Cabul, Afeganistão — Um vídeo que mostra quatro fuzileiros navais dos Estados Unidos urinando nos corpos de três guerreiros mortos do talibã provocou fúria e condenações na quinta-feira no Afeganistão e em todo o mundo. Autoridades norte-americanas disseram temer que as imagens incitem sentimento antiamericano num momento delicado dos esforços de guerra.
O governo Obama está lutando para manter o presidente Hamid Karzai ao seu lado ao mesmo tempo em que cuidadosamente tenta abrir conversações com o talibã. Mas o vídeo demonstrando tal ato de desrespeito — um possível crime de guerra — provavelmente vai enfraquecer a posição norte-americana com ambos. O talibã e o presidente Karzai rapidamente usaram as imagens como prova da brutalidade norte-americana, uma mensagem com amplo apelo no Afeganistão, onde notícias sobre o vídeo estavam se espalhando vagarosamente na quinta-feira.
Autoridades militares sênior em Cabul e no Pentágono, que estavam avaliando o vídeo, confirmaram que ele é autêntico e identificaram pelo menos dois dos fuzileiros navais, que completaram seu serviço no Afeganistão durante o outono [no Hemisfério norte] antes de voltar para Camp Lejeune, na Carolina do Norte. As autoridades não divulgaram os nomes dos dois.
Mesmo antes que a autenticidade do vídeo fosse confirmada, expressões de ultraje e contrição do secretário de Defesa Leon E. Pannetta e da secretária de Estado Hillary Rodham Clinton e de outros autoridades não deixaram dúvidas de que todos consideravam o vídeo real.
Consciente do potencial do vídeo para enfraquecer a já frágil imagem dos Estados Unidos no Afeganistão, o sr. Panetta telefonou para o presidente Karzai para assegurar que uma investigação completa está em andamento para encontrar os responsáveis e puní-los. O sr. Panetta disse ao líder afegão que “a conduta retratada nas imagens é absolutamente deplorável e não reflete os valores que as tropas norte-americanas devem seguir sob juramento”, de acordo com George Little, um porta-voz do Pentágono.
O vídeo mostra quatro fuzileiros navais em seus distintos uniformes de camuflagem marrom urinando sobre três cadáveres — um coberto de sangue — que estão no chão diante deles. Os homens brincam uns com os outros, uma referência obscena é feita e um diz “tenha um bom dia, colega”.
O talibã disse inicialmente que as imagens não afetariam as negociações, se referindo ao vídeo como apenas mais prova do que o grupo enxerga como brutalidade e desrespeito contra afegãos por parte de norte-americanos. “Esta não é a primeira vez que vemos tal brutalidade”, um porta-voz do talibã, Zabihullah Mujahid, disse à Reuters.
Mas mais tarde, na quinta-feira, numa nota oficial enviada à mídia, o talibã não fez referência às conversações e enfatizou a brutalidade. “Nós condenamos fortemente o ato desumano de soldados norte-americanos selvagens e consideramos este ato em contradição com todas as normas humanas e éticas”, disse a nota.
O presidente Karzai adotou o mesmo tom — ele, também, descreveu o vídeo como “desumano” — afirmando em uma nota que ficou profundamente chocado pelas imagens. Pediu que os norte-americanos punissem severamente os que tiverem cometido crimes. “Este ato de soldados norte-americanos é simplesmente desumano e condenável nos termos mais fortes”, disse.
Autoridades norte-americanas reagiram com remorso durante toda a quinta-feira, numa tentativa de evitar as repercussões do vídeo. A coalizão liderada pelos Estados Unidos no Afeganistão e a Embaixada dos Estados Unidos em Cabul ofereceram condenações separadamente. As ações que aparecem no vídeo “parece que foram conduzidas por um pequeno grupo de indivíduos norte-americanos que já não estão no Afeganistão”, disse a coalizão em nota. O “comportamento desonra o sacrifício e os valores de todos os soldados que representam os cinquenta países da coalizão”.
A secretária Clinton, que um dia antes descreveu as tentativas do governo Obama de iniciar negociações com o talibã, expressou o que chamou de “decepção total”.
“É absolutamente inconsistente com os valores norte-americanos e com tudo o que se espera de nosso pessoal militar”, a sra. Clinton disse durante uma aparição com o ministro das Relações Exteriores da Argélia em Washington. Ela acrescentou que “qualquer pessoa, qualquer pessoa” que se envolveu ou que sabia sobre o incidente “deve responder por isso”.
