RESUMO:
Este artigo busca apreender o advento do conjunto de idéias
neoliberais, que acabaram por dominar o cenário político mundial,
principalmente a partir dos anos 90. Tentaremos entender quais foram os fatores
que contribuíram para o incrível alastramento desse pensamento político, que
tende a determinar em muitos aspectos o pensamento dos governantes da maioria
dos países, inclusive na área periférica do capitalismo, como é o caso do
Brasil.
Examinamos assim alguns dos elementos constitutivos desse processo.
Entre eles destacam-se a globalização e o prejuízo social que a hegemonia desse
pensamento acarreta aos países de terceiro mundo, tudo isso inserido numa
lógica da reprodução do capital e dos seus campos de acumulação.
TERMOS: Neoliberalismo, globalização, capitalismo. Neoliberalism,
globalization, capitalism.
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SUMMARY:
This search article apprehend the advent of the set of neoliberal
ideas, which finished for dominating the world political scenery, mostly from
years on 90. We will try to understand whats they were the factors that
contributed for the incredible spreading of this political thought, which tends
to determine in lots of aspects rulers thought of the majority of the
countries, inclusive in the peripheric area of the capitalism, as it is
Brazil's Case.
We examine some of
the constituent elements of this process. Among them they highlight for
globalization and the social prejudice that the hegemony of this thought
carries to the countries from third world, all this inserted in a logic of the
reproduction of the capital and of your accumulation field.
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Para se
começar a discutir o advento das idéias neoliberais, não podemos deixar de
observar a sua relação intrínseca com o capitalismo, e mais precisamente com o
capitalismo atual, na sua nova fase, a partir de meados da década de 70 do
século XX.
Poderíamos dizer, resumidamente, sobre
a questão da relação entre capitalismo e neoliberalismo, que este surge como um
ideário supostamente capaz de oxigenar as formas de acumulação daquele. É
sabido que o capital precisava enveredar por outros modos de acumulação
especialmente em função do esgotamento do modelo socialdemocrata em países da
Europa. Sendo assim, o capitalismo, como sistema de acumulação de capitais,
necessitava de novas formas de expansão que permitissem uma reconfiguração do
imperialismo.
Essa expansão do modelo capitalista se
alimentou de novas conjunturas mundiais, nos planos político, econômico e
social. É possível elencar alguns desses fatores preponderantes para a sua
difusão e a consequente instauração de seus novos moldes nos últimos anos. São
eles: a queda do Muro de Berlim em 1989, o fim da Guerra Fria, a desintegração
da União Soviética e o subsequente desmantelamento do modelo de socialismo
real, a formação de blocos econômicos regionais, grande desenvolvimento
tecnológico e industrial, notadamente nos setores de eletrônica e comunicação,
e finalmente a própria reorganização do capitalismo em sua nova forma atual, o
neoliberalismo.
Já que o capitalismo encontra na
ideologia neoliberal a sua nova ofensiva e a sua nova justificação de metas e
de “receituários”, faz-se necessário o entendimento de alguns aspectos que
contribuíram para esse empreendimento. Um dos fatores mais importantes foi o
advento do que se costuma chamar globalização, que nos traz vários elementos
para compreendermos a difusão dessa ideologia. Passamos, então, a fazer algumas
considerações sobre a globalização.
As ideias neoliberais encontram no
processo denominado de globalização terreno fértil para proliferarem e se
expandirem aos quatro cantos do mundo. A globalização é tida e havida como um
processo contemporâneo ancorado nas novas formas de tecnologia, na rapidez do
trânsito de informações, técnicas, produtos, padrões, estilos de vida e
ideologias.
A globalização, tal como entendida pela
maioria dos que a estudam, acaba por romper todas as barreiras (ou quase todas)
dos países, das cidades, dos continentes, estabelecendo, pelo menos em
princípio, padrões mundiais de consumo e de ideias. Esse processo tende a
desmantelar, ou a enfraquecer, em muitos casos os padrões locais, no sentido de
uma certa uniformidade e uma padronização.
Diga-se, uma padronização de consumo, de valores ocidentais baseados em
símbolos e produtos cada vez mais supérfluos e simplesmente adequados à lógica
do consumismo exacerbado.
