O presidente
da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) disse hoje (3) que a presidenta da República
Dilma Rousseff “mentiu à sociedade” ao afirmar, em pronunciamento em rede
nacional, que seu governo não participa de “barganhas” com o Congresso. O
peemedebista, que autorizou ontem (2) a abertura do processo de impeachment da
petista, disse que durante a manhã dessa quarta-feira o ministro da Casa Civil,
Jaques Wagner, intermediou uma negociação entre Dilma e o deputado André Moura
(PSC-SE), relator da reforma tributária na Câmara.
“Mentiu à
nação quando disse que seu governo e ela não participava de barganha. Ontem, o
deputado esteve com a presidenta da República que quis vincular o apoio dos
deputados do PT [para votarem a favor do arquivamento do processo contra Cunha
no Conselho de Ética] à aprovação da CPMF”, afirmou em entrevista à imprensa.
Cunha disse
que já sabia do fato, mas não divulgou antes porque não tinha autorização de
Moura. Segundo o presidente da Câmara, o ministro Jaques Wagner também tentou,
durante todo o dia, falar com ele para evitar a abertura do processo de impeachment.
Eduardo Cunha disse que não falou com Wagner até o momento em que concedeu
entrevista para anunciar sua decisão.
“Ela
[presidenta Dilma Rousseff] mentiu em rede nacional e isto é muito grave. Se
ela não tivesse participado diretamente eu nem falaria”, completou.
Eduardo Cunha
voltou a afirmar que a abertura do processo é dever constitucional do cargo e
que a decisão foi baseada “unicamente” em fatos relacionados à Lei
Orçamentária. O presidente da Câmara reiterou que não teve qualquer viés
pessoal. “O recebimento da denúncia está claramente definido nas razões quando
fala na participação direta, na conduta descrita que foram os decretos
orçamentários. Não emiti e não vou emitir qualquer juízo sobre a acusação
contra a presidente da República, quanto mais pessoal. Apenas me ative aos
fatos tipificados”, afirmou.
Em sua decisão
para abertura do processo, Cunha argumenta que Dilma assinou seis decretos com
créditos suplementares, em que aumentou os gastos federais deste ano em
descumprimento com a lei orçamentária anual e sem a aprovação do Congresso
Nacional. "E também merece melhor aprofundamento as razões que levaram ao
governo a adotar essa prática das chamadas pedaladas fiscais também neste ano
de 2015", diz Cunha, no documento em que aceitou o pedido de abertura.
Pronunciamento
Ao se
manifestar sobre a aceitação do pedido de impeachment anunciado por
Cunha, a presidenta Dilma Rousseff disse ontem, em pronunciamento no Palácio do
Planalto, que recebeu a notícia com indignação, relembrando que seu mandato é
exercido com base em escolha democrática pelo povo.
A presidenta
rechaçou a possibilidade de que poderia haver uma negociação por votos de
membros da base governista no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados contra
a abertura de processo de cassação do presidente da Câmara, em troca do
arquivamento dos pedidos de impeachment. "Eu jamais aceitaria ou
concordaria com quaisquer tipos de barganha, muito menos aquelas que atentam
contra o livre funcionamento das instituições democráticas do meu país,
bloqueiam a Justiça ou ofendam os princípios morais e éticos que devem governar
a vida pública."
Conselho
de Ética
No Conselho de
Ética, Eduardo Cunha é investigado pela suspeita de receber propina em esquema
investigado pela Operação Lava Jato e por manter contas secretas na Suíça,
segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Cunha também é
acusado de mentir ao negar a existência das contas durante um depoimento na CPI
da Petrobras.
O colegiado já
tentou, quatro vezes, apreciar e votar o parecer do deputado Fausto Pinato
(PRB-SP), que pede a continuidade do processo contra o presidente da Casa. O
processo ainda está em fase de debates porque aliados de Cunha tem recorrido a
brechas regimentais para postergar uma decisão e a conclusão do processo para
2016.
Até ontem, a
indefinição de três deputados do PT no conselho deixaram a situação do
peemedebista ainda mais indefinida, mas, depois de uma reunião da bancada, no
final da manhã, o partido decidiu que vai votar pela continuidade do
processo.
Hoje, Cunha
voltou a garantir que não participou de uma negociação com os petistas para
evitar um processo contra ele e que não pode responder pelos atos de aliados e
parlamentares que querem defendê-lo. “Prefiro e preferia que não tivesse os
votos do PT no conselho. Prefiro, sem o PT, ser julgado pelo restante do
colegiado”, afirmou.
O deputado
Henrique Fontana (PT-RS) rebateu as acusações. Além de rechaçar a afirmação de
que Dilma estava mentindo ao afirmar que não negocia barganha com
parlamentares, Fontana afirmou que Cunha aguardava uma posição do partido para
declarar sua decisão sobre o impeachment.
“Quando o PT
decide, ele [Cunha], horas depois, abre o caminho para a oposição fazer o
grande e fantasioso golpe ao país. Cunha conduzia um processo de chantagem”,
disse, em referência ao fato de que Cunha anunciou ter aceito pedido de
abertura do processo de impeachmentapós os petistas terem decidido votar a
favor de um processo de cassação. Fontana classificou o peemedebista como “o
chantagista-mor da República” e afirmou que Cunha usou e usa o cargo para
tentar salvar o mandato. “Como não conseguiu, partiu para o desespero total”,
disse Fontana.
Recesso
Pelo
Regimento, o Congresso entra em recesso parlamentar a partir do dia 22 de
dezembro. Diante da aceitação do processo de impeachment, o recesso pode
ser suspenso para a análise do pedido. Eduardo Cunha disse a suspensão não pode
ser uma decisão isolada da Câmara. “A convocação extraordinária não é exclusiva
do presidente da Câmara. Tem que ser decisão conjunta com o presidente do
Senado [Renan Calheiros]. Tem que ser uma decisão em conjunto”, explicou.
Depois que o
pedido de impeachment é lido em plenário, junto com a decisão de
Cunha, e publicado no Diário Oficial da Casa, é determinada a criação de uma
comissão especial, com 66 deputados que vão analisar a denúncia. A presidenta
Dilma será notificada e terá o prazo de 10 sessões do plenário para apresentar
a defesa. Com os argumentos da presidenta em mãos, a comissão especial terá
cinco sessões do plenário para votar o parecer, que ainda será submetido ao
plenário. Para a aprovação, é preciso o aval de dois terços de deputados
federais (342).
O recesso
também pode influenciar a contagem dos prazos para a tramitação do processo
contra Cunha no Conselho de Ética. Se aprovado o relatório preliminar, Cunha
terá 10 dias úteis para se defender. Depois desse prazo, o colegiado começa a
recolher documentos e ouvir testemunhas até a conclusão do relatório final. O
conselho tem 90 dias para todo o processo. Se houver recesso, os dias param de
ser contados, mas, se a Casa continuar as atividades, o prazo continua
contando.