo, mas em grande parte como uma linha de montagem para as potências industriais avançadas em sua periferia, e para as multinacionais ocidentais. É provável que isso mude com o tempo. A indústria regularmente fornece a base para a inovação, frequentemente saltos à frente, como agora acontece às vezes na China. Um exemplo que tem impressionado os especialistas ocidentais é o domínio da China do crescente mercado global de painéis solares, não na base da mão de obra barata, mas por meio de planejamento coordenado e, cada vez mais, de inovação.

Mas os problemas encarados pela China são sérios. Alguns são demográficos, abordados na Science, o principal semanário científico dios EUA. O estudo mostra que a mortalidade despencou durante os anos Maoístas, "principalmente como resultado do desenvolvimento econômico e melhorias na educação e nos serviços de saúde, especialmente o esforço de saneamento básico que resultou em uma aguda queda na mortalidade por doenças infecciosas." Esse progresso parou com o início das reformas capitalistas de trinta anos atrás, e a taxa de mortalidade voltou a subir.

Além disso, o recente crescimento econômico chinês baseou-se substancialmente em um "bonus demográfico," uma enorme população em idade de trabalho ativo. "Mas a janela para colher esse bonus poderá fechar-se logo," com um "profundo impacto sobre o desenvolvimento: a oferta abundante de mão de obra barata, que é um dos principais fatores que empurram o milagre econômico chinês, não vai durar muito tempo."

A demografia é apenas um de muitos problemas sérios à frente. Para a India, os problemas são muito mais severos.

Nem todas as vozes de vulto prevêem um declínio americano. Na mídia internacional, não há nenhum mais sério e responsável do que o Financial Times de Londres. Ele recentemente devotou toda uma página à expectativa otimista de que novas tecnologias para a extração de combustíveis fósseis na América do Norte possam permitir que os EUA obtenham a independência energética, e com isso reter a sua hegemonia global por um século. Não há menção a que tipo de mundo os EUA dominarão nessa feliz possibilidade, mas não por falta de evidências.

Mais ou menos ao mesmo tempo, a Agência Internacional de Energia relatou que, com o rápido aumento de emissões de carbono pelo uso de combustíveis fósseis, o limite de segurança será alcançado por volta de 2017 se o mundo continuar no atual ritmo. "A porta está se fechando," disse o principal economista da AIE, e muito em breve "ela vai fechar-se para sempre."

Pouco antes o departamento de Energia americano publicou os mais recentes números de emissão de dióxido de carbono, que "deram o maior salto já registrado na história" a um nível mais alto do que o pior cenário antecipado pelo Painel Internacional de Mudança Climática (PIMC). Isso não constituiu uma surpresa para a maioria dos cientistas, incluindo o programa de mudança climática do MIT, que durante anos vêm dizendo que as previsões do PIMC são excessivamente conservadoras.

Tais críticos das previsões do PIMC não recebem virtualmente nenhuma atenção pública, ao contrário dos negacionistas que são patrocinados pelo setor corporativo, juntamente com enormes campanhas de propaganda que empurraram os americanos para fora do espectro internacional ao minimizar as ameaças. O apoio corporativo também se traduz diretamente em poder político. O negacionismo é parte do catecismo que precisa ser entoado pelos candidatos Republicanos na farsa de campanha eleitoral ora em progresso, e no Congresso eles têm poder suficiente para abortar até mesmo os esforços em inquirir-se sobre os efeitos do aquecimento global, quanto mais fazer-se algo sério a esse respeito.

Em resumo, o declínio americano pode talvez ser interrompido se abandonarmos a esperança de uma sobrevivência decente, perspectivas que são um tanto reais dado o equilíbrio de poder das forças mundiais.

Colocando-se esses pensamentos desagradáveis de lado, um olhar atento para o declínio americano mostra que a China com efeito tem um grande papel nisso, algo que vem acontecendo nos últimos sessenta anos. O declínio que agora suscita tamanha preocupação não é um fenômeno recente. Ele pode ser traçado até o fim da II Guerra Mundial, quando os EUA tinham metade da riqueza do mundo, uma incomparável segurança e um alcance mundial. Os planejadores estavam naturalmente bem cientes dessa enorme disparidade de poder, e pretendiam mantê-la desse jeito.

