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terça-feira, 27 de outubro de 2015

Desvalorização do real puxou inflação dos industrializados em setembro, diz IBGE

A desvalorização do real ante o dólar em setembro foi o principal motivo para a alta da inflação dos produtos na saída das fábricas, medida pelo Índice de Preços ao Produtor (IPP), que chegou a 3,03% no mês. Segundo dados do Banco Central, o dólar chegou a R$ 4,19 no dia 24 de setembro, ou seja, 15% maior do que o valor de R$ 3,64 de 31 de agosto.

“Isso tem um efeito sobre vários setores, não só de preços de produtos que a gente exporta, como de matérias primas que a gente importa, que vêm mais caras e, portanto, aumentam  os nossos custos e os nossos produtos”, disse o pesquisador do IBGE Alexandre Brandão.

Segundo ele, as maiores altas de preços foram concentradas nos segmentos dos alimentos, que tiveram inflação de 5,48%, e outros produtos químicos (3,41%). Outros setores que tiveram aumento de preços foram as indústrias extrativas (12,5%) e outros equipamentos de transporte (7,95%).

sexta-feira, 6 de março de 2015

Inflação oficial alcança 1,22% em fevereiro

Nielmar de Oliveira - Repórter da Agência Brasil

O IPCA é o índice oficial de inflação utilizado pelo governo e serve de referência para o plano de metas - Agencia Brasil

A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do mês de fevereiro alcançou 1,22%, resultado próximo ao de 1,24% de janeiro. Considerando os dois primeiros meses do ano, o índice situa-se em 2,48%, acima do percentual de 1,24% registrado em igual período de 2014. O IPCA é o índice oficial de inflação utilizado pelo governo e serve de referência para o plano de metas fixado pelo Banco Central.

O IPCA mede a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo, referentes ao consumo pessoal das famílias, com rendimentos de 1 a 40 salários-mínimos, independentemente da fonte de rendimentos. O IPCA é usado pelo Banco Central como medidor oficial da inflação do país. O IPCA serve portanto como referência para verificar se a meta estabelecida para a inflação está sendo cumprida.

Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica. Indicam que - nos últimos doze meses - a taxa chegou a 7,70%, a mais elevada desde maio de 2005, quando atingiu 8,05%. Em fevereiro de 2014, o IPCA ficou em 0,69%.

No mês o destaque individual foi a gasolina, cujos preços subiram 8,42%. Refletindo aumento nas alíquotas do PIS/Cofins, que entrou em vigor em 1º de fevereiro, a gasolina exerceu um impacto de 0,31 ponto percentual no IPCA do mês, sendo responsável, sozinha, por um quarto do IPCA, ou seja, 25,41%. Sob esta pressão, os gastos com transportes subiram 2,20%, grupo que apresentou o mais elevado impacto no mês: 0,41 pontos percetuais.

Ainda no grupo transportes, houve aumento também nas alíquotas do PIS/Cofins para o óleo diesel, que apresentou alta de 5,32%. Já os preços do etanol subiram 7,19%. Além dos combustíveis (7,95%), outros gastos importantes com transportes também apresentaram elevação: trem (3,10%), automóvel novo (2,88%), ônibus urbano (2,73%), metrô (2,67%), ônibus intermunicipal (1,68%), táxi (1,21%) e conserto de automóvel (1,20%).

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Depois de sustos ao longo do Plano Real, dívida pública está sob controle

O que faz uma pessoa física que precisa honrar compromissos urgentes, mas não tem recursos? Pega dinheiro emprestado e se endivida com juros. Com o governo, o processo é parecido, porém mais complexo. O Tesouro Nacional emite títulos e se compromete a devolver o dinheiro com alguma correção anos mais tarde, aumentando a dívida pública.

Responsável por provocar momentos de susto nas contas públicas brasileiras nos 20 anos de Plano Real, a dívida pública está sob controle nos últimos anos. Depois de ter disparado nas crises cambiais de 1998 e 2002, o endividamento do governo caiu na última década, beneficiado pela melhoria no perfil e pelo fato de o país ter passado de devedor a credor externo.

dívida pública

Nos primeiros anos após a criação do Plano Real, o Brasil tinha a maior parte da dívida interna atrelada ao câmbio e aos juros básicos da economia. Segundo o professor Francisco Lopreato, da Universidade de Campinas (Unicamp), especialista em política fiscal, entre 1999 e 2002, cerca de 95% da dívida mobiliária – em títulos – interna estavam corrigidos pelos juros básicos (60%) e pelo dólar (35%).
Esse tipo de composição foi fatal para o Brasil nas crises da Ásia, da Rússia e de 2002. A disparada do dólar multiplicou a dívida em reais atrelada ao câmbio. Para tentar segurar a cotação e atrair capitais estrangeiros, o Banco Central teve de aumentar os juros, o que impactou os títulos vinculados à taxa Selic – juros básicos da economia.

O efeito sobre as contas públicas foi perverso. Em 2002, a dívida líquida do setor público, que considera tudo o que o setor público tem a pagar e a receber, chegou a saltar para 60% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país). “Foi a pior combinação pela qual o Brasil poderia passar naquele momento. A ancoragem do dólar forçou o aumento dos juros e aumentou o endividamento do país”, recorda Carlos Eduardo Freitas, diretor do Banco Central por duas vezes, entre 1985 e 1988 e de 1999 a 2003.