A globalização é vista como um processo
que transcende o local e instaura o global, o mundial. E outro fator importante
desse novo processo mundial é a diminuição ou o encurtamento dos espaços e
também a diminuição do tempo para a execução de tarefas. Entretanto, devemos
nos perguntar a quem ou a quê este novo processo serve? Não podemos ter uma
visão unilateral dos fenômenos sócio-políticos, e também não queremos aqui
apontar somente pontos negativos do processo de globalização. Mas se fôssemos
responder a pergunta acima em uma palavra, diríamos que a chamada globalização
(e isso já estava implícito anteriormente), está intimamente ligada às formas
de reprodução do capital e com as formas imperialistas de dominação.
Embora, à primeira vista, a
globalização seja um processo contemporâneo, do capitalismo atual, não devemos
nos esquecer de que Marx e Engels já a descreviam brilhantemente no seu Manifesto do partido comunista.
Nesse pequeno livro, os autores tratavam de temas recorrentes do processo de
globalização, e, por vezes, ao lê-lo, chegamos a ter a impressão que estão
escrevendo nos dias de hoje. Para tanto, nada melhor que as próprias palavras
dos autores: “Impelida pela
necessidade de mercados sempre novos a burguesia invade todo o globo. Necessita
estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda
parte”.
E prosseguem:
“Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos
reacionários, ela retirou à indústria sua base nacional. As velhas indústrias
nacionais foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São suplantadas por
novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as
nações civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas
autóctones, mas sim matérias vindas das regiões mais distantes, e cujos
produtos se consomem não somente no próprio país mas em todas as partes do
globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais,
nascem novas necessidades, que reclamam para sua satisfação os produtos das
regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo
isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolvem-se um
intercâmbio universal, uma interdependência das nações. E isto se refere tanto
à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de
uma nação tornam-se propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo
nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas
nacionais e locais, nasce uma literatura universal (MARX e
ENGELS, s/d, p. 26).
Até parece que Marx e Engels estão
fazendo um diagnóstico da situação do mundo atual, e quando falam de
interdependência das nações, em expansão para além dos limites locais, em
rompimento de barreiras nacionais, em mercado mundial etc, estão nos adiantando
as principais características do processo de globalização vivenciado por nós
hoje, (não nos esqueçamos que o Manifesto foi escrito em meados do século XIX).
É claro que devemos considerar o atual
movimento de globalização em sua particularidade, visto que este decorre de uma
reconfiguração do domínio dos capitais na ordem mundial contemporânea, no
último quarto do século XX. É preciso levar em conta que, além da atual
revolução tecnológica (fator que é sempre levantado pelos defensores do
neoliberalismo como ponto positivo da globalização, e também outros fatores
como a competitividade, concorrência etc), assiste-se a um movimento de
concentração e internacionalização do capital, de regionalização do mundo em
blocos econômicos, (que se fortificam ainda mais economicamente, em detrimento
dos países da periferia do capitalismo, que se inserem nessa lógica de maneira
subalterna diante dos ditames imperialistas dos países ricos), de mudanças
importantes na estrutura da cadeia produtiva, de substituição de matérias-primas,
de reestruturação e racionalização empresarial, da propriedade intelectual e de
ataques às conquistas dos trabalhadores.
Como se não bastassem essas
transformações, somam-se também os índices de degradação ambiental que se
avolumam cada dia mais. Esse assunto, de suma importância, é enfocado num
artigo de Chesnais e Serfati, no qual esses autores sustentam que “é nos fundamentos das
relações de propriedade e de dominação capitalistas que se situam as origens de
sua relação com os recursos naturais e a biosfera. O capital não põe em perigo
suas próprias condições de reprodução e de funcionamento ao destruir ou
danificar gravemente o ambiente natural.” E
acrescentam: “Segundo nossa
compreensão, por essas destruições cada vez mais graves e, em alguns casos,
irreversíveis, o capital põe em perigo as condições de vida e a própria
existência de certas comunidades, e até mesmo de certos países. Mas ele não
coloca diretamente em perigo as condições de sua dominação”(CHESNAIS e
SERFATI, 2003, p. 62)
François Chesnais e Claude Serfati
destacam ainda mais que “o capital, bem como os Estados que embasam sua
dominação e as classes sociais que a ele estão ligadas, têm os meios tanto para
suportar as consequências dessa destruição de classes, comunidades e Estados
mais fracos, quanto para transformar a ‘gestão de recursos que se tornaram
raros’ e a ‘reparação das degradações’ em campos de acumulação (em ‘mercados’)” (CHESNAIS e SERFATI, 2003, p. 62).
