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quarta-feira, 1 de julho de 2015

Debate: Parlamentarismo ou Presidencialismo?


Apesar de originar-se no ano de 1992 e, depois de sua realização o Brasil ter sustentado o sistema,  ainda assim, entendo que o presidencialismo merece uma constante avaliação, portanto, trago à baila esse debate que contou com as distintas participações de: Ronald Rocha, Plínio de Arruda Sampaio, Sandra Starling e Vladimir Palmeira, para a apreciação dos meus leitores. 

A reforma constitucional de 93 prevê a definição do regime de governo. O PT defendeu na Constituinte o presidencialismo. De lá para cá, muitos setores do partido têm se manifestado a favor do parlamentarismo. A fim de contribuir para um posicionamento sobre o tema, Teoria e Debate abre esta discussão com dois artigos pró-presidencialismo e dois pró-parlamentarismo.

Condenado e condenável

Por Ronald Rocha

Presidencialismo é sinônimo de hipercentralização. A implantação do parlamentarismo será uma derrota para o que há de mais arcaico e antidemocrático na política nacional. Enfraquecerá a hegemonia burguesa e possibilitará que o movimento socialista triunfe.

Para Raul Pilla, o homem que propôs a introdução do parlamentarismo no Brasil, o "notável parecer de 1949" de Afonso Arinos é "o maior esforço já despendido neste país em favor de um regime condenado". Não há novos argumentos em socorro do presidencialismo. Sua longevidade se reproduz em uma cultura entranhada na sociedade civil, na inércia institucional, nos interesses políticos concretos, no poder de cooptação da autoridade central, na disposição do capital em manter a hipercentralização em torno do Executivo. Eis como se encontraram correntes tão diferenciadas. Que razão comungam?

Há quem afirme, como Emanuel Mata, que "o sistema presidencialista é muito mais democrático, porque nele os poderes de governo emanam diretamente do povo (...) com o sistema de mandato livre, em que não há vinculação imperativa da vontade, a representação é uma ficção". Ora, também a representação presidencial tem "mandato livre". Portanto, seria igualmente "uma ficção". Agravantes: os ministros surgem da decisão absoluta do presidente; a fusão dos grupos monopolistas financeiros com os órgãos de poder opera diretamente como conveniências corporativas ou individuais.

Como poderiam "os poderes de governo" emanar "diretamente do povo" senão como a quimera de que a Presidência expressa realmente a soberania popular? De fato, o poder originário é inseparável das determinações de classe que fundam o momento particular e ditatorial do Estado burguês, incluindo sua verdade ideológica, seu "direito da desigualdade" e seu monopólio de coerção.

Sob o capitalismo, a soberania popular é formal. Sua correspondência com as relações sociais encontra-se mediada pela ideologia e se exprime juridicamente. Nas palavras da filósofa húngara Ágnes Heller, existe apenas "um Estado e um direito alienados". A liberdade individual é uma entidade mítica posta idealmente pelo ser transcendental metafísico, portanto originalmente externa ao homem real. Tanto mais no Brasil, onde a sociedade se encontra sob a primazia dos grupos monopolistas financeiros e o Estado é um aparato estranho ao comum dos mortais.Há, contudo, diferenças entre as presidências nas duas formas de governo. Também no parlamentarismo republicano o presidente é eleito diretamente. Porém, representando a chamada chefia do Estado, sua eleição privilegiará questões de princípio, temas estratégicos e grandes dilemas da conjuntura. Um Parlamento eleito para compor o governo tende a se libertar do paroquialisrno e se expor à cobrança política.

Dois procedimentos alargam a democracia burguesa: primeiro, o deslocamento do centro de gravidade da política institucional para o Parlamento; segundo, a chance de mudar governos e dissolver o Parlamento. Em um país onde a hegemonia passiva está associada a uma Presidência paternalista e manipuladora, à impunidade dos políticos burgueses durante quatro e até oito anos, à marginalização das massas frente à política, onde a Presidência é mitificada como origem dos problemas - obscurecendo as questões sociais - ou das soluções - potencializando o populismo e o messianismo - não é fácil perceber o caráter progressista do parlamentarismo.

Governo forte, para quem?

Os presidencialistas sempre foram obcecados pela ideia de um "governo forte". Afirma Emanuel Mata: "o regime parlamentarista tem degenerado em anarquia e ditadura". Tal lógica se funda na razão passiva: "A vantagem maior do presidencialismo, entre nós, está na imposição sociológica de um governo forte e progressista, para um povo que cresce e não tem condições materiais para tolerar o imobilismo da instabilidade, nem estabilidade emocional para suportar a complicação da máquina parlamentarista".

Ordem e progresso. Quem virá impô-los? O general de plantão? O populista? O messiânico pós-moderno? No Brasil, os governos fortes traduziram os interesses das frações mais reacionárias das classes dominantes. A discussão sobre formas de governo deve supor a defesa das liberdades políticas no quadro do maior aprofundamento possível do regime democrático-burguês republicano.

A forma federativa do Estado exige um "governo forte", isto é, presidencialista? Afonso Arinos respondeu: "O parlamentarismo é incompatível com o federalismo". Porém, inúmeros países federativos adotam o parlamentarismo. A estrutura federativa exige tão-somente uma Constituição destacada das leis ordinárias para garantir a constitucionalidade das decisões parlamentares. De resto, os governos fortes reduziram de tal modo a autonomia dos estados que a "nossa" Federação, sob o presidencialismo, tornou-se uma farsa. Em nosso país, a soberania popular corresponde ao artigo adicional proposto ironicamente por Mirkine-Guetzevitch, à Constituição da Áustria: "O presidente da Federação nomeia o povo".

No Brasil, a hipercentralização do Executivo é momento, expressão e uma das determinações superestruturais da reação política: tradição, cultura, psicologia social, instituição. Para os trabalhadores, significa cidadania inconclusa, marginalidade política, repressão, ausência crônica de liberdade. Para a burguesia, foco de crise institucional. Assim, não é por razões doutrinárias que a opção parlamentarista volta à baila. Tornou-se uma questão candente.

Todavia, tenta-se desqualificar o debate. À esquerda, o doutrinarismo sempre foi indiferente ao regime político e à questão democrática sob o capitalismo. Porque se interessaria pelas formas de governo? À direita, Afonso Arinos procura usufruir da neutralidade: "Qualquer sistema democrático de governo (...) será apto a resolver os problemas do povo desde que funcione". Emanuel Mata pega o bastão: tudo dependeria da "correta aplicação" e da "boa intenção dos (...) governantes". Porém, o debate sobre as formas de governo possui um estatuto próprio.

Sobra o argumento clássico: o Brasil não está preparado, não há partidos! A direita repete o raciocínio paternalista: primeiro, tutelar os partidos; só depois chamá-los ao exercício do parlamentarismo. Quer uma situação que dispensa os partidos e os desagrega.

Fortalecer os partidos é um problema dos partidos. Basta-lhes autonomia perante o Estado, liberdade, um sistema eleitoral que os estimule, uma forma de governo que não os abastarde. Os que não desejarem ou puderem se atualizar serão ultrapassados. Os que tiverem substância terão como se fortalecer.