Segundo Freitas, também contribuiu para a alta da dívida pública na primeira fase do Plano Real o reconhecimento, pelo governo federal, de esqueletos econômicos, débitos resultantes de planos econômicos antigos. Além disso, a renegociação das dívidas dos estados e o Proer, programa de ajuda aos bancos que quebraram após o Plano Real, impulsionaram o endividamento federal.

Atualmente, apenas 10% da dívida estão atrelados aos juros; e 10%, ao câmbio, considerando as vendas de dólares no mercado futuro feitas pelo Banco Central. Para Lopreato, o trabalho de gerenciamento da dívida pública a partir de 2003, que privilegiou a troca dos títulos atrelados aos juros e ao câmbio por papéis prefixados – com taxas determinadas antecipadamente – e corrigidos pela inflação, diminuiu a vulnerabilidade do país. Atualmente, a dívida líquida do setor público está em 34% do PIB.

Outro fator que contribuiu para a redução da dívida líquida ocorreu em 2006, quando o Brasil passou de devedor a credor externo. O Brasil virou credor ao acumular reservas internacionais, hoje em torno de US$ 380 bilhões, em montante superior à dívida externa (pública e privada), atualmente em US$ 326 bilhões.

“Para quem se lembra da crise da dívida externa dos anos 80 e dos acordos com o Fundo Monetário Internacional até 2004, essa é nossa maior vitória”, diz Lopreato. “Agora, quando o dólar dispara, como aconteceu no ano passado, a dívida líquida cai porque as reservas internacionais superam o endividamento externo”, explica.

Apesar de estar sob controle, a dívida pública tem sido pressionada nos últimos anos pelas ajudas do Tesouro Nacional aos bancos públicos. Desde 2009, o Tesouro emitiu cerca de R$ 300 bilhões em títulos públicos para aumentar o capital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A operação não tem impacto na dívida líquida, mas aumenta a dívida bruta do governo.

O reforço permite que a instituição empreste mais ao setor produtivo e estimule investimentos, mas a ajuda oficial divide a opinião de economistas. “De fato, os aportes para o BNDES aumentaram a dívida bruta, mas o impacto é relativamente pequeno. As emissões são importantes para ampliar os investimentos e ajudar a economia”, diz Lopreato. “Essas ajudas só provocam inflação e não têm impacto sobre o total de investimentos. O empresário, na prática, apenas deixa de usar os próprios recursos e investe com empréstimos a juros baixos concedidos pelo governo”, critica Freitas.

Carga tributária aumentou 10 pontos percentuais após criação do real

A estabilidade da moeda trouxe custos para o contribuinte. Necessário para derrubar a inflação, o ajuste fiscal resultou em aumento de impostos. De acordo com a Receita Federal, a carga tributária – peso dos tributos sobre a economia – saltou mais de 10 pontos percentuais depois do Plano Real. De 25,72% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1993, ano anterior ao plano, o indicador subiu para 35,85% em 2012, dado mais recente.

Para equilibrar as contas públicas, o governo federal criou e aumentou tributos nos anos seguintes à criação do real. O destaque foram as contribuições sociais, cujas receitas ficam todas com a União. As principais são a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (Cofins), o PIS, o Pasep e a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que taxou as transações financeiras até 2007. A voracidade sobre os contribuintes, no entanto, destacam especialistas, puniu as camadas mais pobres da população e não resultou em melhoria de serviços públicos.

carga tributária

Presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike diz que o real acentuou uma tendência iniciada com a Constituição de 1988, que permitiu aos governos (federal, estadual e municipal) obter cada vez mais recursos por meio do aumento de tributos. Para ele, o maior problema é que a tributação, no Brasil, concentra-se no consumo e nos salários.

Com caráter regressivo, a tributação sobre o consumo pune os mais pobres porque as alíquotas incidem sobre o preço final dos produtos. Para uma mercadoria que custa R$ 5 e tem alíquota de 20%, o consumidor pagará R$ 1 de tributo, independentemente da classe social. Proporcionalmente, a quantia pesa mais no bolso dos mais pobres. Com desconto direto na folha de pagamento, a tributação sobre os salários taxa os trabalhadores, não os empresários.

“Hoje, no Brasil, não temos uma política tributária para que haja uma arrecadação de acordo com a capacidade contributiva de cada cidadão. Existe, sim, uma política de arrecadação tributária. Aquela do quanto mais eu arrecadar, melhor”, critica Olenike. Ele defende uma reforma tributária executada em etapas que mude o foco da tributação para o lucro e o patrimônio, que têm maior impacto sobre as parcelas mais ricas da população. “Hoje não existe interesse em fazer reforma tributária. Se cada vez se arrecada mais, por que fazer reforma tributária?”, questiona.

Em 2012, os tributos sobre o consumo e os salários corresponderam a 76,26% da arrecadação, segundo a Receita Federal. Nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que reúne nações desenvolvidas, a média correspondia a 58,35% em 2011. A tributação sobre a renda e o patrimônio somava 21,69% da arrecadação no Brasil, contra 38,27% da OCDE.

Para Cláudio Damasceno, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), as distorções no sistema tributário brasileiro persistem porque, até hoje, o grande capital define os rumos da política tributária. “Temos uma carga de primeiro mundo e retorno de terceiro mundo nos serviços que o governo acaba oferecendo à população. Desde a criação do real, pouco mudou”, comenta.