Assim, o capitalismo, como sistema de
acumulação, não corre perigo ou muito menos se expõe ao risco de um colapso por
causa da questão ambiental que se coloca, visto que ele acaba por se aproveitar
dessa problemática para gerar novas perspectivas de acumulação. Ainda em
relação ao artigo citado, ressaltamos um último ponto importante para o
enfrentamento dos problemas ecológicos, que é a sublocação do lixo, da poluição
para os países pobres do “terceiro mundo”. Isso significa que, além dos países
capitalistas dominantes serem os maiores poluidores do mundo (como, por exemplo,
os Estados Unidos), eles acabam tendo a capacidade de despachar os principais
resíduos poluentes por eles produzidos para os países do “sul” do planeta.
Deixemos de lado, por ora, a discussão
da questão ambiental, embora acreditemos que ela é indispensável na composição
desse quadro sobre o processo contemporâneo de globalização. Discutiremos,
então, outros aspectos da globalização.
Gostaríamos de destacar as principais consequências
do modelo de globalização vigente para os países do “terceiro mundo”, segundo
Euclides André Mance, o qual arrola vinte e cinco efeitos desse processo,
dentre eles, destacamos alguns, que reputamos como essenciais para a
compreensão do nosso tema. São eles:
1) Incorporação de empresas de capital nacional por empresas
transnacionais em razão de não suportarem a concorrência, trazendo por consequência
a rápida desativação de várias unidades produtivas em razão destes grupos
transnacionais produzirem sob novos procedimentos organizativos e com
tecnologias mais avançadas;
2) Pressão de déficits na balança comercial em razão de
importação de tecnologias para a modernização do parque produtivo, bem como
degradação do valor dos produtos de exportação e, ainda, em razão dos
instrumentos de âncora cambial adotados com a finalidade de manter estabilidade
monetária e de não afastar capitais estrangeiros que atuam nos mercados de
títulos públicos;
3) As economias ficam dependentes dos fluxos de capital
internacional, sobre os quais não têm autonomia; os fluxos de capitais
voláteis, fictícios ou virtuais especulativos geram um clima de aparente
estabilidade econômica (que nada tem de duradoura), podendo gerar fortes crises
ao sinal seguro de alterações no câmbio ou na taxa de juros que lhes reduza a
rentabilidade;
4) Ampliação do montante das dívidas externa e interna em
razão de empréstimos feitos para equilibrar pagamentos e rolagem de títulos;
5) Transferência de poder, para o exterior, sobre
importantes decisões econômicas que envolvem investimentos e produção em amplos
segmentos econômicos, principalmente os setores mais modernos, que ficam
desnacionalizados em razão dos processos de privatizações;
6) Desemprego em massa, como resultado do processo de
modernização dos setores produtivos que se realiza com a finalidade de ampliar
os níveis de produtividade e competitividade das empresas nos mercados interno
e externo, introduzindo novas tecnologias e sistemas de gerenciamento;
7) Ampliação da informalidade e de práticas econômicas
consideradas contravenção, como contrabando, pirataria, narcotráfico,
prostituição, etc; (MANCE, 1998)
Ao citarmos essas sete consequências do
processo de globalização, no universo de muitas outras, podemos fazer uma ponte
imediata com a situação do Brasil, principalmente com o processo de inserção do
nosso país nos novos moldes do capitalismo internacional.
Esses novos padrões instaurados pela
globalização recente estão baseados em uma ideologia neoliberal, e no plano da
ação, se considerarmos tal fenômeno de maneira mais genérica, nas práticas de
desregulamentação, liberalização e privatização dos Estados. O neoliberalismo,
como parte integrante da ofensiva do capital, ataca conquistas dos
trabalhadores conseguidas historicamente em meio a muitas lutas, o que pode ser
avaliado como uma ação palpável, de natureza objetiva; mas comete também outro
dano avassalador, que é o ataque ideológico, o ataque à subjetividade do
trabalhador.
