Por Rafael Baliardo*
O ano de 2012 foi sombrio para o Direito
Penal em geral e para o campo dos direitos fundamentais em particular. A
avaliação é de advogados criminalistas e estudiosos do sistema penal brasileiro
ao comentar o artigo publicado
pelo advogado Márcio Thomaz Bastos na revista Consultor Jurídico,
em que Bastos faz um “balanço crítico” das práticas penais neste ano no país. O
advogado alertou para o recuo dos direitos fundamentais em razão de “uma vaga
repressiva que embala a sociedade brasileira".
O artigo de Márcio Thomaz Bastos foi citado
pela Folha de S. Paulo desta quarta-feira (26/12). AFolha destacou
as observações do advogado quanto à prevalência do "sentimento de desprezo
pelos direitos e garantias fundamentais" frente à logica de facilitação
das condenações sob a justificativa de se fazer Justiça.
Para advogado criminalista Leônidas
Scholz, conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e membro
do Conselho de Prerrogativas da OAB-SP, o artigo publicado pela ConJur alerta
para uma tendência preocupante nas práticas penais no Brasil. “Com ponderação e
objetividade, o texto faz um alerta a respeito dessa inclinação para facilitar
condenações”, avalia Scholz. “Tendência essa confirmada pela Suprema Corte do
país. É grave”, lamenta.
O advogado Jair Jaloreto, especialista
em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, também admite que, em 2012, foi
consolidado o recuo de garantias fundamentais no campo da persecução penal.
“Entendo que principalmente no julgamento da Ação Penal 470 [o processo do
mensalão] houve uma relativização do princípio da presunção de inocência”,
avaliou. "E penso que alguns julgadores, não só no STF, mas também em
instâncias inferiores, se preocuparam demais com a opinião pública no
desempenho da persecução penal, o que é muito perigoso”, disse.
Jaloreto também observou a dificuldade da
opinião pública em diferenciar a figura do advogado da do seu cliente e de
entender que o direito à defesa é intocável. “Houve episódios em que ocorreu a
pré-condenação do advogado, como no caso do próprio Dr. Márcio Thomaz Bastos,
atacado por assumir a defesa do Carlinhos Cachoeira”, recordou Jaloreto.
O professor de Direito Penal da Faculdade
de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Filipe Schimidt
Fialdini disse que o ano de 2012, encabeçado pelas condenações do
julgamento do mensalão, foi marcado não só pelo enfraquecimento do direito de
defesa, mas de outros princípios caros às garantias fundamentais. “Foram
desconsiderados vários princípios, como a própria presunção de inocência e
mesmo a ideia de contraditório, além de ter se dado maior valor a provas
produzidas meramente em delegacias”, disse Fialdini.
“Foi um ano de populismos. Um ano em que se
enfraqueceu o princípio da presunção de inocência em favor da ideia de se punir
políticos e figurões. O Direito Penal, porém, não tem o papel de servir de
veículo para enfraquecer garantias individuais”, observou. “O Direito Penal não
serve para justificar atos de vingança, mas justamente também para assegurar os
direitos individuais. Infelizmente, as pessoas não se dão conta disso até serem
acusadas e julgadas. Não quero nem pensar como serão os próximos anos. Penso
naquele juiz de primeiro grau que já seguia nessa direção, agora então
endossado pelo Supremo Tribunal Federal, a situação ficou muito complicada”, disse
Fialdini.
Tendência global
“É um movimento mundial, não ocorre somente
no Brasil”, observa o advogado e professor Luiz Flávio Gomes sobre o
fenômeno do cerceamento do direito defesa em todo o mundo. Para Gomes, com o
aumento da violência em nível global e em razão do decorrente cenário de
complexidade em todo o mundo, que aumenta a sensação de insegurança e
incerteza, a opinião pública passou a ansiar por “respostas imediatas” que, não
raro, “atropelam as garantias fundamentais conquistadas pelo Estado de
Direito”.
“[O artigo] faz um balanço equilibrado
desse fenômeno. É feliz em sua síntese do preocupante quadro em que vivemos de
crecescente cerceamento do direito de defesa. Tome como exemplo a decisão da
Corte Europeia de Direitos Humanos, que reconheceu que, na França, advogados
são obrigados a delatar seus clientes caso suspeitem que ele estejam envolvidos
com lavagem de dinheiro”, lembrou o professor.
Gomes lança em janeiro lança o livro “Populismo
Penal Midiático”, pela editora Saraiva, que aborda justamente o cenário em que
“juízes cedem cada vez mais frente ao atropelo de direitos e garantias”.
“No julgamento do mensalão, que foi um
"telejulgamento, tivemos a figura do “telerrelator” e a do “telerrevisor”,
que falavam diretamente à opinião pública. E essa influência da mídia é com
frequência negativa”, avaliou. “O mundo jurídico tem que dar uma resposta a
esse fenômreno sob pena de assistirmos a um grave recuo dos direitos
fundamentais”, alertou. Gomes disse ainda que a tendência favorável às
condenações pode ser verificada no fenômeno do "aumento das penas",
muitas vezes discrepantes em relação ao crime julgado.
O artigo de Thomaz Bastos reconheceu que,
este ano, o Direito Penal sofreu um retrocesso no sentido das teses que
prevaleceram, na visão do advogado criminalista David Rechulski . “O
princípio constitucional do in dubio pro reo, que prevalece em qualquer
país civilizado, não pode ser relativizado ou fragilizado. Pois, à medida que
isso acontece, ocorre a quebra da segurança jurídica. A pena que atinge a um
inocente perturba de modo muito mais grave a ordem social do que a eventual
não-responsabilização de alguém que tenha potencialmente cometido um crime”,
disse Rechulski.
Para o advogado o princípio do in
dubio pro reu não pode ser posto em segundo plano nem mesmo em relação ao
“interesse da maioria”. “É um princípio sacrossanto do Direito Penal. Nada deve
se sobrepor a ele”, postulou.
Por Rafael Baliardo* é repórter
da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor
Jurídico
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