Por Dag Vulpi em 11/04/2018
Até
poucos anos atrás foro privilegiado era uma expressão praticamente desconhecida
pela maior parte da população brasileira, no entanto, a operação Lava Jato, suas
investigações, julgamentos e reviravoltas em casos de corrupção, colocaram o
termo em voga.
A
ideia de foro privilegiado continua sendo discutida e questionada à medida que
mais e mais pessoas tomam conhecimento a seu respeito. O que não é sempre
esclarecido, no entanto, é o verdadeiro significado, o propósito e quais as
explicações para a existência deste cenário.
É
cada vez mais comum ouvir o senso comum de que o foro privilegiado nada mais é
do que uma forma de proteger pessoas privilegiadas no poder público. Embora
seja, em alguma medida, verdade, a realidade não é tão simples assim.
Mas afinal, o que é o foro
privilegiado?
O
nome tecnicamente correto é “foro especial por prerrogativa de função”.
Ele
é um mecanismo pelo qual se altera a competência penal sobre ações contra
certas autoridades públicas. Em outras palavras, isso quer dizer que quando um
indivíduo que exerce certa função social relevante comete um crime, ele deverá
ser julgado por tribunais que correspondam a aquela função . Ou seja, uma ação
penal contra uma autoridade pública é julgada por tribunais superiores,
diferentemente de um cidadão comum, julgado pela justiça comum (isso está
estabelecido no artigo 102 da Constituição).
A
ideia é que apenas estes tribunais correspondentes voltados para a hierarquia e
relevâncias das funções exercidas por certos cargos possuem a capacidade e o
acesso necessário para compreender as situações às quais estão submetidas. Determina-se,
assim, o foro necessário com instância correspondente ao nível hierárquico
deste cargo.
Mas isso não contraria o
princípio da igualdade?
Pode-se
dizer que sim. Não há como negar que o foro privilegiado é uma quebra do
princípio de que todos são iguais perante a lei e que, portanto, estão
submetidos a ela da mesma forma. Por que, então, foi criado o foro por
prerrogativa de função? A justificativa é a necessidade de se proteger o
exercício da função ou do mandato público. Como é de interesse público que
ninguém seja perseguido pela justiça por estar em determinada função pública,
então considera-se melhor que algumas autoridades sejam julgadas pelos órgãos
superiores da justiça, tidos como mais independentes.
É
importante ressaltar também que o foro protege a função, e não a pessoa.
Justamente por essa lógica, qualquer autoridade pública deixa de ter direito a
foro especial assim que deixa sua função pública (ex-deputados não possuem foro
especial, por exemplo).
Quem tem foro privilegiado?
A
justiça brasileira é dotada de quatro instâncias, sendo o Supremo Tribunal
Federal a mais alta delas. A primeira instância é a chamada justiça comum, onde
os cidadãos são normalmente julgados por juízes. A segunda instância é aquela
às quais prefeitos e juízes possuem acesso em seu foro por prerrogativa de
função. São casos julgados por desembargadores.
No
Superior Tribunal de Justiça ocorre o que se chama de “terceira instância”,
foro correspondente à função de governadores, por exemplo.
Já
os cargos públicos de presidentes (e seus vices), deputados federais, senadores
e ministros possuem são prerrogativa da última instância, o STF, não podendo
ser julgados em justiças inferiores enquanto exercem tais cargos.
O passo a passo de processos
contra políticos
1 – Suspeito: Quando um crime é descoberto,
os procuradores selecionam os suspeitos, que serão incluídos em inquéritos para
serem investigados.
2 – Inquérito: O inquérito sempre é
requisitado pelo Procurador-Geral da República. São pedidas as diligências, que
são as formas de investigação contra o suspeito (busca e apreensão, quebra de
sigilo bancário, ouvir testemunhas, etc.). O ministro do STF que relata o
processo aceita os termos e abre-se o inquérito. Aqui, o suspeito torna-se
investigado. Obs. Em caso de perda
de foro por prerrogativa de função, toda a investigação já autorizada desce à
instância competente com todas as provas colhidas.
3 – Denúncia: Ao juntar todas as provas
previstas pelas diligências, o PGR redige uma denúncia e envia ao Supremo. Não
há prazo definido, já que é necessário juntar evidências claras de participação
de um indivíduo ou grupo no crime descrito.
4 – Réu: A denúncia é apreciada pelo
colegiado (em uma das turmas) e, se aceito como plausível, a denúncia passa a
ser chamada ação penal e o suspeito vira réu.
5 – Julgamento: A ação é julgada por uma das
turmas ou, dependendo da gravidade do caso, pelo pleno dos ministros. Mesmo que
arquivado, caso sejam encontrados novas evidências, o processo pode ser
reaberto.
Como o foro privilegiado
interfere na Operação Lava Jato e outras investigações policiais?
Como
casos de foro privilegiado são julgados diretamente em instâncias superiores, a
investigação deve ser supervisionada pela Procuradoria-Geral da República, que,
com base em dados levantados pela Polícia Federal, analisa os casos e decide
apresentar uma denúncia formal ao Supremo Tribunal Federal. Apresentada a
denúncia, os ministros do STF decidem pela abertura de uma ação
penal. Trata-se de um processo considerado lento e ineficaz, aumentando
as chances de impunidade.
Ter foro privilegiado é uma
vantagem?
Não
necessariamente. Tudo se trata de uma questão de equidade. O foro por
prerrogativa de função busca manter um equilíbrio em relação à justiça e aquele
que está submetido a ela. É mais provável imaginar que um ministro do STF seja
menos influenciado pelo fato de estar julgando um presidente da república, do
que um juiz de primeira instância. É uma forma de garantir a independência do
Judiciário em relação a outros poderes.
A
grande vantagem do foro privilegiado, nesta situação, é o fato de não haver
prisão preventiva ou temporária na modalidade. O indivíduo só pode ser preso em
casos de condenação final, ou em flagrantes de crimes inafiançáveis. Em
outras situações, não será preso em caráter provisório.
A
grande desvantagem, por outro lado, é que a existência de um foro privilegiado
significa menos instâncias superiores para recorrer. Um cidadão comum, a
depender do caso, pode recorrer de decisões até a última instância. Um ministro
que já começa seu julgamento na última instância, por outro lado, não terá como
recorrer após a sentença do STF. Isso faz com que ele tenha uma defesa que é,
em certa medida, menos ampla e deliberada ao longo do processo.