Quanto a essa questão da ofensiva do
capital, principalmente no plano ideológico, remeto à notável obra de Ricardo
Antunes, Os sentidos do
trabalho, em que ele discute justamente o advento de um conjunto de ideias
que atingem o trabalhador em sua essência subjetiva. Nas palavras do autor,
“Opondo-se ao contra poder que emergia das lutas sociais, o
capitalismo iniciou um processo de reorganização das suas formas de dominação
societal, não só procurando reorganizar em termos capitalistas o processo
produtivo, mas procurando gestar um processo de recuperação da hegemonia nas
mais diversas esferas da sociabilidade. Fez isso, por exemplo, no plano
ideológico, por meio do culto de um subjetivismo e
de um ideário fragmentador que faz apologia ao individualismo exacerbado contra
as formas de solidariedade e de atuação coletiva e social” (ANTUNES, 1999, p. 48).
Efetivamente, como diz Antunes, o
capitalismo em sua nova forma, o neoliberalismo, atacou o trabalhador no plano
das ideias, da subjetividade, buscando introjetar valores individualistas, que
têm por objetivo fragmentar, dividir os trabalhadores, para que eles diluam
cada dia mais sua revolta contra a opressão capitalista, perdendo, cada dia
mais e o mais possível, sua capacidade de organização e de luta.
Com o império do neoliberalismo várias
organizações sindicais aderiram ao seu receituário,
e consequentemente arrefeceram seu poder de luta. Segundo Edilson José
Gracilolli, esse receituário favoreceu, nos últimos anos, a crise do movimento
sindical, que se tornou visível pela “progressiva natureza defensiva das
lutas cotidianas dos trabalhadores”, do “significativo refluxo dos
projetos anticapitalistas” e a crescente integração dos sindicatos à ordem
do capital, quadro esse que se deu praticamente em âmbito global.
O neoliberalismo representa a retomada
do modelo liberal clássico aplicado ao capitalismo contemporâneo. Apesar do
conceito de liberalismo político apresentar dificuldade de ser descrito
exaustivamente, é relevante relembrar que, na ótica do liberalismo clássico, o
Estado não deveria intervir na sociedade senão para garantir os direitos à
propriedade do indivíduo, ou seja, prega-se um Estado que não se intrometa nas
relações entre os homens, notadamente nas relações econômicas.
Entretanto, nessa corrente de pensamento, admite-se, e mais do que isso,
exige-se, a intromissão estatal, pela mão da repressão, a fim de conter
conflitos que ponham sob ameaça a “ordem social”.
Sendo assim, o liberalismo dá
sustentação aos valores cultuados pelo capitalismo, servindo de referencial
teórico para as classes burguesas clamarem, historicamente, pela
não-interferência do Estado nas relações econômicas e nas relações entre
patrões e empregados. O que se prega na teoria liberal é justamente a ausência
de um Estado interventor para que, pretensamente, possa existir uma
livre-concorrência, uma livre disputa, um aumento da eficiência e até um preço
justo das mercadorias. O que se observa, na prática, é que os líderes políticos
adeptos desse pensamento atuam, na maioria das vezes, com o intuito de auxiliar
e colaborar acima de tudo com o capital, com as classes dominantes, relegando a
uma posição absolutamente secundária as classes trabalhadoras, que poucas vezes
se beneficiam dessas políticas liberais.
As ideias e práticas liberais acabam
quase sempre por beneficiar as classes dominantes, visto que, para o sistema
capitalista de produção, os direitos à liberdade, à igualdade e à propriedade
(e seria um tanto quanto jocoso falarmos aqui em propriedade das classes
trabalhadoras, para além da sua própria força de trabalho) têm a sua
universalidade circunscrita, em grande parte, às leis, ou seja, ao âmbito
formal.
Os ideais de democracia burgueses,
apesar de terem sido construídos ao longo da história através de muitas lutas e
revoluções, são ideais que hoje, mais e mais, servem bem no plano da retórica.
O ideal liberal-burguês-democrático incensa valores como igualdade e liberdade,
mas esses se tornam cada vez mais abstratos, devido à opressão sofrida pelas
classes trabalhadoras de boa parte do mundo, a falta de emprego, miséria,
violência etc, que estão conectadas ao funcionamento perverso do próprio
sistema capitalista de acumulação.
