A FÁBULA DO MINUTO E MEIO
Era ele: Belial, Belzebu, Mastema,
Semihazah, Azazel, Satã, Satanás. Também conhecido como o Cão, o Tinhoso, o
Tisnado, o Coxo, o Rabudo.
O Discípulo olhou para o Mestre, em
busca de orientação. “Tenho um minuto e meio para vender”, repetiu a voz.
O Mestre considerou por um instante
a situação. Um minuto e meio era artigo precioso demais para ser rejeitado
assim sem mais nem menos. Além disso, se não o comprasse ele, outro o faria.
Na mochila em que preparava a ração
do Discípulo, ele já levava quase seis minutos. Com mais um e meio poderia
considerar-se um milionário de minutos. A medida de Deus, como se sabe, é a
eternidade. O Demônio, que é mais realista, aprendeu que em certas situações
mais vale seduzir com minutos.
O Mestre apaziguou o inquieto
Discípulo, “Não se preocupe. Venha comigo e faça sempre o que lhe disser.” O
Mestre tinha confiança desmedida em sua própria sabedoria e em suas intuições.
Esperto por esperto, pensou, não é um Rabudo qualquer que vai me passar a
perna.
Com o gesto, fazia-o seu. Indicava
que, tal qual o Mestre, também tinha reservas de ternura e zelo protetor a
oferecer. Ao invés do que ocorrera por detrás da árvore, fotos e filmes
registraram a cena. Se há uma coisa que o Demo aprecia é fazer as coisas ao
contrário. Desta vez, posou para as câmeras como se fosse um ente normal, com
quem não se teme fazer negócio às claras. Era isso que tinha em mente:
conseguiu-o.
O Mestre parecia constrangido, mas,
bem pesadas as coisas, consolava-o o minuto e meio que já tinha guardado na
mochila. Quem vai lembrar, quando chegar a hora de a onça beber água, que para
consegui-lo pagou um sobrepreço?
O Discípulo tinha a pulga atrás da orelha,
mas quem era ele para duvidar das estratégias e dos estratagemas do Mestre?
Esta fábula não tem moral. No
Oriente, onde se passa, costumam dizer que o que tem é imoral, ou amoral. São
muito escrupulosos por lá.
(Artigo publicado na edição
impressa de VEJA)
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Dag Vulpi