Parlamentarismo e interesse popular

A tradição presidencialista, escudada na desconfiança da burguesia em qualquer mudança, ensinou, através de Afonso Arinos, que "devemos nos habituar à prática da evolução construtiva das instituições políticas, em vez de prosseguir no esforço de revoluções destrutivas, que recolocam permanentemente o problema da forma do Estado sem nunca abordar as questões de fundo, que dizem diretamente respeito à vida do povo". O exagero de ver na mudança da forma de governo uma revolução é acompanhado de um apelo demagógico à resolução das "questões de fundo", atitude que o desavisado poderia atribuir ao doutrinarismo esquerdista.

Que presidentes se preocuparam verdadeiramente com a "vida do povo"? Como considerá-la algo exterior, como se a forma de governo fosse um tema cativo da classe dominante? É preciso contrapor à inércia presidencialista o espírito da modernidade que Marx e Engels enunciaram: "Tudo o que era sólido e estável se esfuma; tudo o que era sagrado é profanado, e os homens, finalmente, vêem-se obrigados a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas".

Será oportuno? Hoje, o chefe de governo personifica a herança presidencialista em seus piores traços. Político messiânico, hipercentralizador, instrumentalizado pela oligarquia financeira nacional e internacional, secundado pela mídia eletrônica, sustentado na hegemonia passiva, aposta na absolutização das prerrogativas presidenciais e na submissão do Congresso Nacional para melhor neutralizar a sociedade civil organizada, esmagar a resistência proletária e isolar a oposição de esquerda. O sistema partidário-eleitoral apodrece, ainda mais, com o agravamento da crise de governo.

A mudança da forma de governo se converteu em tarefa democrática. É a chance do parlamentarismo extrapolar o círculo de políticos e juristas burgueses, tornando-se uma exigência popular. Para tanto, é necessário antecipar o plebiscito, evitando que a proximidade eleitoral eclipse as questões políticas e que as candidaturas presidenciais, com raras exceções, costurem uma frente em defesa de suas ambições. Mais ainda, é preciso que a reivindicação parlamentarista propicie o julgamento político do governo Collor.

Além de oportuno, é apropriado. Sob o presidencialismo, o exercício hegemônico se desloca para o Executivo na sua personalidade central. A hegemonia se torna uma heteronomia em relação à comunidade nacional. Supõe a existência de uma sociedade civil que recebe de um princípio exterior as determinações a que deve se submeter. Se, pelos cânones do Direito Constitucional burguês, o Parlamento é, por excelência, um fórum representativo, será forçoso reconhecer que o presidencialismo significa, para a sociedade civil, a perdição da autonomia formal. Em períodos agudos da luta de classes, a eventual crise na hegemonia perde a natureza de carecimento representativo para se converter diretamente em crise de autoridade, que só pode ser restabelecida pelo clássico remédio nacional do "governo forte".

Democratizar a democracia

O presidencialismo não se restringe à forma de governo. Está presente nos partidos políticos, na tradição sindical herdada do Estado Novo, nas entidades populares, nas sociedades anônimas, nos clubes. A sociedade brasileira é presidencialista. A implantação do parlamentarismo exige uma reforma que sacuda os alicerces psicossociais da hegemonia passiva.Neste nível reside, junto com a resistência do fisiologismo, o maior obstáculo. Mas também há ponderações no interior da esquerda. A primeira levanta que a eleição para o Executivo central permite a politização da disputa em torno de projetos nacionais e o crescimento da base de massas dos partidos socialistas para além de seus limites orgânicos e de sua influência normal. A segunda entende que a eleição direta da chefia do governo permite o acesso ao poder com maior rapidez. A terceira tenta identificar presidencialismo com democracia direta.

O parlamentarismo não inibe a polarização política. Contribui para lhe imprimir uma qualidade nova. A eleição direta da chefia do Estado em nada arrefece as paixões, antes vai canalizá-las para temas estratégicos e dificultar o nivelamento de candidatos que adotam discursos demagógicos. A composição do governo pelo Parlamento favorecerá o intercâmbio entre as massas e os partidos. Atuará contra a inorganicidade e a marginalidade política que a via particular de afirmação da supremacia burguesa fixou na consciência das classes populares. Os partidos tenderão a se fortalecer face a seu papel central na gestão da coisa pública e nas questões de governo. Perderão aqueles interesses que, por seu poder e influência nas altas cúpulas do Estado, vêm aparelhando o Executivo. Ganharão as correntes cujos projetos passam pela politização da sociedade civil e fortalecimento partidário.

A rapidez de acesso ao poder contém uma ilusão: confunde Estado com governo e supõe que a simples eleição cria condições para resolver os problemas sociais, desconstituir a hegemonia burguesa e colocar a máquina estatal sob a direção dos trabalhadores. As experiências internacionais e das prefeituras petiscas mostram outra realidade. A conquista do governo federal implica um contraste com os interesses de classe presentes no Estado, que devem ser enfrentados sem quimeras. Se acompanhada, no Congresso Nacional, da hostilidade de uma maioria conservadora, a crise institucional poderá evoluir para uma crise de governo. A única saída será, descartando-se a capitulação, o apelo direto ao povo. Só uma correlação de forças favorável, criteriosamente construída fora do Parlamento, poderá garantir o governo face às conspirações que se escudariam no Congresso Nacional e na letra da Constituição. Mas já não seria um capítulo da trama eleitoral. A estratégia socialista precisa estabelecer critérios bem mais abrangentes do que a rapidez do sucesso eletivo.

Como identificar presidencialismo com democracia direta? Eleger um presidente que permanecerá inamovível durante todo um mandato apenas pode ser visto como ato fundante - poder originário - do Executivo se, ao princípio liberal que define a soberania popular pela democracia formal, forem subtraídas as dimensões representativas referenciadas no Parlamento e nos partidos. É um raciocínio próximo à tradição populista, onde massas inorgânicas se abandonam à figura do salvador que supostamente escolheram no momento de liberdade infinita do sufrágio direto, sem intermediários ou representantes. A intimidade no processo eleitoral é sucedida pela negligência política.

A discussão pede outros parâmetros. A implantação do parlamentarismo será uma derrota para o que há de mais arcaico e antidemocrático na política nacional. Aprofundará o regime democrático-burguês, vinculando a composição do governo e os processos executivos à representação formal assentada no Parlamento, dando condições à opinião pública de julgar a responsabilidade dos partidos e desagregando a impunidade governamental que atualmente perdura durante todo um mandato fixo. Diluirá o reduto federal do fisiologismo, da clientela, do provincianismo. Deslocará para o Parlamento o centro de gravidade da política institucional, favorecendo os partidos ideológico-orgânicos. Reservará para consultas populares diretas os temas relevantes. Enfraquecerá a hegemonia passiva e colocará o movimento socialista em melhores condições na "guerra de posição".