De toda forma, o neoliberalismo se
apresenta como uma retomada do liberalismo clássico e se constitui como uma
corrente teórica (e não só teórica, mas prática) que se disseminou
principalmente a partir das décadas de 80 e 90. É claro que essa nova
construção hegemônica do pensamento político mundial se baseou em obras de
teóricos que defendiam o “Estado mínimo”, o Estado como um agente que deveria
se recolher ao máximo, transferindo a tomada de decisões, de forma crescente,
para o plano privado e repassando serviços básicos estatais para as mãos de
empresas particulares, deixando assim a sociedade sob a égide da “eficiência” e
da “livre concorrência”.
Como exemplo de teórico que forneceu
embasamento para a ideologia neoliberal, destacaríamos aqui F.A. Hayek, autor
dos mais conhecidos entre os que professam esse credo. Hayek desempenhou papel
importante ao sair em defesa de um Estado reduzido e apontar as deficiências do
planejamento estatal. Ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1974 pela sua
obra mais conhecida, O caminho
da servidão, nela ele faz críticas ferrenhas, embebidas de ironia, ao
modelo de planificação socialista. Ao criticar esse modelo, Hayek defende os
critérios para uma sociedade baseada na livre concorrência e praticamente na
ausência do Estado como agente regulador da sociedade (HAYEK, 1990).
Milton Friedman, divulgador do
neoliberalismo e seguidor do pensamento de Hayek, também defende, em sua
principal obra, Capitalismo e liberdade, a redução do Estado perante a
sociedade. Igualmente vencedor do Prêmio Nobel de Economia, em 1976, Friedman
admite apenas que o Estado atue em setores que o mercado não pode fazer por si
só, ou seja, o Estado para ele deveria apenas funcionar como uma espécie de
árbitro e colocar as “regras do jogo”, com um mínimo de interferência possível,
principalmente no tocante à vida econômica.
Uma passagem da obra de Friedman
ilustra bem a concepção de Estado liberal dos sonhos do autor:
“Um governo que mantenha a lei e a ordem; defina os
direitos de propriedade; sirva de meio para a modificação dos direitos de
propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a
interpretação das regras; reforce contratos; promova a competição; forneça uma
estrutura monetária; se envolva em atividades com relação ao monopólio técnico
e evite os efeitos laterais considerados como suficientemente importantes para
justificar a intervenção do governo; suplemente a caridade privada e a família
na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano ou de um louco; - um
tal governo teria evidentemente, importantes funções a desempenhar” (FRIEDMAN, 1977, p.38).
No universo teórico proposto por ambos
os autores, o Estado cumpre economicamente a função de atuar em setores que não
interessam ao mercado, ficando responsável pela garantia de direitos mínimos,
abandonando a sociedade, quanto ao mais, em função de uma regulação gerida
pelos fatores econômicos de livre concorrência. A afirmação de Friedman,
segundo a qual “o liberal consistente não é um anarquista” (FRIEDMAN,
1977, p.38) é bem sugestiva, ou seja, o Estado, para os liberais não é de todo
ausente, pois deve atuar para garantir a “ordem”, a livre atuação do mercado e,
por último, mas não em último lugar, garantir a propriedade. Não é à toa que
Friedman e Hayek foram ganhadores do Prêmio Nobel de Economia!
Outra corrente teórica que se coloca na
discussão contemporânea é a do filósofo John Rawls, que por vezes é confundida
vulgarmente com uma teoria liberal. Rawls, em sua Teoria da justiça, aponta para uma teoria social baseada
no que ele chama de “justiça como equidade”. Ele procura, de fato, elaborar uma
teoria da sociedade, uma teoria da igualdade, algo mais amplo que simplesmente
uma teoria de governo ou uma teoria do poder.
Assim, para estabelecer o lugar de
Rawls no debate contemporâneo poderíamos fazer uma espécie de quadro
comparativo entre o seu pensamento e o de outras correntes em determinadas
épocas. Entre os aristocratas e os liberais dos séculos XVII e XVIII, Rawls
ficaria entre os liberais, entre os socialistas e os defensores da democracia
formal dos séculos XIX e XX, Rawls ficaria entre os socialistas; e atualmente,
entre os liberais conservadores e os progressistas, Rawls ficaria com os
progressistas.
