“Com o tempo,
Marina Silva mergulhará cada vez mais fundo no direitismo e seus valores, nos
quais o ódio e a vingança são as máximas expressões. É uma triste caricatura,
não apenas do que foi no passado, mas daquilo que podia ter sido”
Por ALESSANDRO MELCHIOR no congresso em foco
Uma boa
maneira de entender uma pessoa não é por suas atitudes passadas, elas demarcam
um perfil condicionado também pelo contexto. Melhor é tentar equacionar essas
referências anteriores com as atitudes hodiernas, os novos círculos, os novos
caminhos.
Nesse sentido,
a Marina Silva que afirmou lutar contra o chavismo no PT não é a Marina Silva
garota pobre do interior do Acre, amiga de Chico Mendes. Definitivamente, não.
Trata-se de uma pessoa forjada por outras trajetórias. É como quando nos
lembramos de anos anteriores como outra vida.
Essa é a
Marina Silva que vem trilhando o caminho do rancor, do mundo onde não existem
sociedades, apenas indivíduos. Indivíduos com seus sentimentos e instintos mais
primitivos. Ao contrário da evolução, é uma adaptação. Como criacionista, ela
não percebe a triste ironia.
Marina Silva
saiu do PT em 2009. Um ano antes havia pedido demissão do Ministério do Meio
Ambiente. Caiu não por grandes embates ideológicos. Nunca teve estatura
política para isso. Nem pelos tímidos (pra ser generoso) resultados de sua
gestão (como a elevação do desmatamento, por exemplo). A decisão foi tomada
após uma crise sobre a piracema de bagres nas águas do Rio Madeira.
O elemento
central de sua saída deveria ter servido de sinal de seus novos caminhos e
aliados. Muitos, no entanto, preferiram acreditar que ela poderia seguir outra
trajetória. Continuou pouco mais de um ano no Partido dos Trabalhadores. Tinha
possibilidade de disputar as prévias internas. Ganhando ou perdendo, teria
fortalecido sua trajetória ligada aos movimentos e princípios de esquerda. O
individualismo não está entre eles. Por isso mesmo se sentiu mais confortável
entrando em uma barriga de aluguel, o Partido Verde (PV), que lhe garantiu uma
legenda para o pleito do ano seguinte.
Jogou por
terra toda e qualquer coerência, seja com sua história, ou com seu discurso na
época. O PV é tão ambientalista quanto o PSDB é social-democrata. Perdoem a
ironia.
Marina cumpriu
em 2010 o papel desempenhado por Heloisa Helena em 2006. A também ex-senadora
foi na ocasião inflada pela direita midiática, mais competente que seus
partidos, como alavanca ao segundo turno. Cumprido seu papel no jogo, foi
devolvida pela imprensa ao interior de Alagoas. E lá permanece, em um
irrelevante e isolado mandato na Câmara Municipal de Maceió.
Ao final das
eleições de 2010, com seu saldo de 20 milhões de votos, formados por um misto
de moralismo de classe média antiesquerda, por conservadores de diversos
matizes e sonháticos que não precisam de outra definição além do termo, Marina
tomou uma decisão fundamental na sua nova trajetória. Declarou neutralidade
entre um projeto que sempre combateu e aquele de que fez parte até há pouco
tempo.
Fique
registrado que Marina nunca apresentou posições divergentes à linha geral do
governo Lula durante os anos em que permaneceu na Esplanada. O governo Lula foi
marcado por uma elevada democracia interna, ministros falavam, davam
entrevistas, a Esplanada tinha uma vida política e ideológica ativa. Tinha.
Marina nunca surpreendeu com qualquer idéia relevante, mesmo naquela época.
Saiu,
portanto, trilhando o caminho do rancor. Jogava na vala comum da sua
neutralidade seus anos de dedicação àquele projeto e sua história de combate ao
neoliberalismo representado pelo PSDB e pela pior direita que a ele tem se
agregado.
Nada mais
próximo a um direitista do que um ex-comunista, nos diz a história. E nada
pior. O Brasil é claro, está cheio deles. Fernando Gabeira, Ferreira Goulart,
Roberto Freire, José Serra, Cândido Vaccarezza… Marina, ao contrário dos que
citei, já vinha com um pacote bem mais completo. Nunca se reconheceu como não
branca. Em seu discurso esse elemento nunca se fez presente. Não é algo irrelevante.
A conversão
para a ideologia neoliberal que viria depois já encontrava também um terreno
fértil no conservadorismo moral que era exibido com mais ênfase após sua saída
do PT com suas – poucas – amarras regimentais e programáticas. O criacionismo
em toda sua mediocridade teórica ganhou força. Nesse diapasão, o endurecimento
de suas posições sobre aborto, direitos civis de homossexuais.
Anos depois
Marina veio a público defender o deputado racista e homofóbico Marco
Feliciano, questionando a relação entre as críticas a ele dirigidas
e a confissão religiosa do pastor-parlamentar. Nada tão cotidiano na vida dos
sem idéias do que o foco central nas pessoas e suas relações.
Nessa
conversão, Marina foi realmente adotada no seio da Casa Grande. Dos jatinhos
particulares e sua aproximação com a Natura na campanha de 2010, Marina passou
a frequentar os salões de Neca Setúbal, herdeira do Itaú. A mesma que abriga um
partido clandestino à direita do PSDB, dirigido por um de seus quadros.
Na hipocrisia
de Marina e seus sonháticos, a crítica às fontes de financiamento dos partidos
tradicionais encontra ressalva na relação com os bancos, grandes aliados e
sustentáculos do desenvolvimento sustentável (sic). Peço aos amigos
leitores que encontrem um intelectual com densidade que possa provar que as
indústrias de tabaco ou de armas provocaram menos males à humanidade do que o
sistema bancário. Mas no grupo de Marina não há intelectuais, mesmo usando a
profundidade de um pires como critério de corte.
Agora, Marina
nos surpreende após sua tentativa inócua de criar um partido. Algo feito sem
muitas dificuldades por um ex-vereador desconhecido do Entorno do Distrito
Federal e pelo bastião da ética paulista, o deputado Paulo Pereira da Silva.
Surpreende não apenas por sua pressão antidemocrática e antirrepublicana ao
Tribunal Superior Eleitoral para validar um partido sem apoio popular e sem
requisitos legais. Marina defendeu que o TSE cometesse um crime eleitoral. Ao
seu individualismo, alia-se um autoritarismo que faz mal à República.
Mas Marina
surpreende pela decisão e pela motivação recente de se filiar ao PSB de Eduardo
Campos. À necessidade de ser a estrela do espetáculo, Marina sobrepôs seu
rancor e desejo de vingança. Declarou a aliados que sua briga é “contra o PT e
o chavismo que se instalou no Brasil”. Dispensável registrar aqui a tolice
representada por tal raciocínio, que não encontra qualquer respaldo na
realidade. Infelizmente.
Marina Silva
pode ser vice na chapa de Eduardo Campos. Poderá ainda ser candidata a
presidente pelo PSB. De suas bandeiras, pouco restará além da mesquinharia
expressa nesse pensamento. Grandes idéias? Nunca as apresentou, dificilmente o
faria agora. Não se enganem, o horizonte mostra apenas continuidade. Com o
tempo, Marina Silva mergulhará cada vez mais fundo no direitismo e seus
valores, nos quais o ódio e a vingança são as máximas expressões. É uma triste
caricatura, não apenas do que foi no passado, mas daquilo que podia ter sido.
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