quinta-feira, 1 de junho de 2017

A genética explica! Porque alguns desenvolvem hanseníase e outros não?


Por Bárbara Mariotto Bordin* no site oficial da DAHW Brasil

A hanseníase era estigmatizada como doença hereditária, antes do advento da microbiologia enquanto ciência, devido à alta freqüência observada de doentes em uma mesma família. Somente no século XVII a doença foi tida como enfermidade infecciosa, quando Armauer Hansen identificou um bacilo como causador da doença, a bactéria Mycobacterium leprae. Os estudos científicos passaram então a se concentrar no agente patogênico e suas características, tais como sua virulência (capacidade que a bactéria tem de causar a doença), resposta imune (mecanismos de defesa do hospedeiro) e resposta ao medicamento (1).

Entretanto, observações clínicas levantaram intrigantes questionamentos. Primeiro: porque ter o contato com o bacilo não é o bastante para o desenvolvimento da doença? Segundo: porque a hanseníase ocorre com maior freqüência em determinadas populações? Terceiro: porque se manifesta de uma forma em alguns indivíduos e de forma diferente em outros?

A resposta a esses levantamentos está no resultado do balanço entre resposta imune deflagrada pelo hospedeiro e a capacidade de escape pelo M. leprae através de mecanismos de evasão desta resposta imunológica. A resposta do sistema imunológico pode ser inata ou adaptativa. A resposta inata se dá no primeiro momento de interação do bacilo com o hospedeiro e possui requisitos que podem ser suficientes para reconhecer e restringir a infecção, sendo importante no estágio inicial onde se define o estabelecimento ou não da doença. A resposta adaptativa dará direcionamento do curso da infecção bem como das diversas formas clínicas da hanseníase (2). Em suma, será o perfil imunológico do indivíduo que ditará a resposta à presença do bacilo no organismo, determinando a susceptibilidade a doença ou a resistência a ela.

Na resposta imune inata competente, células de defesa (células dendríticas) são ativadas durante o primeiro contato com bacilo, passando a ser eficientes em fagocitar, processar e apresentar o antígeno a outras células de defesa (linfócitos T e B) distantes do sítio da infecção. Os macrófagos também são células fagocíticas que participam da interação inicial com o patógeno, e possuem uma ação diretamente efetora na restrição do crescimento e proliferação do bacilo. Após ser reconhecido pelo macrófago, o patógeno será fagocitado e em seguida serão ativadas vias que tentarão impedir o sucesso da infecção (2). Entretanto, essas vias fagocíticas são moduladas por citocinas (moléculas envolvidas com emissão de sinais) em vias divergentes, e o desequilíbrio entre essas vias pode favorecer a suscetibilidade ou a resistência ao M. leprae (3).

Na resposta imune adaptativa sugere-se que os pacientes do pólo tuberculóide tenham um padrão de resposta imune protetora mediada pelas células T parcialmente eficientes, com produção de citocinas que contribuem na maturação e ativação dos macrófagos, levando ao controle da multiplicação dos bacilos e a sua posterior eliminação. Já os pacientes do pólo lepromatoso (ou virchowiano), parecem possuir um perfil de citocinas que induz a redução da resposta inflamatória, com inibição macrofágica e perfil característico da resposta humoral, padrões imunológicos que, somados a outros fatores, seriam insuficientes para conter o M. leprae (2).

O fato é: são os genes que vão ditar o perfil imunológico do indivíduo, consequentemente a influência genética do hospedeiro frente ao M. leprae é determinante no desfecho doença. Estudos envolvendo genes candidatos têm dado grande contribuição ao conhecimento da genética na doença. Muitos desses estudos exibem resultados animadores, demonstrando a relevância de regiões/genes que podem estar associados a susceptibilidade ou proteção a doença ou suas formas clínicas. Têm sido avaliados principalmente genes de citocinas e de outras moléculas com papel relevante na resposta imunológica, estando localizados na região do complexo antígeno leucocitário humano HLA (do inglês Human Leukocyte Antigens) ou não (2).

Cada indivíduo tem seu próprio genoma, caso contrário todos seriam clones genéticos e isso acarretaria consequências surpreendentes. Nessa hipótese, qualquer indivíduo poderia doar órgãos ou sangue para qualquer indivíduo, já que seriam todos clones, o que é uma inverdade. E ainda nessa hipótese todos responderiam igualmente a cada doença, o que não ocorre. Pelo fato de cada um ter seu próprio perfil genético, não são todos que desenvolverão hanseníase. Muitos entram em contato com o bacilo e o destroem; já outros não tem a eficiência imunológica necessária e desenvolvem a doença.

Existe portanto um vasto arsenal genético a ser pesquisado e ainda muitos questionamentos a serem elucidados. Tais como: quais são os genes ligados à susceptibilidade a hanseníase? Quais são os genes relacionados à proteção a hanseníase? Como lidar com os indivíduos portadores dos genes relacionados à doença? Seria possível descobrir a doença antes do aparecimento dos primeiros sinais clínicos, para possível prevenção?

*Msc. Bárbara Mariotto Bordin  Biomédica responsável pela baciloscopia do laboratório do Centro de Referência em Diagnostico e Terapêutica (SMS do município de Goiânia) Mestre em genética, professora efetiva na PUC-GO

Referencias bibliográficas:

1- Prevedello FC, Mira MT. Hanseníase: uma doença genética? An Bras Dermatol. 2007; 82(5):451-9.
2 Marques CS, Moraes MO. Estudo de Associação entre o Gene VDR e a Hanseníase. 2010; dissertação de mestrado, FIOCRUZ-RJ.
3 Montoya D, Cruz D, Teles RM, et al. Divergence of macrophage phagocytic and antimicrobial programs in leprosy. Cell Host Microbe. 2009;6:34353.

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