Tais objetivos dependem, no entanto, de reformas institucionais correlatas: fim da tutela militar, completa liberdade de organização partidária, consolidação do sistema eleitoral em bases proporcionais com isonomia entre os eleitores de estados diferentes, extinção do Senado com a implantação do unicameralismo, aprofundamento do sistema federativo, democratização nos meios de comunicação, e assim por diante. Cabe ao Partido a iniciativa.

Ronald Rocha é membro do Diretório Nacional do PT, do Conselho Editorial de Teoria e Debate e diretor geral da revista Arma Crítica. 

Presidencialismo - O saudável conflito

A armação de que o presidencialismo conduz ao caudilhismo não procede. A concentração de poderes acontece, em maior medida, nos regimes parlamentaristas. Hitler e Mussolini, por exemplo, eram primeiros-ministros.

por Sandra Starling*

"O objetivo constante é dividir e dispor as várias funções de tal modo que uma possa ter controle sobre a outra".James MadisonNovembro de 1983: um ousado PT, reunido em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo, lança, diante de uma apenas razoável audiência, a conclamação ao povo brasileiro para a luta pelas "Diretas- já". Dezembro de 1987: o 5º Encontro Nacional petista, em Brasília, ancorado em um frágil leque de alianças partidárias, dá a largada para mais uma jornada memorável: "Brasil Urgente. Lula Presidente". Ambas iniciativas, tímidas a princípio, resultaram nas maiores demonstrações de cidadania que este país já teve oportunidade de vivenciar. Nas duas ocasiões, tratava-se de afirmar uma relação de responsabilidade política direta entre o povo e a titularidade da chefia de governo; e que esta responsabilidade fosse forjada tendo a democracia como valor inarredável e o signo das mudanças profundas como compromisso. Apostava-se, politicamente, nas inequívocas potencialidades do presidencialismo democrático.

É de se estranhar, pois, que este "insolente" partido acusado de "fazer o jogo do Maluf", quando objetou a farsa do Colégio Eleitoral, por ser um golpe à soberania popular esteja, agora, revendo suas posições e questionando possibilidades radicalmente democráticas, por ele descortinadas sob a égide do presidencialismo ao longo de apenas uma década de existência.

Por certo, a vitória de Collor na eleição para a Presidência da República e os descaminhos da atual administração levam a que defensores do parlamentarismo ganhem adeptos nas hostes petistas. Os petistas parlamentaristas, ao atribuírem ao presidencialismo a matriz das vicissitudes brasileiras, contribuem para apagar da memória nacional as condições reais (desiguais) em que se deu a disputa pelo cargo presidencial; buscam fazer crer, por indução, que o presidencialismo daria margem a opções irracionais por parte do eleitorado. Assim, o governo Collor não seria um acidente de percurso mas uma decorrência previsível de um processo de escolha da chefia de governo, que propiciaria a manipulação do senso comum e o inconsciente das massas. Mais grave, porém, é o fato de sofismarem quanto à eficiência do parlamentarismo numa época em que se observa uma crise profunda, de amplitude mundial, quanto aos padrões de legitimação e institucionalização. Imputam ao presidencialismo defeitos que também poderiam ser conferidos ao parlamentarismo. No afã de frustrar possíveis déspotas, frustram os líderes democraticamente eleitos pelo povo.

Para que o PT se posicione de forma segura, o debate há de se dar em bases que permitam aferir o grau de legitimidade e eficácia governamental de um e outro regime de governo. Para tanto, é necessário que se esclareçam as diferenças entre o parlamentarismo e o presidencialismo.

No sistema parlamentarista de governo, o Executivo é uma espécie de delegação do Parlamento a que se atribui a função de governar, em consonância com um programa aprovado pela maioria da casa legislativa. Estabelece-se um processo político semelhante a uma pirâmide de três degraus: na base está o titular da soberania, o povo; sobre esta base assenta-se um órgão de representação, o parlamento; e no vértice, sobre esta camada intermediária, instala-se um colégio mais reduzido, uma "comissão de confiança" do Parlamento, o governo (gabinete). A chefia deste governo é atribuída a um primeiro-ministro eleito não diretamente pelo povo, mas por um colégio eleitoral, o Parlamento, após indicação de um árbitro das disputas políticas, o chefe de Estado - um monarca, ou um presidente da República. Assim, no parlamentarismo, as atribuições de chefe de governo e as de chefe de Estado são deferidas a pessoas distintas. A vontade do povo manifesta-se somente na constituição do Parlamento, daí falar-se que o regime parlamentarista é um regime monista. Isto é, de urna única vontade popular.

No sistema presidencialista, o governo representativo baseia-se em uma separação (restrita) de poderes, estabelecendo-se uma independência relativa entre Executivo e Legislativo. O povo, da mesma forma que escolhe o Parlamento, também elege diretamente o chefe de governo, que soma às funções executivas as de chefe de Estado. Desta forma, fixando-se poderes distintos (Executivo e Legislativo), desconcentrando-se as funções estatais e submetendo-se ambos - Parlamento e governo - ao voto popular, reforça-se no presidencialismo o princípio do exercício da soberania pelo sufrágio universal. Tanto o governo quanto a câmara de representação são politicamente responsáveis perante o próprio povo. A legitimidade do governo por este ângulo é maior no presidencialismo, posto que o consenso democrático deriva de uma relação direta entre os cidadãos e o titular da chefia de governo. O regime de governo presidencial é dualista, isto é, de dupla vontade popular, resultando num permanente e positivo tensionamento político. Combina a recorrência periódica ao voto universal e o sistema de freios e contrapesos que só o presidencialismo proporciona com a desconcentração, separação e controle de mão dupla do próprio poder.

No que se refere à eficácia governamental, poder-se-ia argumentar que no presidencialismo a existência de um parlamento em oposição ao governo gera graves conflitos administrativos, sobretudo se o chefe do Executivo, usando de uma prerrogativa que lhe é inerente neste sistema, veta matérias legais aprovadas na casa legislativa. A tese, todavia, não prospera. O ordenamento jurídico-constitucional pode consagrar o instituto da vinculação do voto dado ao postulante da chefia do Executivo ao que for conferido à sua sigla partidária ou coligação (na chapa apresentada ao Parlamento) e combinar esta hipótese à coincidência de mandatos. Sem prejuízo da representação proporcional de minorias, este mecanismo possibilitaria a configuração de sólida base de apoio parlamentar e o fortalecimento das agremiações partidárias. Ademais, deveríamos indagar, se não tem contribuído para a exaltação do modelo norte-americano de sistema de governo o fato de nos EUA, tradicionalmente, se eleger o presidente da República de um partido e constituir-se um legislativo oposicionista. Como disse numa decisão da Suprema Corte em 1986 seu então presidente, Warren Burquer, as instituições do governo foram deliberadamente dispostas para criar um sistema que produzisse "conflitos, confusão e discordância".