O ponto de vista básico foi delineado com admirável franqueza em um importante documento de 1948 (PPS 23). O seu autor era um dos arquitetos da Nova Ordem Mundial de então, o chefe da Equipe Política de Planejamento do departamento de Estado, o respeitado estadista e estudioso George Kennan. Ele observou que o objetivo central da política era manter a "posição de disparidade" que separava a nossa riqueza da pobreza dos outros. Para atingir esse objetivo, ele aconselhava, "Nós devemos cessar a discussão sobre objetivos vagos e irreais tais como direitos humanos, elevação dos padrões de vida, e democratização," e devemos "lidar com conceitos diretos de poder," e não sermos "obstruídos por slogans idealistas" sobre "altruísmo e bem-estar mundial."

Kennan estava se referindo especificamente à Ásia, mas as observações generalizam-se, com exceções, para participantes do sistema global controlado pelos EUA. Ficava bem entendido que os "slogans idealistas" continuariam a ser proeminentemente exibidos em público, incluindo as classes intelectuais que, esperava-se, iriam promulgá-los.

Os planos que Kennan ajudou a formular e implementar davam como favas contadas que os EUA controlariam o Hemisfério Ocidental, O Extremo Oriente, o ex-império britânico (incluindo os incomparáveis recursos energéticos do Oriente Médio), e o máximo possível da Eurásia, crucialmente os seus centros comerciais e industriais. Esses não eram objetivos irreais, dada a distribuição de poder. Mas o declínio teve início de imediato.

Em 1949, a China declarou a sua independência, um evento conhecido no discurso Ocidental como "a perda da China" - nos EUA, com amargas recriminações e conflitos quanto a quem fora o responsável por essa perda. A terminologia é reveladora. Só é possível perder uma coisa se ela for nossa. A assunção tácita era de que os EUA possuíam a China, por direito, juntamente com o resto do mundo, de uma maneira muito próxima ao assumido pelos planejadores do pós-guerra.

A "perda da China" foi o primeiro grande passo do "declínio americano." Ela teve grandes consequências políticas. Uma delas foi a imediata decisão de apoiar o esforço da França em reconquistar a sua ex-colônia da Indochina, de maneira que ela não fosse "perdida" também.

A Indochina em si não era uma grande preocupação, a despeito das alegações quanto aos seus ricos recursos pelo presidente Eisenhower e outros. Ao contrário, a preocupação era a "teoria do dominó," a qual é frequentemente ridicularizada quando os dominós não caem, mas permanece um importante princípio da política por que é um tanto racional. Para adotar a versão de Henry Kissinger, uma região que escapa ao controle pode tornar-se um "virus" que irá "espalhar-se como um contágio," induzindo outros a ir pelo mesmo caminho.

No caso do Vietnam, a preocupação era que o virus do desenvolvimento independente pudesse infectar a Indonésia, a qual realmente tem imensos e ricos recursos. E isso poderia levar o Japão - o "super-dominó" como era chamado pelo proeminente historiador da Ásia John Dower - a "acomodar-se" a uma Ásia independente como o seu centro tecniológico e industrial em um sistema que escapasse ao alcance do poder americano. Isso significaria, com efeito, que os EUA teriam perdido a fase do Pacífico da II Guerra Mundial, combatida para impedir a tentativa do Japão de estabelecer tal Nova Ordem na Ásia.

A maneira de lidar com tal problema é clara: destruir o virus e "inocular" aqueles que possam estar infectados. No caso do Vietnam, a escolha racional foi destruir qualquer esperança de desenvolvimento independente bem sucedido, e impor ditaduras brutais na região à toda volta. Essas tarefas foram levadas a cabo com sucesso - ainda que a história tenha os seus próprios caprichos, e algo similar ao que era temido vem acontecendo desde então na Ásia Oriental, muito para a desolação de Washington.

A mais importante vitória das guerras da Indochina em 1965, quando um golpe militar patrocinado pelos EUA na Indonésia liderado pelo general Suharto resultou em crimes maciços que foram comparados pela CIA àqueles de Hitler, Stalin e Mao. A "formidável carnificina em massa," como foi descrita pelo New York Times, foi relatada com precisão pela mídia, e com desenfreada euforia.

Aquilo foi "um raio de luz na Ásia," como o destacado comentarista liberal James Reston escreveu no Times. O golpe pôs um fim à ameaça de democracia ao demolir o partido político dos pobres baseado nas massas, estabeleceu uma ditadura que foi em frente para compilar um dos piores registros de direitos humanos do mundo, e escancarou as riquezas do país aos investidores ocidentais. Não surpreende a ninguém que, depois de muitos outros horrores, incluindo a invasão genocida do Timor Leste, Suharto foi recebido pela administração Clinton em 1995 como "um cara do nosso tipo."

