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29dezembro2012
RETROSPECTIVA 2012
No Direito Eleitoral, ano mostrou que não há mágicas
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Eduardo Galeano
Eduardo Galeano
O ano de 2012 deixará como legado, no âmbito do direito eleitoral, a constatação de que não existem medidas mágicas aptas a resolver os problemas democráticos brasileiros. A construção de um sistema eleitoral hígido, liberto de influências malsãs do poder econômico e de interferências nocivas dos meios de comunicação, capaz de combater eficazmente os ilícitos de campanha, isento de maus personagens, ágil na solução de conflitos próprios do processo eleitoral, é uma utopia a ser perseguida mediante reformas sucessivas, que não podem ser limitadas ao campo legislativo.
De fato, nenhuma medida legislativa bastará à satisfação da expectativa cidadã de gestores e legisladores probos e competentes. Nenhuma alteração normativa, ainda que ampla e profunda, bastará para criar um âmbito político ético, preenchido por homens públicos hábeis a solver os problemas da sociedade que representam. Leis novas, infrações novas. O que precisa mudar, nesse terreno, é a mentalidade dos cidadãos, muito mais do que o rol dos direitos e deveres juridicamente estabelecidos. Só com a soma de ambas as mudanças é que a melhora republicana tão ansiada poderá ser viabilizada. Um ordenamento jurídico dotado de ferramentas de combate aos ilícitos eleitorais e de preservação da igualdade de condições de disputa entre os postulantes a um mandato popular é condição necessária, mas não suficiente, a uma democracia ideal.
A introdução acima se justifica porque esta foi a primeira eleição em que se deu a aplicação válida das disposições da tão anelada Lei Complementar 135, a Lei da Ficha Limpa. No começo de 2012, o Supremo Tribunal Federal, concluindo julgamento que vinha de 2011, decidiu que ela é compatível com a Constituição e pode ser aplicada a atos e fatos ocorridos anteriormente à sua edição (ADC 29/DF, ADC 30/DF e ADI 4.578/DF).
Dito diploma, com essa amplitude de incidência reconhecida pelo STF, limitou significativamente a participação de candidatos no processo eleitoral. Porém, nem por isso a sociedade pode dizer-se absolutamente segura de que, agora, a prática política brasileira foi renovada. Alguns personagens indesejados pelo novel regramento podem ter sido expelidos do processo eleitoral, mas as condutas inidôneas certamente continuam presentes. E o eleitorado é o principal culpado disso.
Quem poderá dizer que, doravante, o país estará livre de maus políticos? Algumas evidências militam no sentido contrário. As eleições realizadas em 2012 evidenciaram gastos — tomados em consideração apenas os declarados — ilionários, em proporções jamais vistas. Isso representa uma crescente influência do poder econômico, que acentua a disparidade entre candidatos, distinguindo-os entre as categorias dos que conseguem financiamento e dos que não o alcançam, estes com chances mitigadas de sucesso nas urnas. Mesmo quando as doações são destinadas aos partidos, as agremiações escolhem dentre os seus candidatos quais devem ser contemplados, o que diferencia, internamente, as candidaturas. Desse painel sobram as conclusões da necessidade de o legislador refletir acerca dos meios para limitar os gastos de campanha (tanto quanto a de verificar os meios de financiamento delas), e de o eleitor fazer-se a indagação das fontes de recursos dos seus escolhidos, já que elas indicarão, em significativa medida, o caráter da representação que será personificada pelo sufragado.
Mas não só. Os debates travados durante as campanhas municipais ignoraram, na maior parte das vezes, questões técnicas relevantes (como o endividamento público, a definição de prioridades orçamentárias, o equacionamento de problemas extremamente complexos como os de saneamento básico e trânsito, dentre outros). Quem poderá crer que o caminho para uma representação ideal está sendo pavimentado quando nas campanhas quase tudo quanto se afirma é pasteurizado, é um discurso pronto, prêt-à-porter, preparado pela publicidade eleitoral, tomado por clichês e promessas de difícil execução? Quem?
As eleições são exercícios de escolhas. Ainda que o universo de opções de candidaturas possa ser limitado pela lei, ainda que ela possa castigar severamente quem abusa ou corrompe, o que se constata é que ao eleitor cabe a palavra final sobre as pessoas que irão representá-lo. E se ele, cidadão, entende que deve optar por alguém que não é dotado de predicados éticos ou de eficiência, infelizmente, não será a lei quem solverá o problema. Igualmente, se ele, votante, não consegue, ou, mais grave, não se interessa em verificar o que é factível ou não factível dentre as promessas feitas na campanha, isso não se resolverá na legislação. Se ele não consegue deixar de escolher seu representante influenciado por propagandas ocas, isso texto legal algum resolverá. Trata-se de uma liberdade não alcançável pelo ordenamento jurídico, eis que contida no espaço que só o campo da moral e da consciência regulam. Omitir-se é um direito. Escolher mal, também.