Ele se situa justamente na ponta oposta
aos liberais conservadores como Hayek e Friedman, e defende uma teoria que
poderia ser chamada de liberal-igualitária, mais identificada com a atuação do
Estado em diversos setores da sociedade com o intuito de garantir à população
direitos básicos, baseados em princípios de uma “justiça como equidade”. Nesse
sentido, ao falar da teoria rawlsiana, definiríamos o seu pensamento mais como
da defesa de uma social-democracia eficiente, que minimizaria os efeitos do
capitalismo por meio da participação do Estado que buscasse assegurar garantias
democráticas e preceitos de igualdade.
Fechando este grande parêntesis sobre a
produção teórica de caráter neoliberal e a hegemonia ideológica do
neoliberalismo no contexto da reorganização do capital em face da situação
contemporânea, podemos elencar alguns fatores essenciais sobre as dimensões da
crise estrutural com que o capitalismo se deparava a partir da década de 70.
Sobre esse assunto nos remetemos mais uma vez a Ricardo Antunes, que discute os
fatores fundamentais que levaram ao declínio o modelo de acumulação capitalista
baseado nas técnicas de produção fordista/taylorista, até então dominantes.
Antunes considera que “após um longo
período de acumulação de capitais, que ocorreu durante o apogeu do fordismo e
da fase keynesiana, o capitalismo, a partir do início dos anos 70, começou a
dar sinal de um quadro crítico” (ANTUNES, 1999, p. 29) Sobre o modelo de
produção taylorista/fordista esse autor salienta:
“De maneira sintética, podemos indicar que o
binômio taylorismo/fordismo, expressão dominante do sistema produtivo e de
seu respectivo processo de trabalho, que vigorou na grande indústria, ao longo
praticamente de todo o século XX, sobretudo a partir da segunda década,
baseava-se na produção em massa de mercadorias, que se estruturava
a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada” (ANTUNES, 1999, p. 36).
Mais à frente ele chama a atenção para elementos importantes
desse modelo: “esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla da produção
em série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de
uma separação nítida entre elaboração e execução” (ANTUNES, 1999, p. 37).
Antes de continuar com Antunes, que na sequência
nos apresentará os traços mais evidentes do quadro da crise do capitalismo,
façamos aqui também um pequeno parêntesis para definirmos o que veio a ser o
modelo keynesiano e qual a sua relação com o capitalismo do século XX.
Sobre esse tema apresentamos aqui
alguns aspectos discutidos por Przeworski, para quem, até a década de 1930, os socialdemocratas
não dispunham de nenhuma política econômica própria. Segundo o autor, “a
única teoria econômica da Esquerda era aquela que criticava o capitalismo,
afirmava a superioridade do socialismo e conduzia a um programa de
nacionalização dos meios de produção.” (PRZEWORSKI, 1989, p. 52).
Przeworski considera que logo que os socialdemocratas
descobriram as ideias de Keynes, baseados principalmente na publicação de sua Teoria geral, eles acharam algo
de que precisavam urgentemente, “uma política econômica para a gestão de
economias capitalistas.” Daí considerar que a chamada revolução keynesiana
“forneceu aos socialdemocratas um objetivo e, com isso, a justificativa para
seu papel no governo, simultaneamente transformando o significado ideológico de
políticas distributivas que favoreciam a classe trabalhadora” (PRZEWORSKI, 1989, p. 52).
