segunda-feira, 15 de abril de 2013

A nova face da história

Crânio descoberto na Europa muda a árvore genealógica do homem

Este pioneiro com 1,75 milhão de anos, exumado no ano passado nas ruínas da aldeia medieval de Dmanisi, na Geórgia, possuía um cérebro pequeno – bem menor do que se considerava necessário para que nossos antepassados realizassem uma migração intercontinental. E seus enormes caninos e sua testa estreita são simiescos demais para um hominídeo avançado, o grupo do qual somos descendentes. O crânio, assim como fósseis achados no local, levanta tantas questões que um cientista murmurou: “Seria melhor que voltassem a enterrá-lo”.


Essa frase anuncia uma mudança de paradigma e foi pronunciada por Philip Rightmire, da Universidade Binghamton, um especialista em fósseis do Homo erectus. Tal como a maioria dos paleantropólogos, Rightmire há muito considerava o Homo erectus como o migrante original – o primeiro hominídeo a sair da África. O novo crânio, desenterrado em uma aldeia medieval na Geórgia, porém, está abalando essa suposição, se não o próprio tronco da árvore genealógica humana. Agora é possível que o primeiro ser humano a emigrar da África não tenha sido um H. erectus, um ser de cérebro avantajado e capaz de fazer elaborados instrumentos de pedra. Talvez uma criatura mais primitiva – uma espécie de elo perdido entre o H. erectus e o primeiro membro do nosso gênero, o Homo habilis – tenha deixado a África antes. Todas as concepções de Rightmire seriam viradas de cabeça para baixo – e ele parece estar exultante com isso.

Nota-se o mesmo regozijo no líder da equipe que achou o crânio, David Lordkipanidze, um cientista georgiano e bolsista da National Geographic Society, enquanto prepara moldes do crânio e de uma mandíbula compatível na sede da NGS, em Washington, D.C. Crânios humanos tão antigos como esse são raros, ainda mais em condições tão boas. “Talvez este seja o crânio de hominídeo mais completo com essa idade”, diz Lordkipanidze. Quase todos os frágeis ossos da face foram preservados. E ainda restam muitos dentes, incluindo assustadores caninos.

Conhecido como “Dato”, Lordkipanidze é um paleantropólogo vinculado ao Museu Estatal da Geórgia, em Tbilisi. Na década de 1990, ele e seus colegas puseram o sítio arqueológico de Dmanisi, situado no topo de uma colina de onde se avista a antiga Rota da Seda, na lista das mais famosas jazidas de fósseis. Na época eles exumaram vários crânios sem rosto e sem mandíbulas – que pareciam ser do Homo erectus –, assim como milhares de instrumentos de pedra em meio a sedimentos com idade estimada entre 1,7 milhão e 1,8 milhão de anos, o mais antigo indício conclusivo de seres humanos fora da África. Essa datação surpreendeu a comunidade científica. No início da década de 90 a maioria dos cientistas achava que o Homo erectus só havia saído da África por volta de 1 milhão de anos atrás.

Então, em 2001, Dato foi avisado de que sua equipe em Dmanisi fizera mais uma descoberta. Ele correu para lá e quase caiu de costas quando viu o crânio ainda semi-enterrado. Em geral os fósseis de crânio estão  esmagados e quase irreconhecíveis; aquele parecia ter sido enterrado havia poucos anos. E não lembrava em nada o Homo erectus. O osso de sua testa era muito fino; o nariz, pequeno demais; e havia os grandes caninos. A cavidade cerebral era minúscula – menos de dois terços do tamanho da encontrada no H. erectus. Se as dimensões do cérebro servem para medir a inteligência, então esse hominídeo da Geórgia provavelmente tinha uma capacidade intelectual inferior à de um H. erectus típico.

Para Dato, o novo crânio tinha o rosto simiesco do Homo habilis, um pequeno hominídeo com braços longos e balouçantes, que fazia grosseiros instrumentos de pedra há 2,4 milhões de anos. As implicações disso são de tirar o fôlego. “Esses hominídeos são mais primitivos do que imaginávamos”, diz ele. “Estamos diante de um novo enigma.” É possível que o primeiro viajante humano intercontinental não tenha sido um Homo erectus?

