Os últimos
trinta anos, especialmente depois do derretimento do socialismo real na antiga
União Soviética, em 1989, assistiram a vergonhosa rendição dos partidos de
orientação socialista ao pensamento neoliberal em todo o mundo.
A
vingança, talvez não-intencional, da classe trabalhadora não se fez esperar e
as forças conservadoras voltaram ao comando dos governos. França, Grã Bretanha,
Espanha e Portugal são os casos de maior destaque. Talvez, o mais grave de tudo
é que movimentos de extrema direita, que andavam adormecidos, passaram a atrair
cada vez mais adeptos junto aos trabalhadores lançados ao desemprego e à falta
de assistência dos governos em razão da busca frenética das empresas por
redução de custos, exigida pela globalização dos mercados. Na Áustria, a
direita tomou conta do poder, já há algum tempo.
Em vários
países da América Latina, o longo ciclo das ditaduras militares patrocinadas
pelos Estados Unidos, no bojo da Guerra-Fria, agravou de maneira intensa os
problemas sociais gerados pelo desenvolvimento capitalista, criando um ambiente
propício ao aparecimento de amplos movimentos sociais que acabaram por derrotar
as ditaduras e reinstalar governos democráticos.
A criação
do Partido dos Trabalhadores é resultado da rebelião das organizações de trabalhadores
e dos movimentos sociais contra o citado estado de coisas num quadro de forte
opressão da ditadura militar. Constitui, certamente, um dos fatos mais
importantes da vida política do país.
Ao PT,
porém, tem faltado consistência ideológica. As concessões programáticas que
suas lideranças fizeram ao pensamento conservador para chegarem ao poder em
2003, já eram uma clara demonstração de incapacidade para conduzir mudanças
políticas importantes no país. Essa incapacidade foi justificada pela conjuntura
econômica desfavorável, que supostamente criava a necessidade de fazer
concessões transitórias para assegurar a chegada ao poder.
Na
prática, não foi bem assim, pois durante todo o primeiro período governamental,
sob a batuta do Ministro Palocci e do Presidente Enrique Meirelles do Banco
Central, a política econômica de cunho neoliberal, vinda do governo anterior,
não sofreu maior alteração.
No
segundo governo, depois da queda de Palocci e da substituição de sua equipe no
Ministério da Fazenda, instalou-se no governo uma visão menos liberal de
política econômica que possibilitou maior atuação do estado no estímulo a
investimentos privados, na execução de investimentos públicos e na promoção de
exportações. Para tanto, contribuiu significativamente a abertura de novos
mercados para nossas matérias primas em função da expansão da demanda asiática
e do surgimento de novos parceiros comerciais.
Por outro
lado, foram intensificadas elogiáveis ações na área social (bolsa-família e
aumentos reais do salário mínimo) e expandida e facilitada a concessão de
crédito às famílias de menor renda e às pequenas empresas. Estas medidas,
juntamente com as mudanças inicialmente citadas, criaram as condições para a
aceleração do crescimento, acumulação de reservas em moeda estrangeira e
aumento do emprego.
Na área
política, o carisma do Presidente Lula, se por um lado cumpriu o papel de
energizar as populações mais pobres, com um discurso populista, por outro lado,
serviu para retirar do PT a capacidade de tomar iniciativas na área política,
convertendo-o num apêndice mudo do governo.
Na
corrida pela cadeira presidencial em 2010, os trunfos que levaram à vitória de
Dilma e do PT, foram o capital político acumulado durante a gestão de Lula no
segundo governo, especialmente junto aos seguimentos mais pobres da população,
ao lado das lutas internas do maior partido de oposição, o PSDB, e da
desagregação do DEM, partido da direita fisiológica que, ao ficar mais distante
dos cofres públicos, definhou fortemente.
Foi essa,
possivelmente, a campanha política mais débil em matéria de propostas, que
assistimos nos últimos tempos, com a oposição temendo criticar a política
social do governo e os partidos do governo temerosos de desagradar a classe
dominante com propostas de mudança nas áreas econômica e política.
O quadro
atual é o de um governo sem propostas, concentrado na gestão de uma política
econômica ultrapassada que vem acarretando a desindustrialização do país,
apoiado numa coalizão política frouxa e essencialmente fisiológica, na qual o
PT não exerce papel hegemônico, sendo apenas mais um sócio do condomínio da
coisa pública.