Argumenta-se que o parlamentarismo seria mais maleável em face da vinculação do governo ao humor predominante no Legislativo, o que lhe conferiria maior estabilidade política. No entanto, o presidencialismo comporta modulação análoga, porém mais democrática. Não falamos aqui do impeachment do chefe de governo presidencial, na eventualidade de prática de crime de responsabilidade, mas do recall, ou seja, a destituição, por petição popular da própria representação parlamentar ou executiva (revogabilidade dos mandatos). A alegada flexibilidade do parlamentarismo é ainda questionável na medida em que se observa um progressivo constrangimento, em distintos ordenamentos constitucionais, das oportunidades de proposição de moções de censura aos governos instalados (dilatação dos interstícios para apresentação de proposições de desconfiança). A par disso, a instabilidade política é uma questão que se coloca para o parlamentarismo, quando o chefe de Estado (presidente ou monarca) se vê diante da necessidade de optar discricionariamente entre a dissolução do governo ou a dissolução do parlamento, em razão da aprovação de um voto de desconfiança ou de simples rejeição de uma matéria de interesse do gabinete.

Também não procedem as críticas de que o presidencialismo conduziria ao governo imperial ou caudilhesco. Ressaltamos aqui que o fenômeno da concentração de poderes é verificado em maior medida no parlamentarismo. Com efeito, podemos afirmar que, hoje, os parlamentos inglês, alemão, italiano, espanhol, entre outros regimes parlamentaristas, encontram-se subjugados à dinâmica imposta por seus respectivos governos e não o contrário. É o que se observa no exame de pautas de votação compostas quase que exclusivamente de matérias consideradas relevantes pelo governo, reconhecendo-se aos executivos a faculdade de editar providências cautelares de caráter legislativo (government by decree na Inglaterra; ordonnances na França; provvedimenti con forza di legge na Itália; decretos leyes na Espanha etc). O mesmo não acontece nos EUA (presidencialista), onde o presidente da República não possui a iniciativa no processo legislativo, não detém a prerrogativa de editar medidas extraordinárias com força de lei, não tem controle sobre a elaboração do orçamento e sequer pode formar seu secretariado (ministério) sem o agreement de um órgão legislativo como o Senado Federal. Por essas e outras razões é que se vê não no presidente dos EUA, mas no primeiro-ministro da Grã-Bretanha uma figura política imperial.

De mais a mais, se é dado que no presidencialismo as funções de chefia de Estado e chefia de governo se confundem numa única pessoa, o que tem suscitado equivocadamente o rótulo de "autocracia", correta é a constatação de que isso impede a emergência de conflitos institucionais que, no parlamentarismo, emanam da interseção de atribuições destes dois agentes políticos. As dificuldades aumentam, ainda mais, em sistemas híbridos semi parlamentaristas (França, por exemplo) ou semi presidencialistas (Portugal, por exemplo).No semipresidencialismo e no semi parlamentarismo, conquanto haja separação entre as funções do chefe de Estado e do chefe do governo, aquele (o presidente da República, no caso) é eleito diretamente pelo povo em oposição ao parlamentarismo clássico. É bom lembrar que os petistas parlamentaristas têm, sem exceção, defendido a eleição direta do presidente da República, descartando a implantação do sistema parlamentarista original. Registramos, no entanto, que não tem sido esclarecido por adeptos desta ideia no interior do partido se o chefe de Estado teria a prerrogativa de vetar as proposições de lei votadas pelo Parlamento, donde o sistema pretendido seria um semi presidencialismo, tal como existe na República portuguesa, ou se apenas ser-lhe-ia cometida a faculdade de propor ao Parlamento a reapreciação de proposições legais já votadas, no que o regime escolhido seria um semi parlamentarismo ao estilo francês.

Se os que advogam estes sistemas mistos vêem na eleição direta do presidente da República um antídoto contra os conchavos fisiológicos do jogo parlamentar, resta evidente que os momentos de crise alimentam conflitos de competência entre o chefe de governo (primeiro-ministro) e o chefe de Estado (presidente). A renúncia do presidente de Portugal, Mário Soares, à condição de filiado ao Partido Socialista Português ante a perda de sua maioria parlamentar na Assembléia Nacional; as pressões para que o presidente da França, François Mitterrand, reduza o tempo de seu segundo mandato; a inusitada proposta de Lech Walesa, presidente da Polônia, de escolher a si próprio como "primeiro-ministro", após sua recente derrota eleitoral demonstram, per si, a falta de operacionalidade atual de mecanismos híbridos de governo.

Ponto sensível que os petistas parlamentaristas evitam abordar: se no parlamentarismo o chefe de Estado é o comandante supremo das Forças Armadas, caberia ao chefe de governo indicar os ministros militares? Estes cairiam juntamente com o restante do gabinete, em caso de aprovação de voto de desconfiança? Poderiam ser submetidos à moção de censura isoladamente?

Os adeptos do parlamentarismo não têm avaliado devidamente as condições reais em que este regime seria implantado num país onde vige uma legislação eleitoral que distorce a representação popular; onde impera um clientelismo em detrimento de alinhamentos programático-ideológicos, dando-se primazia a composições governamentais a partir de um centro politicamente difuso e cambiante; onde inexiste uma administração estratificada, com altos funcionários politicamente neutros, moralmente isentos, capazes de garantir a continuidade administrativa durante os períodos de dissolução e formação de governos; onde se adota a forma federativa de Estado e não se fala em estender o parlamentarismo aos estados-membros e aos municípios; onde não estão previstas eleições para o Congresso Nacional, em caso de vitória do parlamentarismo no plebiscito de 1993, para a necessária tarefa de adaptação do texto constitucional.

A solução a nosso ver estaria em um presidencialismo renovado, em que a democracia, assumida como de natureza conflitiva, se cristalizasse através de duas vias: as eleições legislativas e a eleição presidencial; em que, enfim, o sistema de controle e equilíbrio (check and balance) entre os poderes pudesse funcionar efetivamente. Este presidencialismo o Brasil ainda não conheceu. Acreditamos que vale a pena experimentá-lo.

Antes de atribuirmos os males estruturais e de ocasião ao "caudilho de plantão", deveríamos exigir que o Congresso Nacional exercesse prerrogativas já previstas na Constituição, que possibilitam barrar arroubos autoritários de quem quer que venha a ocupar o Palácio do Planalto. Queremos dizer com isto que está na hora de cobrarmos a responsabilidade de um parlamento negligente no exame de admissibilidade de medidas provisórias inconstitucionais; que evita sustar atos normativos do Executivo que exorbitam do seu poder regulamentar; que tende a aprovar, incontinenti, as contas públicas viciadas; que não zela pela preservação de sua competência legislativa face à atribuição normativa de outros poderes; que não agiliza a elaboração da legislação infraconstitucional, necessária para que a Constituição tenha plena eficácia; que faz do Orçamento da União um balcão de negócios e barganhas eleitoreiras; que obstrui inquéritos parlamentares de investigação de atos irregulares do governo; que, por omissão, não consegue derrubar vetos presidenciais em matérias importantes, como a política salarial e os planos de benefícios previdenciários. Eis aí o Congresso Nacional que poderia, no parlamentarismo, eleger, em nome do povo, o governo do Brasil!