Na África, o Homo erectus era uma criatura alta que dava passadas largas e possuía um cérebro grande. Já o Homo habilis tinha pernas curtas e braços longos. Os sítios africanos com ferramentas feitas pelo H. habilis indicam que a espécie só vivia perto de fontes permanentes de água. Ela não parecia disposta nem capaz de realizar longas migrações.

Isso torna mais intrigantes os instrumentos grosseiros achados Dmanisi. Há muito os cientistas estão convencidos de que os primeiros migrantes dispunham de elaborados instrumentos – machados de pedra e coisas assim –, como os africanos que remontam à época do Homo erectus. Os machados pequenos facilitariam aos primeiros seres humanos a matança de animais, permitindo-lhes subsistir com uma dieta mais rica em gorduras, desenvolver cérebro maior e corpo mais alto. Até agora, porém, os instrumentos achados em Dmanisi não passam de cortadores e raspadores, como os usados pelo H. habilis africano para arrancar pedaços de carcaça e extrair o tutano dos ossos. Talvez os primeiros migrantes comessem apenas carniça.

Mas e o cérebro reduzido do crânio de Dmanisi? É provável que ele leve a uma reavaliação do vínculo entre tamanho do cérebro e nível de inteligência. “Não há como supor que os primeiros georgianos tivessem um QI baixo”, diz Philip Rightmire. “Afinal completaram uma longa travessia.” Talvez, continua Rightmire, o tamanho do cérebro não seja tão importante quanto a proporção entre a matéria cinzenta e o resto do corpo. Ou seja, embora pequeno, o cérebro desses seres poderia ser mais eficiente.

Dato espera encontrar ainda ossos do esqueleto a que pertencia o crânio. Só então saberemos se essa criatura era parecida com o H. erectus, com o H. habilis ou com uma espécie intermediária (por enquanto, Dato considera os hominídeos de Dmanisi como H. erectus). De uma coisa, porém, podemos ter certeza: o achado em Dmanisi complica a maioria dos modelos nos quais o H. erectus usa seu cérebro maior para realizar a longa marcha até a Eurásia. Em Java e na China, o H. erectus era mais pesado e mais robusto do que na África. Além disso, o Erectus asiático não possuía machados pequenos. Assim é possível que o H. erectus tenha evoluído a partir dessa primitiva linhagem de Dmanisi em algum ponto da Ásia e depois retornado à África. Talvez tenham ocorrido várias migrações em ambas as direções.

Milford Wolpoff, da Universidade de Michigan, propõe que abandonemos por completo o conceito de H. erectus e consideremos tudo o que veio depois do H. habilis como Homo sapiens. A enorme diversidade dos espécimes em Dmanisi pode contribuir para essa revisão radical da genealogia do Homo.

Em Dmanisi foram exumadas partes de até seis indivíduos na mesma camada de rocha, entre elas uma enorme mandíbula, pertencente a um indivíduo bem maior que os outros. É possível, portanto, que ali existam várias espécies de hominídeo, mas Dato acha isso improvável – os fósseis estavam próximos uns dos outros, e não é comum encontrar espécies distintas de hominídeos no mesmo local. Se eles pertencem à mesma espécie, então a disparidade de tamanho tem outra explicação. Talvez a mandíbula grande pertença a um macho velho – e, como ocorre com os atuais gorilas, os machos de Dmanisi eram maiores que as fêmeas. Ou talvez nossos ancestrais apresentassem tamanhos tão variados quanto os dos atuais seres humanos. Afinal, jogadores de basquete e anões são membros da mesma espécie. Não é concebível que os nomes atribuídos aos vários tipos primitivos de Homo tenham afinal complicado demais nossa árvore genealógica?

É o tipo de questão que interessa a Dato. Ele também está contente por essa reavaliação crítica dos primeiros passos da humanidade ter começado ao mesmo tempo em que a Geórgia consolidava sua independência. “Dmanisi foi nosso primeiro grande projeto científico internacional. E tivemos sorte.”

Fonte: National Geographic Brasil

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