Damasceno cita a defasagem de 61% na correção da tabela do Imposto de Renda e a isenção na distribuição de lucros e dividendos para sócios e acionistas como medidas que pioraram o sistema tributário brasileiro para a população de menor renda nos últimos 20 anos. “Nos países desenvolvidos, a tributação sobre o patrimônio é muito maior. Essa discrepância tem raízes profundas”, diz.

Apesar do aumento da carga tributária nas últimas duas décadas, a Receita Federal não considera o peso dos impostos sobre a economia alto em relação a outros países. Segundo o órgão, o Brasil está numa posição intermediária na comparação com os 27 países da OCDE. Além disso, a Receita informa que alguns países como o Chile, cuja carga tributária soma 21,8% do PIB, não tem Previdência Social.

A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda alega que a carga tributária líquida, que desconta dos tributos arrecadados o retorno à sociedade por meio de subsídios e das transferências de renda, ficou praticamente estável nos últimos anos, passando de 18,39% em 2002 (dado mais antigo disponível) para 19,82% em 2012. Segundo a secretaria, a carga tributária líquida é mais importante que a carga bruta porque considera as devoluções do governo, que aumentam a renda disponível do setor privado e o bem-estar das famílias.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

20 anos do real: baixa competitividade faz balança comercial voltar ao negativo

Produtos importados dividindo cada vez mais espaço com as mercadorias nacionais nas prateleiras. Realidade nos primeiros anos após a criação do real, os resultados negativos na balança comercial (diferença entre exportações e importações) voltaram a se repetir nos últimos anos. Segundo analistas de comércio exterior, as circunstâncias desta vez são diferentes. Na década de 90, as importações eram estimuladas pelo câmbio fixo para conter a inflação. Hoje, com o câmbio livre, os déficits estão relacionados ao custo Brasil e à perda de competitividade da indústria nacional.

Alguns anos antes de o real entrar em vigor, a balança comercial sustentava superávits expressivos. Medidas e estímulos governamentais ajudavam a manter os saldos positivos para equilibrar o balanço de pagamentos após o Brasil decretar a moratória da dívida externa. A abertura do mercado às importações, no início dos anos 90, e a circulação da nova moeda, no entanto, impactaram o saldo comercial. De superávit de US$ 10,47 bilhões em 1994, a balança passou para déficit de US$ 3,47 bilhões em 1995.

balança comercial
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, destaca que o aumento do consumo após o Plano Real também afetou a balança ao reforçar as importações. “Com o Plano Real, a demanda interna cresceu assustadoramente. O Brasil não tinha condições de atender. [Seria preciso] forte aumento da capacidade de produção. Enquanto não tinha, a alternativa era importar. Foi de 1994 a 1999, um período curto em termos de comércio”, diz.

“[A política] levava ao déficit, mas era entendido que não era um grande problema. O país estava mais estável, com políticas fiscais melhores”, lembra a economista Lia Valls Pereira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Relações Econômicas (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV). De acordo com ela, a maior abertura às importações também ajudava a forçar uma queda de preços no mercado interno, controlando a inflação.

Com as crises da Ásia e da Rússia, em 1997 e 1998, o cenário internacional mudou. A queda no preço das commodities – bens primários com cotação internacional – e a dificuldade de captar dólares dificultaram a manutenção do real valorizado. O governo abandonou o sistema de banda cambial e passou ao de câmbio flutuante, em janeiro de 1999. A desvalorização favoreceu as exportações.

“Em dezembro de 1998, todos reclamavam que [o real] estava muito valorizado. Era difícil exportar manufaturados. As commodities não tinham espaço [na época]. Ao mesmo tempo, começavam a aparecer as crises internacionais. As cotações não subiam, a demanda internacional estava contida, e o Brasil não conseguia expandir as exportações para reverter o déficit”, recorda o presidente da AEB.

A partir de 2001, a balança comercial reverteu os resultados negativos, tanto por causa do câmbio favorável como pela explosão nos preços das commodities, que atingiram níveis inéditos. A configuração internacional tinha uma novidade: a ascensão da China como grande mercado consumidor e exportador mundial. A balança acumulou saldos positivos na casa dos dois dígitos, com o ápice em 2006, quando o superávit chegou a US$ 46,4 bilhões.

Para Castro, a fase exportadora de commodities trouxe pontos positivos. “Houve interiorização do crescimento, mais salário, mais distribuição de lucros”, enumera. Ele critica, no entanto, a falta de reformas necessárias para diminuir o custo da produção e aumentar a competitividade dos produtos manufaturados em meio à queda no preço das commodities. Tal cenário, avalia, acarretou a volta dos déficits comerciais. Nos seis primeiros meses deste ano, a balança acumula resultado negativo de US$ 2,49 bilhões.

Segundo o presidente da AEB, no entanto, o país não pode depender das oscilações nas commodities. “O próprio FMI [Fundo Monetário Internacional] diz que o Brasil precisa de reformas. As commodities tiveram uma década de ouro, mas estão em queda. Se o crescimento da China diminuir, esse ajuste será mais forte ainda. Se não houver reformas, o Brasil pagará um preço alto. O real está valorizado e o custo Brasil subiu muito”, declara.