O sr. Panetta disse em Washington que pediu aos Fuzileiros Navais e ao general John R. Allen, o oficial que lidera as forças de coalizão no Afeganistão, que investiguem imediatamente. “Vi as imagens e acho que descrevem um comportamento completamente deplorável”, o sr. Panetta disse em uma nota na quinta-feira. “Eu condeno nos termos mais fortes que seja possível condenar”.
O vídeo, postado em sites da internet como LiveLeak e YouTube, começou a ricochetear em sites internacionais na quarta-feira. Embora os militares não tenham dado detalhes adicionais sobre onde o vídeo foi feito ou quem foi o responsável por ele — ou quais as acusações que poderão ser feitas contra os responsáveis –, a maioria dos fuzileiros navais servindo no Afeganistão estão na província de Helmand, no sudoeste.
Se as condenações norte-americanas vão ou não reduzir o ódio dos afegãos, isso permanece incerto. As notícias se espalham lentamente no Afeganistão, onde aparelhos de TV e conexões de internet são raras. Mas para aqueles que viram o vídeo, as imagens parecem ter aprofundado o desgosto com os Estados Unidos, vistos amplamente como invasores depois de uma década de guerra.
“O talibã algumas vezes comete atos duros, mas era suficiente matá-los e não degradar ou humilhar os cadáveres”, disse Jawad, um estudante universitário em Cabul que só deu o primeiro nome.
Haji Ahmad Fareed, um ex-integrante do Parlamento, disse que as imagens confirmaram para eles que os Estados Unidos são adversários do islã e disse que a luta do talibã é “legítima”.
Os norte-americanos “nunca serão nossos amigos e nunca trarão a paz”, ele disse. “Eles urinaram no nosso sagrado Corão e agora eles urinam nos corpos de nossos muçulmanos”.
O sr. Fareed estava se referindo a uma notícia errônea da revista Newsweek de 2005, segundo a qual soldados norte-americanos baseados na prisão de Guantanamo Bay, em Cuba, tinham jogado o Corão num toalete. A notícia causou protestos e revoltas em várias partes do mundo muçulmano. Os piores foram no Afeganistão, onde pelo menos 17 pessoas foram mortas durante tumultos e as Nações Unidas e grupos de ajuda internacional sofreram ataques.
No ano passado, protestos irromperam depois que um Corão foi queimado numa igreja da Flórida, levando a várias mortes, inclusive de sete funcionários das Nações Unidas, quando uma multidão invadiu um escritório da ONU em Mazar-i-Sharif.
Autoridades norte-americanas no Afeganistão também lutam para conter a reação ao episódio em que um grupo de soldados norte-americanos, em 2010, matou por esporte três civis afegãos, num episódio que mexeu com a hierarquia militar e irritou o governo afegão. O acusado de liderar o bando, que patrulhava rodovias e pequenas vilas na região de Kandahar, foi condenado por três assassinatos por uma corte militar norte-americana em novembro.
As imagens, que se espalhavam na quinta-feira, também relembraram as chocantes imagens de abuso por parte de soldados norte-americanos na prisão de Abu Ghraib, em 2004.
As ações dos fuzileiros navais que aparecem no vídeo podem ser uma violação da Convenção de Genebra, que proíbe vilipendiar os corpos dos mortos em guerra.
Embora as imagens tenham dominado as notícias no Afeganistão na quinta-feira, a aparente campanha de assassinatos do talibã continuou, quando um suicida usou um carro-bomba para matar o governador de um distrito chave da província sulista de Kandahar.
Said Fazluddin Agha, o governador do distrito, estava indo para casa depois do trabalho em seu carro blindado, quando foi atingido por um Suzuki lotado de explosivos, disse Zalmai Ayoubi, um porta-voz do governador de Kandahar. Os dois filhos dele também foram mortos e nove policias e um civil ficaram feridos. O sr. Agha tinha sobrevivido a uma tentativa anterior de assassinato, dois anos antes, quando os explosivos eram carregados por uma mula.
Reporting was contributed by Elisabeth Bumiller and John H. Cushman Jr. in Washington, Sangar Rahimi, Sharifullah Sahak and Jawad Sukhanyar in Kabul, an employee of The New York Times in Kandahar, and J. David Goodman in New York.
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