Trocando em miúdos: o ano de 2012 mostrou que, por mais que boas intenções sejam materializadas na legislação eleitoral, são os costumes políticos que precisam ser renovados. A menos que o eleitor deseje, sinceramente, mudar ditos hábitos, por mais que trabalhem os legisladores, por mais que suem os juízes, esses esforços oficiais serão baldios. As campanhas são caras porque o eleitor as estimula. Os maus políticos só se candidatam porque sabem que podem ser escolhidos e vencedores.
Não se trata, porém, de somente lastimar. Cuida-se, em rigor, de constatar que, às vezes, a sociedade se mune de esperanças demasiadas, confiando que a legislação, ou mesmo uma decisão judicial, pode suprir defeitos que só são solúveis por mudanças coletivas de mentalidade. A LC 135 tem o seu valor. Mas ela, sozinha, não faz milagres. É andorinha, não é verão.
Competência operacional da Justiça Eleitoral
É preciso consignar que o Judiciário Eleitoral fez um trabalho digno de especial nota. Realizou as eleições na data prevista, em todos os municípios brasileiros. Em poucas horas, entregou o resultado de todos os pleitos. É, sem risco de erro, o procedimento de apuração eleitoral mais célere do mundo. Protagonizou uma das maiores estratégias de mobilização do planeta, uma operação para a qual convergiram incontáveis servidores públicos e milhões de cidadãos, pacificamente, em um mesmo dia, na mesma faixa de horário, para a realização de milhares de eleições distintas (não é demais lembrar que prefeitos/vice-prefeitos e vereadores são escolhidos em separado, município por município). Tudo isso ocorreu, em primeiro e segundo turno, sem maiores problemas, com incidentes tópicos, incapazes de tisnar a lisura do procedimento e macular a competência da logística judiciária.
Bom frisar que esse é só o aspecto mais evidente de uma longa jornada. As eleições só sucedem depois de a Justiça analisar dezenas de milhares de pedidos de registros de candidaturas impugnados em primeira e segunda instâncias, e, em muitos casos, também em terceiro grau. Só o TSE julgou este ano mais de sete mil processos relacionados a registro de candidaturas. Para um Judiciário Nacional conhecido por ser lento, entregar milhares de vezes a jurisdição em três estágios, no estreito prazo de meses, mostra que uma prestação jurisdicional célere é possível.
Nessa impressionante empreitada, a Justiça Eleitoral interpretou a Lei da Ficha Limpa e, decidindo casos concretos, estabeleceu importantes balizamentos que, formando jurisprudência, deverão pautar os pleitos seguintes.
Disse, por exemplo, como se procede à contagem do prazo de inelegibilidades. Havia a dúvida: os oito anos fixados na lei como período de impedimento de candidatura contam-se à moda dos prazos civis ou por um critério sui generis, próprio à matéria eleitoral? O TSE, após oscilar inicialmente, fixou que a inelegibilidade conta-se até o derradeiro dia do oitavo ano após o início da causa impeditiva (AgR-Respe 2361, entre outros).
Afirmou, também, que os atos de improbidade administrativa que ensejam a inelegibilidade são os que causam dano ao erário e enriquecimento ilícito, concomitantemente. A simples violação de princípios, sem dano, ou a danosa, sem enriquecimento, não ensejam a perda do direito de ser votado (AgR-Respe 2167, entre outros).
Reiterou a corte o entendimento de que as inelegibilidades podem ser afastadas por medida judicial posterior à fase de registro, mas as condições de elegibilidade devem ser averiguadas até o instante do pedido, de nada importando o suprimento ulterior de eventual defeito. Pronunciou também, que inelegibilidades supervenientes ao registro só podem ser aferidas em sede de recurso contra a expedição de diploma (AgR-Respe 1217, entre outros).
O TSE reafirmou que compete ao Poder Legislativo julgar as contas do Executivo, sendo o Tribunal de Contas órgão opinativo nesses casos. Eventual rejeição de contas por este, nesse contexto, dá-se sob a forma de parecer prévio e não gera a inelegibilidade do ocupante do cargo de prefeito, governador ou de presidente da República. Tal inelegibilidade só se aperfeiçoa quando o julgamento do Legislativo sobrevém pela rejeição das contas. A exceção a tal compreensão está nas hipóteses de convênio, ensejo em que a Corte de Contas, ao apreciar a matéria, delibera em caráter definitivo (AgR-Respe 46450, entre outros).
Uma análise digna de ser sublinhada, também na seara das inelegibilidades, foi feita pelo TSE no sentido de que contas rejeitadas por gastos com educação aquém dos patamares constitucionalmente fixados é motivo para a inelegibilidade, pouco importando a diferença entre o percentual realizado e o determinado pela Constituição Federal, eis que, na ótica do TSE, isso caracteriza ato doloso de improbidade administrativa (AgR-Respe 7486, entre outros).