Por último: aos que sustentam, ligeiramente, que o presidencialismo deixou como legado à cultura política nacional o Estado Novo de Vargas e a ditadura militar, recordamos que o parlamentarismo ofereceu ao mundo os desvarios e horrores dos governos de dois primeiros-ministros tristemente famosos: Benito Mussolini e Adolf Hitler.

Sandra Starling é deputada federal do PT/MG. 

Presidencialismo: Indireta no estômago

É inacreditável que haja parlamentaristas no PT. Nesse regime que tantos defendem falta democracia. O chefe de governo é eleito por uma espécie de colégio eleitoral e isso propicia a formação de panelinhas centralizadoras. Lutar pelo presidencialismo é combater a direita liberal.

Por Vladimir Palmeira*É espantoso que haja tantos parlamentaristas em nosso partido. A fragilidade desta posição em um partido de movimento e de mudanças é tão grande que chama a atenção para a nossa própria evolução.

Estabelecemos quatro pontos essenciais para julgar um regime de governo: maior ou menor democracia (ou mais representatividade), maior ou menor capacidade de descentralizar, maior ou menor flexibilidade e maior ou menor capacidade de estabilização.

Presidencialismo e parlamentarismo se equivalem quanto à flexibilidade. Os parlamentaristas adoram dizer que seu regime é mais flexível porque podem mudar a qualquer momento o chefe de governo, coisa bem difícil de se fazer no presidencialismo. Mas o presidencialismo muda de governo com facilidade, embora não de chefe. Aqui no Brasil mesmo, a queda de Zélia e de sua equipe representou uma mudança substancial.

No parlamentarismo, é comum que a possibilidade de mudar o chefe de governo sirva para mantê-lo. O primeiro ministro pode dissolver o Congresso na hora que desejar. Quando está bem nas pesquisas, "mete bronca", convoca eleições. Com isto, há chefes de governo que se eternizam. Sem falar que mudanças na chefia de governo nem sempre traduzem mudanças de fundo. A mesma panelinha continua mandando...O presidencialismo é mais democrático que o parlamentarismo: (De fato, quanto mais direta a democracia, melhor. Ora, no presidencialismo, os trabalhadores podem eleger diretamente a chefia de governo que não precisa necessariamente ser de um só homem, podendo ser colegiada. No parlamentarismo, deputados escolhem em nosso lugar. Sabemos bem que nem sempre a democracia, a mais direta, é exeqüível. Neste caso, porém, não há dúvidas. O parlamentarismo tira a possibilidade dos trabalhadores escolherem diretamente seu governo.

Podemos ir mais longe. Nos Estados Unidos, há estados onde o Poder Judiciário também é eleito. Deve ser este nosso objetivo, três poderes eleitos diretamente.

O presidencialismo é mais descentralizador, ao contrário do que se costuma alardear nas fileiras parlamentaristas. Na Inglaterra, 70% das leis têm origem no Poder Executivo. É verdade que os deputados elegem o chefe do governo. Mas, depois da eleição, este governo tem um peso descomunal, passando praticamente tudo que quer. Salvo um ou outro momento, é o Executivo que dá as cartas, daí termos figurinhas carimbadas na direção dos governos europeus. Enquanto isso, não há, no mundo, Legislativo mais forte que o dos Estados Unidos, que têm regime presidencialista...O presidencialismo quebra a concentração porque os dois poderes são autônomos, eleitos os dois. A eleição do Judiciário colocaria a situação ideal, o equilíbrio entre três poderes, todos eleitos diretamente pelo voto popular.

Os mais ortodoxos lembrarão que Marx, analisando a guerra civil na França, em 1871, vira na Comuna um exemplo de poder moderno, que seria a um só tempo Legislativo e Executivo. A experiência na URSS não pareceu confirmar as virtudes de tal exemplo. Favoreceu-se uma centralização acentuada. A concentração de dois poderes em um só aumenta o autoritarismo e dificulta o controle popular.

Sendo o presidencialismo tão superior, por que, indagam os parlamentaristas, a Europa é parlamentarista e só os Estados Unidos têm regime presidencialista entre os países desenvolvidos?

A resposta está na própria história da Europa. Havia uma monarquia centralizada que começou a ser questionada pelos senhores de terra e pelas novas classes dominantes. O poder real começou a ser limitado, sobretudo na sua capacidade fiscal, a partir da formação de parlamentos. A luta política teve um ponto decisivo na luta do Parlamento contra o rei. No geral, seu resultado foi um compromisso. Os reis foram perdendo poder efetivo e o Poder Executivo sendo designado pelo próprio Parlamento, através da nomeação de um primeiro-ministro.

Já o presidencialismo veio com a Revolução da Independência Norte-americana. Aqui, não poderia haver compromissos, a realeza sendo inglesa. Rompidos os laços com a Inglaterra, os americanos optaram pelo óbvio: escolher diretamente o Poder Executivo, através da eleição de um chefe de governo, o presidente da República.

Assim, onde havia civilizações mais antigas, onde a tradição monárquica pesou, o regime tendeu ao parlamentarismo. Em países novos, como na América do Sul, quem pretendeu ter uma democracia representativa optou naturalmente pelo presidencialismo.

Eis aí a resposta, fruto da experiência histórica dos povos europeus. Querer repetir a Europa é mera bobagem porque, como já se disse, não importamos com o parlamentarismo as condições e a história européia. O Parlamento seria um fracasso maior que o Governo Paralelo, esse fantasma que paira na cúpula de nosso partido.

Chegamos finalmente a um ponto onde o parlamentarismo é vitorioso. Sem nenhuma dúvida é um regime mais estável. É meio grotesco que petistas escolham um regime de governo pela defesa da ordem, mas temos de reconhecer as vantagens parlamentaristas...Mas, se examinarmos bem, descobriremos que o parlamentarismo não garante estabilidade nenhuma. Quem lhe dá estabilidade é o sistema distrital de eleições. Não é à toa que a maioria de nossos parlamentaristas defende este tipo de eleição.

Neste sistema, as eleições seriam por distrito, por circunscrição eleitoral, e teriam caráter majoritário. Teríamos a eleição de um deputado por distrito. Seria o vai ou racha. Ou se ganha ou se perde. Os votos dos partidos derrotados não contam para coisa nenhuma. A representação no parlamento não seria mais proporcional aos votos obtidos por um partido. As minorias estariam liquidadas. Um partido poderia ter 10% dos votos e nenhuma cadeira.

O Parlamento deixa de representar todas as diferenças da sociedade. A tendência é a de se formar um bipartidarismo artificial. Um só partido pode ter ampla maioria no parlamento, sem correspondência efetiva com a proporção de votos que recebeu. O grau de concentração de poderes que o parlamentarismo já tem é multiplicado pela concentração partidária. A democracia se restringe. A descentralização vai para o espaço. A estabilidade triunfa.