Para Lia Valls, o real cumpriu o papel de estabilização e fez uma passagem relativamente tranquila para o modelo de câmbio flutuante. Ela, no entanto, destaca a necessidade de maior compromisso com a política fiscal e com o controle da inflação nos tempos atuais.

“Foi correta a forma que a gente conseguiu quebrar a inflação. O país saiu da banda cambial e passou para o regime de metas. Mas [há] um déficit de transações correntes relativamente elevado. É necessário rever a política, ter maior compromisso com a responsabilidade fiscal e sinalizar um compromisso mais claro com as metas de inflação, pois a gente tem batido o teto da meta”, comenta a economista da FGV.

Depois de montanha-russa cambial, real está sobrevalorizado

Atualmente cotado em torno de R$ 2,25 por dólar, o real atravessou uma montanha-russa cambial em 20 anos de existência. Na data de sua criação, em 1º de julho de 1994, o real valia exatamente US$ 1. Em outubro do mesmo ano, o dólar chegou a ser cotado a R$ 0,829. Após a crise da Rússia, o câmbio foi liberado e ultrapassou R$ 2 pela primeira vez em fevereiro de 1999. O real, no entanto, atingiu o ponto mais baixo em outubro de 2002, quando o dólar chegou a encostar em R$ 4.
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Depois de 2003, o real experimentou uma valorização contínua (com queda do dólar), interrompida pela crise financeira global de 2008. No entanto, as injeções de dólares do Banco Central norte-americano fizeram a cotação voltar a cair para abaixo de R$ 2. Somente no ano passado, com a redução das ajudas monetárias nos Estados Unidos, o câmbio voltou a subir até o nível atual. Apesar da alta recente do dólar, economistas consideram que o real está sobrevalorizado, prejudicando a competitividade e as exportações do país.

Segundo André Nassif, professor titular de Economia Internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF), a taxa de câmbio de equilíbrio – com impacto neutro para exportadores, importadores e produtores domésticos – está entre R$ 2,70 e R$ 2,90. No nível atual, o câmbio incentiva as importações, desestimula as vendas externas e, advertem os especialistas, torna o país cada vez mais vulnerável a choques internacionais.

Atualmente, o déficit em transações correntes do Brasil está em 3,65% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país). O indicador, composto pela balança comercial, de serviços, de renda e pelas transferências unilaterais, mede a dependência da economia em relação a capitais estrangeiros, que costuma fugir do país em tempos de turbulências externas.

Diretor do Banco Central entre 1985 e 1988 e entre 1999 e 2003, Carlos Eduardo Freitas diz que o país só não sofreu uma crise cambial aguda até agora porque os investimentos estrangeiros diretos – que geram empregos no país – continuam fortes, em torno de US$ 65 bilhões por ano. Segundo ele, a política de estímulo ao consumo, que se reflete no aumento das importações nos últimos anos, está gerando os déficits em transações correntes.

“Há deterioração do balanço de pagamentos para elevar o consumo. Se o país estivesse importando máquinas e equipamentos para investir e produzir mais, seria outra história”, critica Freitas. “O déficit em conta-corrente aumentou para uma zona de sinal amarelo. O país está se endividando.”

Para Nassif, o Brasil está repetindo os erros do começo do Plano Real. “Nos primeiros anos após o plano, o câmbio foi artificialmente valorizado, e o país incorreu em grandes déficits em transações correntes até o início da década de 2000”, recorda. Os anos com piores resultados nas transações correntes após o Plano Real foram 1999 (-4,32% do PIB) e 2001 (-4,19%).

Na etapa inicial do Plano Real, o governo recorreu à âncora cambial para impedir a volta da inflação. Os juros altos para evitar a explosão do consumo e a renegociação da dívida externa em 1992 e 1993 fizeram os recursos externos retornar ao país de uma só vez, pressionando o dólar para baixo. “Havia muito capital estrangeiro represado, esperando para entrar no país. Os brasileiros tinham muita poupança no exterior e havia estrangeiros desejosos de aplicar no Brasil”, explica Freitas.

De 1994 a 1999, o Banco Central adotou o modelo de bandas cambiais, que permitia ao dólar flutuar dentro de um intervalo e praticamente equivalia a um regime cambial fixo. O modelo ajudou a baratear os produtos importados e a conter os preços dos produtos nacionais. No entanto, ressalta Nassif, o erro consistiu em tornar permanente uma política temporária. “Diversos estudos recomendam usar a âncora cambial no máximo um ano e meio. Não cinco anos”, diz.

Segundo o professor da UFF, os problemas começaram a partir do momento em que os investidores internacionais pararam de apostar no Brasil após as crises da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998. Por um momento, o Banco Central queimou reservas internacionais, mas foi obrigado a deixar o real flutuar em 1999. “Como os investimentos estrangeiros não compensavam mais os déficits em transações correntes, o modelo de câmbio fixo deixou de ser sustentável”, relembra. “Hoje, o país está com o câmbio livre, mas com as contas externas insustentáveis do mesmo jeito.”

