segunda-feira, 17 de julho de 2017

Núpcias inusitadas


Por Antonio Luiz Carlini - Santa Teresa 11/05/1989

Aconteceu o enlace matrimonial. Nubentes na maior expectativa de como seria a primeira noite compartilhando leito conjugal. Já noite, quando a casa onde iriam morar, desde o dia do casamento, estava sob a guarda de um solteirão, este que trabalhava ora para uma, ora para outra família, martirizado com sua impopularidade entre as moças da comunidade, das quais já havia assistido duas gerações passarem sem que ele nunca tivesse de qualquer uma delas, nada mais que uma saudação respeitosa... Não lhe era cômoda aquela situação, pois, causava até certo complexo de inferioridade, já que por não pertencer à etnia italiana ou alemã, maioria absoluta, enquanto ele, filho de nordestinos, minoria, dificilmente por ali teria uma namorada, mesmo que uma viúva, pois, não se encaixava no meio, com os requisitos que dispunha, embora eram frequentes os elogios pelo seu carácter, associado a outras virtudes positivas, como  sua qualidade de trabalhador, e exímio lavrador. Por isso aceitou não ir à festa daquele casamento, ficando por uma pequena paga, sozinho na casa onde os nubentes iriam morar, vigiando-a, até eles chegarem lá, depois das vinte e três horas, já que a festa de casamento acontecera na casa do pai da noiva, patrocinada pelo Fazendeiro, que lhes concedia meia de café e lavouras sazonais.  Aquele capixaba, filho de alagoanos e mineiros do Vale do Suaçuí, naquela noite feito segurança, mal escureceu, dormiu ouvindo um programa Sertanejo de uma emissora de Rádio paulista, só sendo acordado pelas batidas na porta, as vinte e três e quarenta e cinco, por parte do noivo, que fora trazido por um fusca que não chegou perto da casa, em virtude da falta de estrada. Ficou muito longe, a ponto de não acordar aquele que dormia sonhando com as ninfas de suas utopias!

Em seu quarto, hóspede que fora até meia noite, antes vigia, na casa onde núpcias se consumariam, podia ouvir tudo o que era falado no quarto dos recém-casados. Podia ouvir o noivo informar, mesmo em sussurros, que nada mais o deteria. Consumaria o pretendido, mesmo que fosse indo para trás das bananeiras, lá para as bandas do paiol, se a noiva ficasse constrangida ali, dado o risco de o hóspede os ouvir, com seus inevitáveis ruídos para chegar ao que ele, o noivo, esperava por três anos. Sussurrava que o prazo de espera havia acabado e, agora seis horas até que o vigia se retirasse, seria demais. Confessava um descontrole.

Dois jovens, ambos criados ali no meio rural, cremos inclusive que sabiam pouco sobre o assunto, mas pelo ímpeto dele, deram início ao intercurso, ignorando o barulho, ou ranger, de uma cama nova, um colchão novo em um quarto, ao qual não estavam acostumados.  Ocorreu que a entrega deles aos deleites de busca pelo objetivo para a satisfação dos instintos naturais, onde a Doutrina Religiosa, por mais que queira, não consegue se intrometer, produziu no outro quarto, uma curiosidade naquele solteirão. Este ouviu mais do que devia e como seu atraso vinha de duas gerações, resolveu que precisaria fazer alguma coisa, para também ele sufocar aquele interesse assaz forte em fazer o que os dois faziam lá no outro cômodo. Sabia que sair, faria barulho com as portas, avisá-los seria interromper o ato. Não queria ainda que eles soubessem que eles, o tendo esquecido, se entregaram ao ato, sem se importar com o mundo à volta. No entanto, o que fazer? Como poderia dormir e esquecer, se os dois lá não apagavam a lamparina e ela sussurrava entre gemidos, vocábulos de poucas sílabas, antes nunca ouvidos pelo solteirão, agora excitadíssimo, palavras vindas de voz feminina e não da masculina, vindas dos humoristas nas reuniões de jovens, onde ele poucas vezes participou?

A cama de solteiro, onde ele estava tinha um colchão de palha de milho, aqueles que nossos nonnos chamavam PAIÃO. Consistia em um saco de tecido, daqueles fortes e quase impermeáveis, sempre maior que o corpo de uma pessoa, aproximadamente com um padrão de um metro e oitenta. Em sua parte superior, distando uns cinquenta centímetros, uma da outra, duas abertura de quinze centímetros, com o formato de uma vagem ou uma canoa, que para uma imaginação de um homem excitado, trazia ao subconsciente, a lembrança da semelhança com a perseguida. Aquelas aberturas eram destinadas à introdução das palhas de milho e, posteriormente, a facilidade de revolver as mesmas, quando o colchão apresentasse rigidez. Aquelas aberturas, que mais pareciam uma casinha de botões de camisa, só que muito maiores, com o colchão arrumado em seu lugar, observadas por um desesperado, eram até muito sensuais em sua apresentação!

Nosso protagonista observou a abertura do colchão, amais próxima da peseira da cama. Decidiu que aquilo era a sua perseguida. Introduziu na abertura, a sua cabeça pensante. Deitado de barriga para baixo deu inicio ao movimento de erguer e baixar o corpo no movimento vai e volta. Segundos depois, esqueceu onde estava e, que aquilo era um colchão. Não sua consorte em coito. Empolgou-se. Não prestava mais atenção no barulho que fazia!

No outro quarto, os noivos em um momento de silêncio, ouviram o exagerado ruído e gemidos do hóspede. Resolveram ir ver o que acontecia, pois, sabiam de muitos casos onde uma crise de epilepsia podia, em suas convulsões, levar o portador a produzir aqueles barulhos, sejam da cama, ou da voz grave daquele solteirão que balbuciava, com um indescritível romantismo, louvores aos ouvidos do travesseiro, que junto com o colchão, por alguns segundos, quase às duas da madrugada, em um faz de conta delirante com os devaneios inimagináveis, ouviam as mais belas declarações, antes só dirigidas a uma musa.

Chamaram-no! Assustou-se! Inquirido justificou que sonhava correr. Não colou por que o noivo sabia que ele não sonhava produzindo ruídos. Mas... No outro dia foi encontrado naquela cama de solteiro, as provas inacreditáveis. Três anos depois, aquele vigia por uma noite confessou para o noivo, sua absurda, desvairada e inusitada noite de núpcias! 

2 comentários:

  1. Muito boa.

    Parabéns ao dono do blog, Dag Vulpi, por ter aberto espaço para o Luiz Carlini poder espalhar suas estórias mundo a fora.

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