Presidencialismo e sistema proporcional, eis a posição. Isto não implica que se pare nas definições. Devemos patrocinar reformas no presidencialismo. Já nos referimos às eleições no Judiciário. Teríamos de acabar com o direito de veto do presidente da República, teríamos de exigira aplicação do princípio "um homem, um voto", assegurando uma verdadeira proporcionalidade. No mesmo sentido, deveríamos eliminar o Senado ou restringir sua competência a questões atinentes à federação.

Encaminhamos as questões referentes ao regime de governo em geral. Não poderíamos deixar, no entanto, de lembrar que, na cultura política brasileira, as eleições legislativas são o exemplo de ação fisiológica, enquanto toda a polarização política se dá nas eleições para o Executivo. São estas que politizam. Aqui, o parlamentarismo também joga na direção do retrocesso.

Nesta discussão, não podemos nos limitar à questão do regime de governo propriamente dito. Cabe-nos perguntar o porquê da onda parlamentarista. Não sai do nada. Vem englobada em uma opção de desenvolvimento que a chamada direita liberal tem defendido. Vem dentro de uma ofensiva dos setores dominantes que acua a esquerda. Chega dentro da tal política de modernização.

A direita liberal quer liquidar o setor público da economia e dispor do poder absoluto de composição dos quadros do Estado. Quer política agrícola sem reforma agrária. Quer novo desenvolvimento sem nova política de redistribuição de renda.

Ataca também os direitos sociais. Quer liquidar com os direitos trabalhistas, assegurados na Constituição. Quer cercear o direito de greve e a possibilidade de organização política.

Parlamentarismo e voto distrital são seu caminho de ordenação política. Transição sem transtornos.

A luta é também contra a ofensiva da direita. Nesta luta, não cabe o silêncio. Há muita gente dentro do PT que aceita o parlamentarismo sem trais indagações. São os parlamentaristas por descuido. Na verdade, não ligam para a questão porque ela é institucional. Seria bom pensarem no assunto porque ele vai entrar em suas vidas...A luta pelo presidencialismo é uma luta decisiva. Presidencialismo contra parlamentarismo. Presidencialismo contra liberalismo

.* Vladimir Palmeira é deputado federal pelo PT/RJ. 

Parlamentarismo - Avançar de olhos abertos

O parlamentarismo pode ser um meio de desarticular a prepotência das elites. Se bem estruturado, ajuda a fortalecer as instituições e estimula a participação popular. Na sua forma ideal, o primeiro-ministro compartilha as decisões com o seu gabinete e também com um presidente eleito pelo voto direto mas acima das disputas partidárias.

Por Plínio de Arruda Sampaio

A adoção do parlamentarismo pode representar um avanço importante para o país. Tudo vai depender, porém, do tipo de parlamentarismo a ser implantado. Daí a necessidade de começar a análise do problema por uma breve descrição do modelo de que se está cogitando e das condições da sua implantação em nosso país.

Os elementos básicos de um regime parlamentarista adequado ao Brasil dos nossos dias são: Poder Executivo colegiado (gabinete), constituído e dependente da maioria dos representantes populares no Legislativo; gabinete formado em torno de um programa de governo, debatido e aprovado pela maioria do Parlamento; fixação de interstícios prudentes, como condição para a substituição de gabinetes; dissolução do Parlamento e convocação de eleições gerais, quando a rotação excessiva de gabinetes revelar o esgotamento da capacidade do corpo legislativo em exercício para gestar governos minimamente estáveis; admissibilidade de voto de desconfiança exclusivamente quando dirigido contra todo o gabinete; Legislativo bicameral, reduzindo-se, contudo, as atribuições do Senado rigorosamente às questões que envolvem o equilíbrio da federação.

Nesse modelo parlamentarista, o presidente da República, eleito pelo voto direto, com mandato de seis anos, tem a função de chefe de Estado e não de chefe de Governo. Contudo, além das faculdades típicas dos chefes de Estado nos regimes parlamentaristas clássicos (aceitar a demissão do gabinete e coordenar o processo de formação de um novo governo), seria conveniente outorgar ao presidente, no caso brasileiro, algumas faculdades executivas, como, por exemplo, indicar e nomear (após a necessária aprovação pelo Parlamento) os juízes do Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, os generais de Exército e os conselheiros do Tribunal de Contas; aprovar e assinar os tratados internacionais; declarar a guerra e assinar a paz (também após aprovação parlamentar). Terminado o mandato, o presidente passaria a integrar vitaliciamente o Senado da República, tornando-se inelegível para qualquer outro cargo público.

A condição preliminar para que esse modelo parlamentarista funcione é a adoção simultânea de reformas na lei eleitoral, na legislação partidária, na regulamentação dos meios de comunicação de massas e das formas de participação popular. Em outras palavras, o parlamentarismo não deve ser um tema de campanha isolado, mas parte de um conjunto de reformas, destinadas a aprimorar o nosso sistema democrático.

A primeira dessas reformas refere-se à introdução do voto distrital misto (parte dos deputados será eleita pelo voto majoritário, parte pela proporção de votos que cada uma das listas partidárias obtiver no total de votos de cada estado). A segunda reforma consiste na introdução da norma da fidelidade partidária em relação às votações que envolvam questões de confiança e na adoção de normas que forneçam, aos afiliados dos partidos, meios eficazes de impedir a usurpação oligárquica das direções partidárias. Quanto ao sistema de comunicação de massas, haverá que ampliar o espaço da programação cultural e informativa preparada por fundações culturais, de estrutura pluralista, nas TVs e rádios comerciais. Além disso, será necessário tornar mais ágil o direito de resposta, a fim de impedir que o uso do noticiário falso ou calunioso continue a ser um poderoso meio de influenciar o eleitorado.

Finalmente, para que o parlamentarismo possa vir a funcionar adequadamente no Brasil, será preciso definir as questões que devem ser submetidas a plebiscito ou referendo e, sobretudo, ampliar o âmbito do instituto da iniciativa popular de leis, como um meio de frear tendências de manipulação ou mesmo de usurpação do poder decisório do povo pelas corporações partidárias ou legislativas.

Avanço Político

Em que e por que esse conjunto de reformas institucionais constitui um avanço no quadro da crise brasileira?

Antes de mais nada, porque essa crise, apesar de se expressar contundentemente no plano econômico, constitui-se substancialmente numa crise política. Com efeito, a economia brasileira é perfeitamente viável e dispõe de todos os recursos necessários para produzir, em quantidade suficiente, os bens e serviços requeridos para assegurar um padrão de vida decente aos 150 milhões de brasileiros. Não o faz unicamente porque, ao longo de toda a nossa história, as decisões de política econômica não foram tornadas em função dos interesses de toda a população, mas dos interesses de uma pequena parte. Isso só foi possível porque o sistema político vigente - esse conjunto formado pelas esferas do poder, pelo regime de governo, pelas regras eleitorais, pelos meios de comunicação de massas - foi ocupado, desde o período colonial, por oligarquias regionais e grupos de poder que representam os interesses de uma minoria privilegiada. Décadas de urbanização, de industrialização, de transformação tecnológica, de expansão do sistema de ensino e de ampliação da participação política, sob a forma da "modernização conservadora", mudaram a forma, porém não a substância dessa dominação.