Finalizando essa síntese de posições quanto às inelegibilidades, cabe anotar que o TSE, variando compreensão anterior, entendeu que o vice-prefeito que assumir a chefia do Poder Executivo em decorrência do afastamento do titular, ainda que temporariamente, seja por qual razão for, somente poderá candidatar-se ao cargo de prefeito para um único período subsequente (Respe 12.907).
Devisões e fatos importantes
O Supremo Tribunal Federal assegurou aos partidos novos, criados após a realização de eleições para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral no rádio e na televisão que devem ser divididos na razão dos votos recebidos nas eleições para a Câmara no pleito anterior. Determinou que, diante da inexistência da agremiação no pleito disputado, fosse considerada, nesse cômputo, a representação dos deputados federais que migraram diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos para a nova legenda na sua criação (ADI 4430/DF e ADI 4795 MC/DF).
O STF também teve de analisar a situação do chamado “prefeito itinerante”, aquele que sendo alcaide de um município resolve, depois de eleito e reeleito, transferir seu título para uma comuna diversa e se candidata, novamente, à chefia do Executivo. Em linhas gerais, Supremo Tribunal Federal, pacificando o assunto, definiu que, ainda que as cidades sejam distintas, o cargo é o mesmo, e, por isso, o prefeito não pode ser novamente candidato, o que impede o terceiro mandato (RE 637.485).
Demais disso, neste ano o TSE também debateu longamente se a rejeição das contas de campanha seria motivo para a perda da quitação eleitoral. Após uma posição inicial no sentido de ser a aprovação de ditas contas condição para o alcance da quitação, reviu o seu ponto de vista para acolher o entendimento de que a exigência legal é limitada à simples apresentação delas (Instrução 154264).
O tribunal, noutro julgado digno de realce, entendeu que é ilícita a gravação ambiente feita sem o conhecimento dos interlocutores. No caso, um eleitor teria gravado, clandestinamente, a oferta de dinheiro em troca de seu voto (Respe 34.426).
Na esfera administrativa, um evento marcante foi a celebração de convênio entre o TSE e a Advocacia-Geral da União para cobrar daqueles que deram causa à nulidade de eleições os custos decorrentes da renovação de pleitos.
A implementação do cadastro biométrico do eleitorado e a realização de eleições em algumas unidades federadas sob essa base cadastral segura contribuiu para que, nos locais onde ela se verificou, o índice de abstenção de eleitores tenha sido menor que a média nacional.
Com base na Lei 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação, o TSE passou a determinar que o nome dos doadores de campanha fosse informado ao público durante o processo eleitoral. Antes, a informação só era divulgada depois das eleições realizadas.
Preocupado com os efeitos dos custos das campanhas e das dificuldades de que as prestações de contas correspondam à realidade dos processos eleitorais, o TSE designou uma comissão de notáveis para estudar o assunto e elaborar uma proposta a ser encaminhada ao Congresso Nacional para aperfeiçoamento do sistema jurídico.
Expectativas
Retomando o que dito no começo deste texto: leis novas são bem-vindas, mas precisam vir acompanhadas de uma nova postura do eleitor. Essa é a utopia da vez.
A Lei das Inelegibilidades já foi aperfeiçoada. É preciso aperfeiçoar outras. Ditos melhoramentos, porém, ficam na dependência da aprovação da tão esperada “reforma política” (outra utopia?), que tem índole constitucional e está em trâmite no Congresso, sobrestando discussões que dela dependem. Ela é, por exemplo, pressuposto da concretização de uma proposta consistente para um novo Código Eleitoral. Embora haja uma em fase de estudos, com comissão designada pelo Senado Federal para tal propósito, para que o anteprojeto seja concluído, apresentado e apreciado pelo Legislativo, é recomendável que seja precedido da conclusão da discussão da “reforma política”. Sem a definição de limite de gastos eleitorais, da forma de financiamento das campanhas, se exclusivamente público ou se misto, da permanência ou não de coligações proporcionais, de votos em listas ou não, distritais ou não, a confecção de um diploma infraconstitucional da envergadura de um código fica comprometida, submetida à incerteza de pautar-se por premissas que poderão ser modificadas.
Insista-se, porém, na mensagem inicial: a lei pode muito, mas não pode tudo. É preciso esperar do eleitor a mudança de atitude que é própria da educação democrática. Ele é o soberano. E precisa se reconhecer responsável pelo que ocorre no país. Afinal, embora não seja completamente certo dizer que cada povo tem os representantes que merece, inapelavelmente, nas democracias, tem os que escolheu.
José Rollemberg Leite Neto é sócio do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados e membro da Comissão de Reforma do Código Eleitoral, do Senado.
Revista Consultor Jurídico
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