Em 1999, o governo adotou o modelo em vigor até hoje, baseado no controle da inflação por meio da taxa Selic (juros básicos da economia), em vez da âncora cambial. Apesar de o câmbio estar livre, Nassif diz que o real continua sobrevalorizado, com prejuízo para os exportadores e a indústria nacional. Ele sugere que o Banco Central deixe o dólar chegar lentamente à taxa de equilíbrio para então introduzir o controle de capitais estrangeiros que entram no país e impeçam o dólar de cair novamente.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Em 20 anos, número de cédulas nas mãos de brasileiros quadruplicou

O número de cédulas nas mãos dos brasileiros quadruplicou em 20 anos. Até 1993, o dinheiro em circulação correspondia a menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todo os bens e serviços produzidos no país. No ano passado, essa relação estava em 4,2%, de acordo com dados do Banco Central (BC).

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Número de cédulas nas mãos dos brasileiros quadruplicou nas últimas duas décadasMarcello Casal / Agência Brasil
Segundo o chefe do Departamento do Meio Circulante do BC, João Sidney de Figueiredo Filho, antes do Plano Real, a população evitava ter dinheiro na mão porque as cédulas perdiam o valor rapidamente devido à inflação alta. “Naquele tempo tinha um custo de oportunidade muito elevado. Se ficasse com dinheiro no bolso, estava perdendo poder de compra. As pessoas ficavam com a menor quantidade de dinheiro possível no bolso”, disse. Com a estabilidade ao longo dos anos e o aumento da confiança, o uso do dinheiro se expandiu.

No dia 30 de junho de 1994, antes do lançamento do Plano Real, estavam em circulação 797 milhões de cédulas de cruzeiro real e mais 2,661 bilhões de notas de cruzeiro (parte dessas carimbadas com a exclusão dos últimos três zeros). Em valores convertidos, esse número de cédulas corresponde a R$ 9 bilhões, bem menor do que os cerca de R$ 190 bilhões em circulação atualmente.

“E a população não cresceu isso tudo”, disse Figueiredo Filho. De acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991 a população brasileira estava em quase 150 milhões. No ano passado, o instituto estimou a população em 201 milhões de habitantes.

Além do aumento da confiança da população, ele citou também a melhoria de renda como fator de expansão do meio circulante. “Isso acaba favorecendo o uso do dinheiro físico”, disse.
Mesmo com outros meios de pagamento, como cheques e cartões, os brasileiros ainda usam bastante as cédulas e as moedas de real para fazer transações. De acordo com a pesquisa do BC de 2013, para 70% da população o dinheiro é a forma preferida de pagamento. Na percepção do comércio, o percentual de uso de dinheiro para pagamentos ficou em 57%. “Cerca de 51% dos brasileiros recebem os seus salários em dinheiro”, acrescentou o chefe do Departamento do Meio Circulante do BC.


Para manter o dinheiro em circulação por mais tempo e com segurança, foi necessário investir em tecnologia. A primeira mudança foi a troca das moedas de aço inoxidável para as coloridas. “Em anos anteriores, houve muitas trocas de padrão monetário, com muitas emissões de moedas. Chegamos a ter 53 moedas no intervalo de 1980 até 1994”, contou Figueiredo Filho. Toda vez que mudava o padrão monetário, eram usados os mesmos discos das moedas antigas para cunhar os novos valores.

meio circulante2

Sidney lembra que nessa época começaram a entrar no país as vending machines (equipamentos automáticos usados na venda de produtos como refrigerante, cafés e salgadinhos) e muita gente “pagava” o produto com moedas que já não valiam mais. “A tecnologia era apenas pelo diâmetro e pelo sinal magnético. Só que tudo era aço inoxidável e o sinal magnético era igual”, disse.

Outra mudança na família do real apontada pelo chefe do Departamento do Meio Circulante do BC foi o lançamento das cédulas de R$ 2 e R$ 20. “Economizou dinheiro em circulação. Uma de 20 substitui duas de 10. Melhora para o lado do Estado, que não precisa fazer tantas notas, e facilita o troco. Essas são as duas notas que mais circulam no país”, disse.

Já as cédulas de R$ 1 saíram de circulação devido ao desgaste elevado. “Em 2003, quase 40% dos gastos foi com a produção de notas R$ 1. Estavam durando oito meses, enquanto uma moeda de R$ 1 dura 30 anos. E havia queixas de que a nota estava muito contaminada”, acrescentou.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Plano Real, que acabou com hiperinflação, completa duas décadas

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Em meio a um misto de expectativa e de desconfiança, a economia brasileira experimentava uma revolução há exatamente 20 anos. Em 1º de julho de 1994, entrava em vigor o real, moeda que pôs fim à hiperinflação que assolou a população brasileira nos 15 anos anteriores.

Apenas no primeiro semestre daquele ano, a inflação totalizou 757%, média de 43% ao mês de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nos seis meses seguintes, o índice desabou para 18,6%, média de 2,9% ao mês.

Em vez de cortes de zeros na troca de moedas, o caminho para domar a inflação passou pela Unidade Real de Valor (URV). Cada real equivalia a uma URV, que, por sua vez, valia 2.750 cruzeiros reais, moeda em vigor até o dia anterior. Definida como uma quase-moeda, a URV funcionava como uma unidade de troca, que alinhava os preços seguidos de vários zeros em cruzeiros reais a uma média de índices de inflação da época.

Em vigor por quatro meses, de março a junho de 1994, a URV, na prática, promoveu a dolarização da economia sem, de fato, abrir mão da moeda nacional. Como cada URV valia US$ 1, o real iniciou sua trajetória também cotado a um dólar. O mecanismo uniformizou todos os reajustes de preços, de câmbio e dos salários de maneira desvinculada da moeda vigente, o cruzeiro real, sem a necessidade de congelamentos e de tabelamentos, como nos planos econômicos anteriores.