Uma das pedras angulares desse sistema é a instituição da Presidência da República, que unifica, dá coerência e imprime a dinâmica da política das elites nas outras esferas do poder. É igualmente a Presidência que divide e dissolve as oposições. Os poderes que o presidente concentra, o peso de uma história de cem anos de mando presidencialista, a extraordinária força de inércia de uma cultura secular de submissão dos partidos e dos políticos aos desígnios do chefe supremo, operam como elementos de dissolução de qualquer intento sério de governar de acordo com a opinião da maioria, canalizada pelos partidos e formalizada em programas políticos negociados pluralisticamente no Legislativo - ou seja, de qualquer intento sério de governar de modo verdadeiramente democrático.

Um exemplo bem recente esclarece a tese. Quando se instalou a Constituinte, em 1986, o PMDB detinha 303 das 580 cadeiras dessa assembleia, além de 90% dos governadores de estado, 70% ou 80 % dos prefeitos e vereadores, bem como as principais lideranças surgidas da luta contra o regime militar. Teoricamente, o partido detinha o poder de votar a Constituição na sua sede, entre os seus constituintes, e aprová-la, no dia seguinte, no plenário da Assembleia. Do lado do Executivo, havia um presidente fraco, originário da facção derrotada no embate da redemocratização do país, escolhido para ser vice-presidente na chapa dos democratas, por força de um acordo altamente contestado e alçado à Presidência por um acidente médico. Pois bem, bastaram uns poucos meses de exercício da Presidência para que este cidadão - uma personalidade de resto pouco impositiva e totalmente carente de carisma popular - impusesse sua vontade ao todo poderoso PMDB, terminando por fragmentá-lo.

Isto só foi possível pela faculdade que o presidente da República tem, durante cinco intocáveis anos, de distribuir verbas públicas, nomear e demitir discricionariamente pessoas para cargos públicos, conceder ou negar isenções, subsídios e créditos. Tudo isso sem possibilidade real de controle pelo Legislativo.

Se esses enormes poderes forem mais bem distribuídos, ou seja, se essa pedra angular do sistema de dominação vier a despencar, obviamente será mais fácil derrubar o edifício do arcaísmo político - esse Gibraltar que constitui hoje o principal obstáculo à reestruturação da economia e, portanto, à solução da crise.

Objeções e contra-objeções

Algumas objeções têm sido levantadas a este tipo de argumentação.

A primeira pergunta é por que, tendo o presidente dos Estados Unidos atribuições semelhantes, o sistema presidencialista funciona adequadamente naquele país?

Porque lá, o instituto do presidencialismo se insere em uma outra história, em uma outra cultura política, em outro esquema de poder. E não funciona tão bem assim, já que, não obstante o imenso produto bruto do país, mais de 20% da sua população encontra-se abaixo da linha de pobreza.

A segunda indaga sobre a garantia de que o primeiro ministro, como chefe do Executivo, não procederá do mesmo modo que o presidente no regime presidencialista.

A esta objeção pode-se responder inicialmente que garantia absoluta não há nenhuma. Mas a autoridade do primeiro ministro não será exclusiva e sim compartilhada com os ministros do gabinete que preside e com outra autoridade de grande poder - o presidente da República. Com efeito, o presidente da República, eleito pelo voto direto e colocado fora do dia-a-dia da disputa partidária e da possibilidade de disputar novos cargos públicos, tenderá a examinaras grandes questões políticas com maior isenção e objetividade, fazendo um contraponto discreto, mas muito efetivo, à atuação do primeiro-ministro. Convém não esquecer que, no modelo proposto, as decisões deste só valem com as assinaturas dos ministros e estes não ocupam as pastas por sua escolha pessoal e discricionária, não são demissíveis adnutum, nem pertencem necessariamente ao seu partido. Mais: o programa político do primeiro-ministro terá de ser aprovado no interior do seu partido e no Parlamento - duas instâncias que ele não terá condições de manipular tão livremente quanto um presidente da República no regime presidencialista, inclusive porque não pode distribuir favores governamentais com a mesma facilidade que este. Finalmente, o primeiro-ministro e os ministros precisarão comparecer periodicamente ao Parlamento, a fim de defender suas políticas. Isto os obrigará a dialogar com os representantes do povo em uma posição muito diferente daquela em que o todo poderoso presidente ou seus ministros se encontram quando os recebem em suas protegidas salas de despacho. Em uma cultura ainda fortemente marcada pelo senhorialismo colonial e pela prepotência das elites que monopolizam a riqueza, o poder, a instrução superior e o prestígio social, esse clima de diálogo constitui um avanço de consequências ainda não inteiramente discerníveis mas, certamente, muito favoráveis à democracia.

Uma última objeção pode ser assim formulada: se o problema central da crise brasileira é o da falta de decisões drásticas, impondo reformas estruturais profundas; se, no contexto brasileiro, o presidente constitui o único ator político que, em razão dos enormes poderes, de que dispõe, pode tomar esse tipo de decisões; e se, como várias eleições têm demonstrado, é mais fácil eleger um chefe de Executivo progressista pela via do voto popular do que eleger um Congresso progressista, por que abrir mão dessa vantagem, exatamente na hora em que as pesquisas indicam a possibilidade de eleger um candidato popular em 1994?A resposta não é difícil e ajuda a colocar corretamente o cerne do problema político brasileiro nesta conjuntura da história do país.

Os imensos poderes do presidente são efetivos quando este os direciona no sentido da manutenção do status quo. Se, como aconteceu com Vargas, com Goulart (ou com Allende, no Chile), o presidente adota uma política que venha a ameaçar o esquema básico de dominação, esses poderes se desvanecem da noite para o dia, sob o ataque conjugado dos interessas externos, dos meios de comunicação de massa, do boicote dos empresários, do "quinta-colunismo" das classes médias.

"Golpismo"

O argumento de que é preciso preservar o presidencialismo a fim de usar os poderes do presidente para impor as transformações revolucionárias, corresponde, na verdade, a uma estratégia de assalto ao poder muito em voga tempos atrás, que consistia em chegar ao governo pelo voto e, uma vez lá, usar os instrumentos de poder de que o governo dispõe para provocar a revolução. Esse "golpismo" revolucionário - hoje felizmente muito desacreditado - não conduzirá o povo ao poder. O caminho do poder popular é o do crescimento da consciência e da organização dos setores populares ao longo de um processo de lutas políticas e sociais desenvolvidas no contexto da democracia.

O parlamentarismo, concebido nos termos acima expostos e inserido em um conjunto mais amplo de reformas políticas, como as que foram aqui esboçadas, constitui, nesta hora e nas condições atuais do país, um meio (entre vários outros) de desarticular a prepotência das elites dominantes e, portanto, um passo (entre muitos) no caminho de uma democracia mais ampla. Não se trata de uma panacéia. Não substitui outras consignas. Mas ajuda a fortalecer os partidos e a participação popular. Fora desse contexto, a campanha do parlamentarismo pode se transformar em mais uma dessas manobras de cúpula, destinadas a esconder os verdadeiros problemas do povo e a favorecer a dominação das elites. Por isso, parlamentarismo sim, mas de olhos abertos.