Do ponto
de vista das expectativas do país em relação a seu futuro econômico e político,
nuvens negras já começam a tomar forma no horizonte: são crescentes os desequilíbrios
nas transações correntes do balanço de pagamentos; aprofundam-se os processos
de desindustrialização e desnacionalização de empresas; e já acontece
estagnação da atividade industrial e aumento na taxa de desemprego. Resta ainda
a ilusão de que o grande afluxo de capital estrangeiro em fuga dos mercados
internacionais em crise, estimulados pelas altas taxas de juros internas, seja
indicador de pujança econômica do país.
As
esperanças de reativação econômica da estagnação que já bate à porta acham-se
na expansão do mercado interno em função do forte aumento do salário mínimo a
partir de janeiro, do efeito de algumas medidas protecionistas que vêm sendo
adotadas em relação às importações e da possibilidade de que as economias
asiáticas, especialmente a China, continuem expandindo suas importações de
produtos básicos. A mais longo prazo, a exploração do Pre-sal, é vista como um
dinamizador da atividade industrial, da geração de divisas e de recursos
fiscais.
Se essas
expectativas positivas não se materializarem a contento, a insatisfação popular
seguramente vai crescer. Será, então, chegada a hora da verdade para o PT e
seus aliados da esquerda. Grande parte do eleitorado vai começar a dar-se conta
de que o PT é somente mais um partido que disputa as regalias do poder e,
facilmente, poderá migrar para partidos mais conservadores como tem ocorrido na
Europa.
Que
estariam fazendo os dirigentes do PT que, certamente conhecem o conceito
gramisciano de hegemonia, se mantêm o partido sem propostas e distante da
população? Onde está o discurso capaz de mobilizar os demais partidos
progressistas e a população para transformar o país e se manter no poder na
hora das vacas magras? O PT já conseguiu a façanha de perder o apoio da maioria
dos intelectuais que acompanharam sua criação e simpáticos a suas propostas
iniciais. Agora, também, passa a desprezar os movimentos sociais.
Espero
sinceramente, que os bem-remunerados serviços de consultoria ao setor privado e
a participação de dirigentes do governo em conselhos de empresas pública e
privadas que lhes propiciam polpudos jetons, não os tenha capturado
definitivamente, nem os faça perder de vista que a população não tem razões
para ver neles nenhuma distinção natural em relação aos membros da elite
empresarial e do mercado financeiro que os explora através do mercado.
Deve
gerar perplexidade entre os militantes do PT, o atual governo tomar a decisão
de privatizar os aeroportos e de estar propondo um projeto para entregar ao
setor privado os fundos de aposentadoria do funcionalismo público. Será que a
experiência predatória do patrimônio público, nas privatizações nos governos
Collor e FHC, nada nos ensinaram, ou há deliberadamente a intenção de repetir o
processo de fabricação de capitalistas com financiamentos do BNDES e com altas
tarifas dos serviços públicos?
Tenho
sido até agora eleitor do PT, mas começo a temer sinceramente que, se seus
dirigentes insistirem em permanecer deitados no “berço esplêndido” dos cargos
públicos e das benesses que lhes chegam das corporações privadas, a população,
num futuro breve, não mais lhes dará seus votos.
Os
segmentos mais desinformados da população, quando afetados pela crise,
certamente irão em busca de alternativas. Só que neste caso, o pior pode
acontecer, com o deslocamento de sua preferência para organizações de direita e
para o apoio de partidos e movimentos anti-democráticos. Assim tem sido na
Europa, por que não se repetiria aqui?
O PT
precisa, urgentemente, afirmar-se como um partido de vanguarda na defesa dos
interesses populares. Precisa também, obviamente, dar sustentação ao governo
que elegeu, mas não deve confundir-se inteiramente com o governo, pois este,
por razões de governabilidade, tem de fazer concessões aos aliados. Ao PT cabe
desempenhar o papel de propulsor das mudanças que o país precisa realizar e
impulsionar o governo nessa direção e nunca transformar-se em mero agente do
governo. O PT deveria ser um partido no governo e não um partido do governo.
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