Um dos economistas que desenvolveu o Plano Real, o ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) Edmar Bacha acredita que a transparência foi o grande diferencial que levou o plano a ter sucesso depois de tentativas fracassadas de conter a inflação. “Todos os outros planos foram feitos em segredo e surpreendendo a população. Esse foi feito às vistas da população, em etapas, e com total aprovação prévia do Congresso Nacional”, diz Bacha, atualmente diretor da Casa das Garças, instituto dedicado a estudos e debates de economia.

O Plano Real, na verdade, começou a ser pavimentado um ano antes. Em agosto de 1993, o então ministro da Fazenda do governo do presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, comunicou o corte de três zeros no cruzeiro e o lançamento do cruzeiro real. Naquela ocasião, já estava acertada a criação do real, embora os detalhes do plano só tenham sido anunciados em março do ano seguinte, quando passou a vigorar a URV.

O plano foi implementado em duas fases para permitir, sem congelamento de preços, a transição entre o cruzeiro real e o real. A URV uniformizou todos os reajustes de preços, de câmbio e dos salários de maneira desvinculada da moeda vigente, o Cruzeiro Real (CR$). A cada dia, o Banco Central fixava uma taxa de conversão da URV em CR$, com base na média de três índices diários de inflação – os bens e serviços continuavam a ser pagos em CR$, mas passaram a ter referência numa unidade de valor estável.

O lançamento do real, em 1º de julho de 1994, deu início à segunda fase do plano. À frente do Ministério da Fazenda à época estava Rubens Ricupero. A conversão e os cálculos baseados na URV saíram de cena para a entrada do real. A partir de então, os juros altos e o dólar barato, com câmbio praticamente fixo, passaram a ser os principais instrumentos do governo para controlar a inflação. Em 1999, após a crise da Rússia, o governo adotou modelo em três pilares em vigor até hoje: superávit primário (esforço fiscal), câmbio livre e metas de inflação.

A Agência Brasil procurou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e os ex-presidentes do Banco Central Gustavo Franco e Pérsio Arida – membros da equipe que desenvolveu o Plano Real – mas não conseguiu retorno.

*Colaboraram Daniel Lima e Alana Gandra

Inflação no teto da meta preocupa economistas e consumidores

Influenciada principalmente pelos preços dos alimentos e de serviços, a inflação tem ficado ao redor do teto da meta (6,5% ao ano) e tem dado sustos nos últimos anos. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) somava 6,37% no acumulado entre junho de 2013 e maio deste ano.

Apesar de ter ultrapassado várias vezes 6,5% no acumulado em 12 meses ao longo dos últimos três anos, o IPCA, indicador oficial calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem conseguido encerrar o ano sem estourar o teto da meta. Em 2011, o índice encostou em 6,5%, recuando para 5,84% em 2012 e 5,91% em 2013. Apesar de a inflação não ter fugido do controle, a resistência em convergir para o centro da meta, de 4,5%, preocupa economistas e consumidores, que alegam perda do poder de compra no aniversário de 20 anos do Real.
José Edvaldo, da banca de revistas Bacana, na plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto (José Cruz/Agência Brasil)
Brasília - José Ednaldo, vendedor de uma banca de revistas na plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto, diz que tem notado a volta do aumento de preços José Cruz/Agência Brasil

Fundadora e presidenta do Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais, Lúcia Pacífico diz que a inflação voltou a rondar o bolso dos brasileiros. “Nossa entidade constantemente monitora os preços. São aumentos pequenos, R$ 0,50 aqui, R$ 1 ali, mas que corroem o poder aquisitivo de quem vai aos supermercados. Hoje, vejo pessoas voltando mercadorias no caixa porque o dinheiro não deu”, reclama.
A sucessão de aumentos pequenos nos preços também preocupa o vendedor de banca de revistas José Edinaldo da Silva, 55 anos. Apesar de estar em nível menor que nos últimos anos, ele constata a volta da inflação. “Claro que não está como naquele tempo [antes do Plano Real], mas, meio por baixo do pano, a inflação está se manifestando. As revistas [da banca] estão no mesmo preço há muito tempo porque as editoras estão segurando, mas é só sair por aí para ver os aumentos”, diz.
Osvaldino Alves Brandão, 58 anos, dono de uma banca de fotos e xerox na plataforma inferior da Rodoviária de Brasília
Osvaldino Alves Brandão, 58 anos, dono de uma banca de fotos e xerox na Rodoviária de Brasília, diz que teve de aumentar os preços por causa dos custos mais altosMarcelo Camargo/Agência Brasil

Dono de uma banca de fotos e de fotocópias, Osvaldino Brandão, 58 anos, teve de reajustar preços por causa dos custos maiores. “Neste ano, subi o preço da cartela de oito fotos de R$ 12 para R$ 13”, conta. O aumento incomoda até quem nasceu depois do Plano Real e não conviveu com a hiperinflação. “Até poucos anos atrás, com R$ 300 você comprava muita coisa. Hoje não dá mais nada”, comenta o estudante Leandro Lázaro, 18 anos.

