A turma que vive de rendas nem disfarça mais.
Por uma diferença de 0,09% no índice de inflação, começou o que pode ser a
batalha final para o Banco Central interromper uma política de juros baixos.
Claro que ninguém pode ter um ponto de vista
fanático e achar que os juros nunca podem subir. Altas podem ser necessárias,
em situações extremas.
Mas é preciso avaliar a situação real.
Um primeiro aviso aos navegantes: quanto vale
0,09% em alguma coisa?
Economistas sérios sabem que todo dado de
0,0alguma coisa é, em si, irrelevante. Não é sinal de nada. O problema é a
tendência.
Este é o verdadeiro aviso aos navegantes: a inflação tem uma tendência de queda. O índice de 6,59% de março é a soma de 12 meses. Mas, em março, a inflação foi menor que a de fevereiro. (Os números são 0,47% contra 0,60%, respectivamente). Outro dado. Os alimentos, responsáveis pelas altas recentes – sem eles, a inflação não passaria de 4,5% -- estão em queda.
Leia o que diz a nota analítica do
Bradesco, hoje, após os números do IBGE:
"O movimento de descompressão do grupo
alimentação deve se manter nos próximos meses. Na mesma direção, os preços de
vestuário recuaram de uma alta de 0,55% em fevereiro para 0,15% em março. No
sentido contrário, houve elevação de 0,51% do grupo habitação, sucedendo a
queda de 2,38% dos preços em fevereiro, por conta da dissipação do reajuste de
energia elétrica. Os núcleos mostraram aceleração em 12 meses, ainda que, na
margem, tenham desacelerado em relação ao mês anterior. O índice de difusão registrou
recuo de 72,33% para 69,04% no último mês, devolvendo a alta observada em
fevereiro. Os serviços vieram em linha com o esperado, registrando alta de
0,26% entre fevereiro e março, levando o crescimento acumulado em doze meses de
8,66% para 8,37%. Para o ano de 2013, continuamos com a expectativa de alta de
5,4% do IPCA."
Ou seja. Para o Bradesco, o IPCA chegará
abaixo da meta no fim do ano.
Porque não há um debate técnico sobre o assunto, como seria tão agradável
acreditar. Há uma disputa política por renda -- que pode se transformar num
drible contra o governo Dilma.
Derrotados em agosto de 2011, quando o Banco Central jogou os juros para baixo,
nossos rentistas não se conformam. Possuem um exercito de analistas e
consultores em militância permanente para a reabertura do cassino financeiro.
Não é preciso um aumento grande. Basta um movimento na direção aguardada.
O impacto negativo será imenso e prolongado.
Não se manipula com espectativas bilionárias impunemente, como num jogo de
video game.
O problema é que imenso capital improdutivo brasileiro, aquele que é tão
poderoso que tem tantas faces invisíveis -- muitas só são reconhecidas quando
autoridades aceitam bons empregos ao deixar o governo -- não sabe viver
de outra forma. Desfalcado de uma imensa receita assegurada no mercado
financeiro, prepara a revanche.
Está conseguindo colocar a inflação como ponto essencial da agenda. Quando isso
acontece, o cidadão já sabe. A “defesa da moeda” é a senha cívica para menos
empregos, menos crescimento, menos crédito e menos consumo.
Do ponto de vista político, é uma armadilha para Dilma, que dentro de um ano e
meio enfrentará as urnas onde vai buscar a reeleição.
Do ponto de vista da sociedade brasileira, é um retrocesso a um modelo
concentrador de renda.
Do ponto de vista econômico, é um erro trágico e bisonho, que tem um
antecedente mortífero.
Em novembro de 2011, o BC brasileiro cedeu às pressões do rentismo e deu um
salto para cima nos juros – jogando a economia, já em declínio em relação ao
ano anterior, num mar de incertezas e desconfiança. Erro semelhante, no
final de 2008, criou amarras desnecessárias no esforço para livrar o país da
catástrofe que se iniciou em 2008. O país recuperou-se em 2010, mas pagou um
sofrimento que poderia ter sido evitado.
Ao explicar o colapso europeu dos últimos
anos, o Premio Nobel Paul Krugmann vai direto ao ponto. Lembra que o
Velho Mundo paga a conta de um Banco Central que fechava os olhos para o
crescimento e tinha uma visão obsessiva pela redução da inflação. O resultado
foi transformar a Europa num grande cemitério de empregos e esperanças.
Não vamos nos enganar. O debate de 0,09% é
político. (Agradeço aos leitores que alertaram para um erro na primeira versão
deste texto).
Via Blog do Miro
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