Esse autor ressalta ainda que
“Os socialdemocratas suecos descobriram que o desemprego
podia ser reduzido e a economia inteira revigorada se o Estado instaurasse
políticas anticíclicas, permitindo déficits para financiar obras públicas
produtivas durante as depressões e saldando as dívidas nos períodos de
expansão. A sociedade não estava à mercê dos caprichos do mercado capitalista,
a economia podia ser controlada e o bem-estar dos cidadãos continuamente
intensificado pelo papel ativo do Estado - essa era a nova descoberta dos socialdemocratas” (PRZEWORSKI, 1989, p. 53)
A partir das considerações desse autor,
podemos afirmar que o modelo keynesiano foi o modelo econômico adotado
historicamente pelos governos socialdemocratas, que em seu período de vigência
procurou minimizar os efeitos devastadores do capitalismo com políticas
compensatórias por parte de um Estado que se configurava como ativo no tangente
ao atendimento de necessidades básicas da população e na adoção de políticas
voltadas para o ideal do pleno emprego. A adoção das ideias keyneisanas levou,
portanto, os socialdemocratas a desenvolverem uma ideologia abrangente do
“Estado do bem-estar”, instaurando, por assim dizer, um projeto que, “na
verdade implicava um
compromisso fundamental com aqueles que ainda eram denunciados como
exploradores, mas era economicamente viável, socialmente benéfico e, talvez
mais importante, politicamente praticável sob as condições democráticas” (PRZEWORSKI, 1989, p. 55)
Depois de definirmos, em suas linhas
mais gerais, os aspectos principais do binômio fordismo/taylorismo e do modelo
keynesiano, termos recorrentes no assunto em pauta, retornemos à análise sobre
os traços de esgotamento do capitalismo atual desenvolvida por Antunes. O autor
enumera seis fatores:
“1) queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais,
pelo aumento do preço da força de trabalho, conquistado durante o período
pós-45 e pela intensificação das lutas sociais dos anos 60, que objetivavam o controle
social da produção. A conjugação desses elementos levou a uma redução dos
níveis de produtividade do capital, acentuando a tendência decrescente da taxa
de lucro;
2) o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de
produção (que em verdade era a expressão mais fenomênica da crise estrutural do
capital), dado pela incapacidade de responder à retração do consumo que se
acentuava. Na verdade, tratava-se de uma retração em resposta ao desemprego estrutural que
então se iniciava;
3) hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos capitais
produtivos, o que também já era expressão da própria crise estrutural do
capital e seu sistema de produção, colocando-se o capital financeiro como um
campo prioritário para a especulação, na nova fase do processo de internacionalização;
4) a maior concentração de capitais graças às fusões entre as
empresas monopolistas e oligopolistas;
5) a crise do welfare state ou
do "Estado do bem-estar social" e dos seus mecanismos de
funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade
de retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado;
6) incremento acentuado das
privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização
do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho, entre tantos outros
elementos contingentes que
exprimiam esse novo quadro crítico” (ANTUNES, 1999, p. 29).
Mais à frente Antunes acrescenta outros
elementos a respeito da crise estrutural do capital, ao citar Robert Brenner:
“o grande deslocamento do capital
para as finanças foi a consequência da incapacidade da economia real,
especialmente das indústrias de transformação, de proporcionar uma taxa de
lucro adequada. Assim, o surgimento de excesso de capacidade e de produção,
acarretando perda de lucratividade nas indústrias de transformação a partir do
final da década de 1960, foi
a raiz do crescimento acelerado do capital financeiro a partir do final da
década de 1970. (...) As raízes da estagnação e da crise atual estão na
compressão dos lucros do setor manufatureiro que se originou no excesso de
capacidade e de produção fabril, que era em si a expressão da acirrada
competição internacional” (ANTUNES,
1999, p. 30)
É a partir desse panorama que podemos
chegar a compreender o alcance da ideologia neoliberal como uma resposta do
capitalismo à sua própria crise estrutural, que se configurou como uma
alternativa político-ideológica às barreiras impostas pelo seu desenvolvimento
histórico devido ao seu próprio caráter contraditório, e que veio acompanhada
da privatização dos Estados, da flexibilização dos direitos do trabalho e
do desmonte do setor produtivo estatal.
A isso tudo somou-se também a
intensificação do “processo de reestruturação da produção e do trabalho com vistas a dotar o capital
do instrumento necessário para tentar repor os patamares de expansão
anteriores” (ANTUNES, 1999,
p. 30).Além desse fatores explicitados por Antunes, configurou-se no plano da
ação um encontro – o chamado Consenso de Washington - que visava determinar as
metas a serem cumpridas nesse novo contexto em que o capitalismo se meteu a
partir dos anos 70 e serviria para afinar ideologicamente o discurso que se
tornaria hegemônico.
Sendo assim, para entendermos bem o
significado do neoliberalismo não podemos deixar de falar um pouco sobre o
famoso “Consenso de Washington”, instrumento marcante para a difusão não
somente das ideias neoliberais, mas também das políticas a serem executadas
pelos governantes dos países periféricos que acataram esse modelo.
Tal “consenso” foi produto de um
encontro ocorrido no ano de 1988 entre economistas de diversos países, de
perfil liberal, funcionários do FMI (Fundo Monetário Internacional), BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento), Banco Mundial e do governo norte-americano.