No início do Plano Real, o governo usava a âncora cambial para conter a inflação. Com o dólar próximo de R$ 1 até 1999, o câmbio sobrevalorizado estimulava a importação de produtos baratos para competir com as mercadorias nacionais. Depois da crise de 1999, o governo liberou o câmbio e criou o regime de metas de inflação, pelo qual o Comitê de Política Monetária do Banco Central mantém o IPCA dentro de um intervalo por meio do controle da taxa Selic – juros básicos da economia.

Um dos responsáveis pela elaboração do Plano Real, o economista Edmar Bacha, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), diz que o governo brasileiro ainda não encontrou uma forma adequada de lidar com os juros altos.

A taxa Selic ficou em 7,25% ao ano entre outubro de 2012 e abril de 2013, no menor nível da história. Para conter a inflação, o Banco Central elevou os juros para 11% ao ano nos últimos 14 meses. Para Bacha, somente reformas que elevem a produtividade e reduzam o risco de crédito reduzirão os juros de forma consistente.

taxa selic

Ex-diretor do Banco Central, Carlos Eduardo Freitas diz que a inflação só não estourou o teto da meta por causa do controle de preços administrados, como transportes e energia. Segundo ele, o tabelamento artificial está fazendo o Tesouro Nacional gastar mais para segurar os aumentos de preços, com efeitos negativos nas contas públicas. “O novo modelo do setor elétrico criou obrigações ocultas para o Tesouro. Quanto mais a inflação aumenta e se dissemina, maior o sacrifício para trazê-la para o centro da meta”, declara.

O professor de economia da Universidade de Campinas (Unicamp) Francisco Lopreato, especialista em política fiscal, tem opinião distinta. Para ele, o governo acertou ao reduzir os juros porque diminuiu o poder do setor financeiro, que ganha com a especulação e não investe o dinheiro na produção.

“Em nenhuma circunstância, vejo risco de descontrole. A inflação subiu por dois motivos. Primeiro, houve um choque de preços de alimentos, que subiram no Brasil e no exterior por motivos climáticos. Além disso, os empresários tentaram elevar a margem de lucro para compensar as perdas no mercado financeiro”, argumenta.

O diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz, diz que, apesar de a inflação estar próxima do teto da meta, não há descontrole. "Uma inflação mais alta acarreta nível de perda maior, mas inflação em torno de 6,5% ao ano traz uma perda imperceptível se comparada ao período hiperinflacionário", avalia. Segundo ele, a maior parte dos trabalhadores está conseguindo recuperar as perdas por causa das negociações sindicais e por causa da política de aumento real do salário mínimo.

Em 20 anos, moeda que derrubou hiperinflação perde valor

Em 20 anos de existência, a moeda que derrubou a inflação foi lentamente corroída por ela. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial acumulada de julho de 1994 até maio deste ano (último dado disponível) chega a 359,89%. Uma nota de R$ 100 hoje compra apenas o equivalente ao que R$ 21,75 comprariam há duas décadas.

inflação no plano real

Os levantamentos de preços da cesta básica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram o poder da inflação. O quilo da carne em São Paulo, que custava R$ 3,21 em 1994, hoje vale R$ 19,53 em média. O quilo do tomate no Rio de Janeiro, que saía por R$ 0,44 há 20 anos, atualmente é vendido por R$ 5,04 em média. No Recife, o quilo do pão saltou de R$ 1,46 no início do Plano Real para R$ 7,63 hoje.

comportamento preços

O comportamento da inflação, no entanto, não significa que o brasileiro tenha ficado mais pobre nesse período. Ao mesmo tempo em que os preços aumentaram 359%, a renda média do trabalhador brasileiro aumentou 426%, mais do que a inflação acumulada no período. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio nominal da população empregada subiu de R$ 382,73 em 1994 para R$ 2.013,50 em 2014.

Funcionária de uma empresa estatal, Maria de Lourdes Xavier, 66 anos, é testemunha do crescimento da renda média nos últimos 20 anos. Ela, no entanto, recorda que os primeiros anos após o Plano Real foram difíceis. “Fiquei sem duas cadernetas de poupança para comprar comida, pois não havia aumento bom de salário. Só voltei a conseguir economizar alguma coisa em anos mais recentes”, diz.
Segundo o economista Carlos Eduardo Freitas, diretor do Banco Central por duas vezes, de 1985 a 1988 e de 1999 a 2003, o aumento da renda do brasileiro está relacionado a dois fatores: o crescimento do emprego formal e à própria teoria econômica, que prevê a neutralidade da moeda no longo prazo. “Na economia, o que conta não são os preços monetários, mas os preços relativos, que estão sempre se ajustando. Os salários nada mais são do que o preço do trabalho e tendem a acompanhar a inflação, embora isso demore algum tempo”, explica.

Os preços relativos representam o número de unidades de um produto que compra outro bem. Para Freitas, o Plano Real só foi bem-sucedido porque a Unidade Real de Valor (URV), na prática, dolarizou a economia sem precisar trocar a moeda nacional por dólares. “O congelamento de preços de outros planos econômicos provocava o desalinhamento dos preços relativos porque vinha de surpresa. Alguns preços tinham passado pela correção monetária. Outros, não. A URV deu alguns meses para que todos os preços se alinhassem ao dólar, ajustando os preços relativos”, relembra.

Diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz tem opinião diferente. Segundo ele, o sucesso do Plano Real está não apenas no alinhamento dos preços relativos, mas na redistribuição de renda a favor dos trabalhadores. “A estabilização do poder de compra da moeda é importante. Agora, o que determina a transferência da renda para o trabalhador é a ação política nas negociações entre patrões e empregados”, diz.

No ano passado, segundo o Dieese, 87% das categorias conquistaram reajustes reais (acima da inflação), mesmo num cenário de baixo crescimento da economia e de inflação alta. “Com o bom desempenho do mercado de trabalho nos últimos anos, os empregados ganham poder para conseguir aumentos acima da inflação e impedir a renda de ser corroída”, ressalta o diretor do Dieese.
* Colaborou Mariana Branco

rendimento trabalhador

“Todo mundo corria quando ouvia o remarcador”, recorda dona de casa



Durante décadas, ele foi o principal vilão da economia brasileira. Bastava o barulho dos cliques começar para os consumidores ficarem em polvorosa. Temido na época da hiperinflação, o remarcador de preços era presença constante nas lojas e nos supermercados, às vezes usado mais de uma vez por dia durante a pior crise econômica da história do país.

 Consumidores que vivenciaram a inflação galopante das décadas de 80 e 90, antes do Plano Real, recordam como a perda do poder de compra prejudicava a qualidade de vida Marcello Casal/Agência Brasil

Consumidores que vivenciaram a inflação galopante das décadas de 80 e 90, antes do Plano Real, recordam como a perda do poder de compra prejudicava a qualidade de vida. Com o orçamento familiar comprometido pelo dinheiro cada vez mais curto, a população não tinha condições de se planejar e precisava estocar comida logo que recebia o salário para não passar fome no fim do mês. Há exatos 20 anos, em 1º de julho de 1994, entrava em vigor o real, moeda que pôs fim à hiperinflação que assolou o país nos 15 anos anteriores.

“A hiperinflação provocava até desarmonia no âmbito familiar. O marido às vezes desconfiava e perguntava por que o dinheiro tinha sumido”, relembra a presidenta do Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais (MDC-MG), Lúcia Pacífico. “O remarcador era o verdadeiro terror das donas de casa. Com os preços subindo até duas vezes por dia, todo mundo corria quando ouvia a maquininha para pegar o máximo de mercadorias possível.”

Funcionária de uma empresa estatal, Maria de Lourdes Xavier, 66 anos, recorda que o consumidor tinha de ser ágil para fugir das remarcações: “A gente estava conversando com uma conhecida no supermercado e, do lado, já tinha um funcionário usando a maquininha”. Segundo ela, era comum os consumidores encherem de três a quatro carrinhos para estocarem alimentos.

Criado há 29 anos, o MDC-MG até hoje divulga pesquisas de preços para beneficiar os consumidores e estimular a concorrência entre os estabelecimentos comerciais. Grupos de donas de casa vão aos supermercados e fiscalizam os reajustes e as “maquiagens” de embalagens, quando o peso líquido do produto diminui sem mudança no preço.

Segundo Lúcia, o movimento foi útil não apenas na época da hiperinflação como nos primeiros meses após o Plano Real, para impedir a volta da inflação. “Muitos comerciantes aproveitaram a URV [Unidade Real de Valor] para pôr os preços lá em cima e ampliar a margem de lucro quando o real entrasse em vigor. Apertamos os supermercados, e eles foram para cima dos fabricantes e dos fornecedores para conseguirem acordos de preços mais baixos”, relembra.


“Já escutei na escola que a inflação um dia foi bem maior”, diz o estudante Leandro Lázaro, 18 anos Marcelo Camargo/Agência Brasil
O período inflacionário traz memórias nada agradáveis a quem tinha o poder de compra comprometido. Dono de uma banca de fotografias e de fotocópias, Osvaldino Alves Brandão, 58 anos, lembra-se da dificuldade para abastecer o carro. “Naquela época, as coisas subiam muito rápido. O combustível, em uma semana, estava mais caro. Não dava para planejar nada, porque a gente não sabia o que ia acontecer”, diz.

Para quem não tinha condições de aplicar dinheiro, a inflação era ainda mais cruel. Quem tinha acesso ao sistema bancário corria para depositar o dinheiro na caderneta de poupança ou qualquer outra aplicação que garantisse pelo menos a correção monetária. Mesmo assim, corria o risco de perder dinheiro.

“A poupança rendia mais que hoje [já que a inflação era maior], mas não sei se era o suficiente para compensar o aumento de preços”, declara o vendedor de banca de revista José Edinaldo da Silva, 55 anos. “Na época do cruzeiro, queria comprar o sapato da moda e até hoje me lembro do vendedor, que era meu amigo, dizendo que seguraria o preço até a tarde.”

 Suelane Cristina de Castro da Silva, 21 anos, não tem lembranças da época de hiperinflação: “Vi, em novelas antigas, as pessoas falando de preços e eram valores muito altos, como mil ou 6 mil cruzeiros”Marcelo Camargo/Agência Brasil


Quem era criança ou nem tinha nascido antes do Plano Real olha a hiperinflação com curiosidade e distanciamento, como se as histórias viessem de outros países. “Já escutei na escola que a inflação um dia foi bem maior”, diz o estudante Leandro Lázaro, 18 anos. “Vi, em novelas antigas, as pessoas falando de preços e eram valores muito altos, como mil ou 6 mil cruzeiros”, recorda a vendedora Suelane Castro, 21 anos.

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