Anos após os grandes eventos de 1965, o conselheiro de Segurança Nacional das administrações Kennedy-Johnson, McGeorge Bundy, refletiu que seria uma sábia decisão terminar a guerra do Vietnam naquele momento, com o "virus" virtualmente destruído e o dominó primário solidamente em seu lugar, amparado pelas outras ditaduras amigas da região.

Procedimentos similares têm sido rotineiramente seguidos em outros lugares. Kissinger estava se referindo especificamente à ameaça de democracia socialista no Chile. Essa ameaça teve fim em uma outra data esquecida, que os latino-americanos chamam "o primeiro 11 de setembro," que em violência e amargos efeitos ultrapassou, e muito, o 11 de setembro comemorado no Ocidente. Uma viciosa ditadura foi imposta ao Chile, parte de uma praga de repressão brutal que espalhou-se pela América Latina, alcançando a América Central sob Reagan. Outros virus têm suscitado profundas preocupações também em outros lugares, incluindo o Oriente Médio, onde a ameaça do nacionalismo secular frequentemente inquietam os planejadores britânicos e americanos, induzindo-os a apoiar o fundamentalismo islâmico contra eles.

A despeito de tais vitórias, o declínio americano continuou. Por volta de 1970, a fração americana da riqueza mundial havia despencado para cerca de 25%, ainda colossal mas muito abaixo do valor ao fim da II Guerra Mundial. À época, o mundo industrializado era "tri-polar": a América do Norte baseada nos EUA, a Europa baseada na Alemanha, e a Ásia Oriental, já a mais dinâmica região industrial, naquele tempo baseada no Japão, mas agora incluindo as ex-colônias japonesas Taiwan e Coréia do Sul, e mais recentemente a China.

Mais ou menos naquela época, o declínio americano entrou em uma nova fase: um consciente declínio auto-infligido. A partir dos anos 70, tem havido uma significativa mudança na economia americana, em que os planejadores, privados e estatais, moveram-na na direção da financialização e da terceirização da produção, em parte um resultado da minguante margem de lucro da indústria doméstica. Essas decisões deram início a um ciclo vicioso no qual a riqueza tornou-se altamente concentrada (de forma dramática nas mãos de 0.1% da população no topo da pirâmide), levando à concentração do poder político, e daí uma legislação que agrava o ciclo: taxação e outras políticas fiscais, desregulação, mudança nas regras de governança corporativa, permitindo ganhos estratosféricos para executivos, e assim por diante.

Enquanto isso, para a maioria, os salários reais estagnaram em grande parte, e as pessoas só conseguem ir em frente através de jornadas de trabalho cada vez mais longas (muito além da Europa), débito insustentável, e repetidas bolhas desde os anos Reagan, criando riqueza de papel que inevitavelmente desaparece quando estouram (e os operadores são salvos com o dinheiro do contribuinte). Em paralelo, o sistema político sofre uma crescente desintegração à medida em que ambos os partidos atolam-se cada vez mais fundo no bolso das corporações com a escalada do custo das eleições, os Republicanos ao nível da farsa, os Democratas (agora em grande parte os ex-Republicanos "moderados") não muito atrás.

Um recente estudo do Instituto de Política Econômica, o qual tem sido a principal fonte de dados confiáveis acerca desses desenvolvimentos por anos, é intitulado Fracasso por Design. A expressão por design é adequada. Outras escolhas foram certamente possíveis. E como destaca o estudo, o "fracasso" é baseado em classes. Não há fracasso para os designers. Longe disso. Ao contrário, as políticas são um fracasso para a grande maioria, os 99% do imaginário dos movimentos Occupy - e para o país, que tem declinado e continuará a declinar sob essas políticas.

Um fator é a terceirização da indústria. Como o exemplo do painel solar mencionado acima ilustra, a capacidade manufatureira fornece a base e o estímulo para a inovação, conduzindo a estágios mais elevados de sofisticação na produção, design, e invenção. Isso também está sendo terceirizado, o que não é um problema para os "mandarins do dinheiro" que cada vez mais fazem o design da política, mas um sério problema para o trabalhador e a classe média, e um real desastre para os mais oprimidos, os afro-americanos, que nunca escaparam à herança da escravidão e do seu sombrio legado, e cuja magra riqueza virtualmente desapareceu após o colapso da bolha imobiliária em 2008, desencadeando a mais recente crise financeira, a pior até aqui.

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