Essa reunião visava avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da
América Latina. John Williamson, economista inglês e diretor do instituto promotor
do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os
participantes. Foi ele também que criou a expressão “Consenso de Washington”,
através da qual ficaram conhecidas as conclusões daquela reunião, resumidas nas
seguintes regras “universais”:
1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar
seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público;
2. Focalização dos gastos públicos em
educação, saúde e infraestrutura;
3. Reforma tributária que amplie a base
sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e
menor progressividade nos impostos diretos;
4. Liberalização financeira, com o fim
de restrições que impeçam instituições internacionais de atuar em igualdade com
as nacionais e o afastamento do Estado do setor;
5. Taxa de câmbio competitiva;
6. Liberalização do comércio exterior,
com redução das alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a
impulsionar a globalização da economia;
7. Eliminação de restrições ao capital
externo, permitindo investimento externo estrangeiro;
8. Privatização, com a venda de
empresas estatais;
9. Desregulação, com redução da
legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas;
10. propriedade intelectual” (NEGRÃO, 1998)
As conclusões do “consenso”, embora à
primeira vista tivessem apenas um valor de simples recomendação, acabaram
servindo de receituário imposto por agências de concessão de crédito
internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, a fim de que os países subdesenvolvidos
conseguissem empréstimos. Para tanto estes deveriam se adequar às regras
definidas pelo “consenso”. Como se sabe, essas agências internacionais estão
quase que tão-somente ligadas a países ricos e dominantes economicamente,
principalmente aos Estados Unidos.
O “Consenso de Washington” foi um dos
instrumentos de dominação dos países hegemônicos, com os Estados Unidos à
frente, para que países subdesenvolvidos como o Brasil pudessem se inserir nos
novos padrões do capitalismo contemporâneo, a famosa globalização da economia,
de maneira periférica, e para que se continuasse a garantir as formas de
dominação e exploração global convenientes ao imperialismo.
Caminhando para o fim deste trabalho,
vale a pena frisar, resumidamente, alguns pontos fundamentais pertinentes ao
tema debatido. Vimos que o cenário internacional do início dos anos 80/90 foi
marcado pela crescente hegemonia do ideário neoliberal como modelo de ajuste
estrutural das economias e pela reafirmação do domínio político e militar dos Estados
Unidos, com o fim da guerra fria e o colapso do chamado socialismo real do
Leste Europeu e na antiga URSS.
O modelo neoliberal vem dentro desse
contexto sendo adotado a partir dos anos 80, em países ocidentais que têm como
principal característica o afastamento do Estado em relação à gestão de
diversos setores da economia. Nesse contexto o neoliberalismo diferencia-se do
liberalismo clássico quanto à circulação internacional de bens e capitais e
também em relação à preocupação em se formar blocos econômicos, que, sob a
justificativa de maior facilidade na circulação da produção, cria verdadeiras
fortalezas protecionistas em torno das economias mais fortes.
Podemos considerar como inauguradores
do modelo neoliberal os governos de Margareth Tatcher, na Inglaterra, e Ronald
Reagan, nos Estados Unidos, no início dos anos 1980, quando ocorrem profundos
cortes de investimentos sociais, internamente, e percebe-se uma grande
preocupação com a formação de blocos econômicos que ajudem a suprimir gastos
com a circulação de produtos e capitais. No entanto, os setores estratégicos
das economias norte-americana e inglesa continuam apoiados em medidas
protecionistas.
Para que essas metas neoliberais fossem
ao menos em parte atingidas fez-se necessário que os organismos institucionais
ligados aos países hegemônicos realizassem o “Consenso de Washington”, que,
acabou por ditar políticas a governantes conservadores, de perfil liberal, com
o intuito de fazer as mudanças supostamente necessárias para se modificar o
papel do Estado frente à sociedade, sob o argumento de que elas seriam
imprescindíveis para a inserção de seus respectivos países no mundo
contemporâneo globalizado.
Essas idéias neoliberais estenderão sua
influência sobre a política interna brasileira, acima de tudo nos dois mandatos
do Governo FHC. Para tanto contarão não só as tendências globais, mas também os
diversos fatores internos que contribuíram para a mudança significativa da
relação entre Estado e sociedade no Brasil, especialmente na década de 90. Mas
esta é outra história que fica para uma outra vez.
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Acessado em julho 2003.