Plínio de Arruda Sampaio é coordenador da área de Reforma do Governo Paralelo.

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quinta-feira, 25 de junho de 2015

Parlamentarismo e Presidencialismo



1 - INTRODUÇÃO:

Sabemos que o conceito de Estado é muito complexo e admite várias definições. É consenso que três são os elementos formadores do Estado: População, Território e Governo. Cada Estado organiza o seu governo, que são as decisões políticas que mantêm a ordem social dos indivíduos do Estado. Nesse trabalho vamos apresentar algumas definições de Formas de Estado, Formas de Governo e Sistemas de Governo. A partir daí poderemos elucidar algumas dúvidas mais pertinentes à organização do Estado.

2 - FORMAS DE ESTADO:

Cada Estado adota certas ideias como princípios norteadores da vida comunitária. Na base da organização estatal teremos sempre uma ideologia política, isto é , um conjunto sistematizado de ideias. Definimos Regime Político como o modo pelo qual cada Estado se organiza e se orienta de acordo com determinada ideologia. Como Formas de Estado temos basicamente dois tipos: Estado Democrático e Estado Totalitário.

Estado Democrático: O Estado Democrático é aquele que adota como princípios a participação política dos cidadãos nas decisões governamentais e a primazia do bem comum e dos interesses individuais. Tem como características a existência de voto universal ou censitário, governo geralmente com Três poderes independentes ( Executivo, Legislativo e Judiciário). Possui também sistema representativo que decide, teoricamente com base no voto popular, as decisões governamentais. Todos os países modernos adotam essa filosofia democrática como forma de governo.

Estado totalitário: É o Estado que adota como princípio a vontade soberana do governante sobre o interesse comum. O Estado totalitário faz do Estado um fim em si mesmo e as pessoas só têm valor quando servem aos interesses do Estado. O interesse coletivo anula o indivíduo e reduz ao máximo a participação popular nas decisões governamentais. A centralização do poder é uma característica marcante. Os exemplos mais famosos no mundo moderno são o nazismo alemão, o fascismo italiano, o comunismo chinês e o socialismo utópico de Fidel Castro em Cuba.

Estados unitários e federados: Dentro dos conceitos de Estado democrático ou totalitário podemos definir como Estado unitário aquele em que há um só Legislativo, um só Executivo e um só Judiciário para todo o território. Como Estado Federado temos aquele em que há divisões político-administrativas, com certa autonomia para cuidar dos interesses regionais.

3 - FORMAS DE GOVERNO:

O Estado pode exercer o poder de várias maneiras. Daí, a grande diversidade de formas governamentais. Alguns autores adotam a classificação de Aristóteles (monarquia, aristocracia e democracia) outros preferem a definição de Maquiavel ( monarquia e república). O sentido exato e o alcance de cada desses termos é outro problema sobre o qual ainda não se teve acordo. Cremos que a questão prende-se a definição dos seguintes pontos:

1) Quem governa
2) Com que direito governa
3) De que modo governa

MONARQUIA: É a forma de governo, em que o cargo de chefe de Estado é hereditário e vitalício. É o caso de países como Inglaterra e Espanha. A Monarquia é uma forma muito antiga de governo tendo suas origens já no Egito Antigo e teve seu apogeu na Idade Média com o poder central dos reis Europeus. Após a Revolução Gloriosa na Inglaterra e a Revolução Francesa teve modificações significativas em sua estrutura, principalmente retirando poderes dos reis e reduzindo sua atuação como mandatário.

REPÚBLICA: É a forma de governo em que o cargo de chefe de Estado é eletivo e periódico. República quer dizer res pública ou coisa pública. Com o declínio da monarquia e a ascensão dos interesses burgueses na Europa, os Estado começaram a eleger governantes, tornando a participação popular nas decisões governamentais mais ativas. Países como Brasil, EUA, França e outros adotam a República como forma de governo.

4 - SISTEMAS DE GOVERNOS:

Geralmente na distribuição de poder do Estado o Judiciário tem seus limites bem definidos, o que não ocorre com o Legislativo e o Executivo, pois suas áreas de atuação se interpenetram frequentemente. Podemos ter então sistemas diferenciados em cada país. Os dois principais são Presidencialismo e Parlamentarismo.

Vamos adotar uma tabela para melhor identificar as características de cada sistema.

NO PRESIDENCIALISMO

I. O sistema só pode ser usado em repúblicas
II. O chefe de estado (presidente) é o chefe de governo e portanto tem plena responsabilidade política e amplas atribuições.
III. O chefe de governo é o presidente eleito pelo povo, direta ou indiretamente. Fica no cargo por tempo determinado, previsto na Constituição.
IV. O poder executivo é exercido pelo presidente da República auxiliado pelos ministros de estado que são livremente escolhidos pelo presidente. A responsabilidade dos ministros é relativa à confiança do presidente.
V. Adotado no Brasil, nos EUA, México.

NO PARLAMENTARISMO

I. O sistema pode ser usado em monarquias ou repúblicas.
II. O chefe de Estado (rei ou presidente) não é o chefe de governo e, portanto não tem responsabilidade política. Suas funções são restritas.
III. O chefe de governo é o premier ou primeiro ministro, indicado pelo chefe de Estado e escolhido pelos representantes do povo. Fica no cargo enquanto tiver a confiança do Parlamento.
IV. O poder Executivo é exercido pelo Gabinete dos Ministros. Os Ministros de Estado são indicados pelo premier e são aprovados pelo parlamento. Sua responsabilidade é solidária; se um sair todos saem em tese
V. È o caso de Inglaterra, França, Alemanha.

O sistema parlamentarista e o sistema presidencialista só se aplicam em regimes democráticos, sejam monarquias ou repúblicas. Não são aplicados em ditaduras. Em caráter excepcional podemos encontrar modelos alternativos como os diretórios encontrados na Suíça.

5 - O CASO DO BRASIL:

Tivemos o parlamentarismo no Brasil na fase final do Império (1847-1889. Na República, vigorou o presidencialismo, com exceção de um curto período de tempo (setembro de 1961 a janeiro de 1963), em que o parlamentarismo foi adotado como solução para a crise política consecutiva renúncia do presidente Jânio Quadros. Em 1993 tivemos um plebiscito nacional, como exigência da Constituição de 1988, e o povo votou pela manutenção do presidencialismo como sistema de governo.

6 - CONCLUSÃO:

Após definirmos todas essas características políticas adotadas pelos Estados estamos em condições de afirmar que a despeito de todas as diferenças, os Estados procuram sempre a organização da sociedade e a busca da justiça social. Ao analisarmos cada Estado devemos identificar qual a sua ideologia e qual seus objetivos políticos através das definições acima.

7 - BIBLIOGRAFIA:

1- DAMASCENO, Duarte. Conjuntura em OSPB. São Paulo: Editora Lê, 1985.
2- MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora

3- Saraiva, 1992.

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