domingo, 31 de agosto de 2014

Por que Marina?

Por Daniel Archer Duque* no Debates Culturais
Duas semanas e duas pesquisas eleitorais após a trágica morte de Eduardo Campos, Marina Silva se firma hoje como terceira e, quem diria, única via possível de oposição à candidata do PT ao segundo mandato presidencial, Dilma Rousseff. Segundo a última pesquisa do IBOPE, Marina aparece com 29% das intenções de voto, dez pontos à frente de Aécio Neves, e apenas a cinco atrás de Dilma no primeiro turno. No segundo turno, no entanto, a grande surpresa é seu percentual de 45% das intenções de voto, expressivamente superior ao da presidenta da República, que amarga preferência de apenas 36% dos eleitores. Portanto, a pesquisa aponta, junto com a anterior da Datafolha, para a vitória de Marina Silva nas eleições presidenciais.

Seria de se esperar, é claro, que, quão mais forte se torna a candidata do PSB, mais pesada se torna a investida de seus adversários contra sua empreitada política. Chega a ser cômico a atual confluência de ideias da esquerda quanto da direita no que se refere à candidatura de Marina. Ela acabou, afinal, conseguindo o que ninguém nunca imaginou ser possível: uniu firmemente dois polos opostos do espectro político em uma intensa campanha negativa contra sua pessoa.
Começa assim também uma profunda campanha difamatória contra Marina nas redes sociais. Os mitos difundidos são muitos: seu suposto posicionamento contrário ao casamento gay, apesar de sua declaração favorável ao casamento civil igualitário; sua suposta defesa a Marco Feliciano, apesar de a ex senadora ter se posicionamento claramente contra sua permanência na presidência da CDHM; e por vezes seu amor, por vezes seu ódio ao setor do agronegócio, apesar de sua declaração a favor do agronegócio produtivo e toda sua luta histórica pela agricultura familiar. Não importa de onde venha, o ataque à Marina é sempre carregado de preconceito, inverdades e desespero.

Poucos disseram, no entanto, por que votariam na Marina Silva. Afinal, com toda campanha difamatória, aos poucos cada vez mais desmoralizada, pouco espaço foi dado para citar as qualidades de sua candidatura. Contra toda narrativa do “voto deslumbrado” ou do voto “contra tudo que está aí”, espero preencher esse vácuo qualitativo nos próximos parágrafos.

Esqueça a suposta superioridade moral de Marina Silva. Não utilizarei desse recurso obviamente injusto para justificar meu voto. Sua candidatura, no entanto, representa para mim uma inflexão no sentido de um mais do que necessário fim de uma prejudicial polarização do poder entre dois partidos. Reduzir o debate político nacional a duas facções inimigas significou reduzir as opções reais da democracia para sociedade brasileira. Significou nivelar por baixo os projetos de país dos partidos para um conjunto genérico de ações descoordenadas, subjugado a um claro projeto de poder.

Vê-se isso hoje no PT, que, após reduzir a pobreza e a desigualdade do país continuamente, agora lança programas isolados e pontuais, a custo da entrega de feudos ministeriais e cargos-chave a indicados partidários sem identificação com a pasta, tal qual o próprio Marco Feliciano, que foi indicado pelo seu partido à presidência da CDHM devido à negociação geral do PT na Câmara dos Deputados, que permitiu que dois de seus líderes presidissem outras comissões para eles mais relevantes. É sim, a essa tal política “toma lá dá cá” que Marina Silva se opõe, essa mesma política que hoje causa a estagnação da desigualdade de renda, que deixou de cair continuamente desde 2011.

A chamada Nova Política, no entanto, não é a única agenda da candidata pelo PSB. Sua candidatura também se ancora em uma nova organização estatal orientada pela “terceira via” original, que agrega uma orientação econômica de responsabilidade fiscal, menor intervencionismo e política macroeconômica mais ortodoxa, com uma orientação social de combate à pobreza e à desigualdade, maior participação da educação e saúde pública no orçamento, e agenda progressista no que se refere às liberdades individuais. Tal Terceira Via teve como entusiastas o presidente americano Bill Clinton e o primeiro ministro britânico Tony Blair, ambos políticos que lograram alta popularidade, graças a um vistoso crescimento econômico e redução da pobreza em seus países.

Não à toa, foi Paes de Barros, economista responsável pelo desenhodo programa Bolsa Família e Brasil Carinhoso, quem escreveu o capítulo de política social de Marina Silva em 2010, além de que sua candidatura hoje tem o apoio do ex Ministro da Educação e atual senador Cristovam Buarque, histórico líder político em prol da educação pública. Marina também é a favor da expansão das cotas sócio raciais, além de obviamente favorável à expansão da demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Um eventual Governo Marina Silva será, portanto, um governo que retirará grande parte dos subsídios do BNDES às 500 maiores empresas do país – como já orgulhosamente dito por José Dirceu – e os transferirá para Saúde e Educação. Será um governo em que a fronteira agrícola se expandirá em menor ritmo, sem agressão aos direitos territoriais de povos indígenas, pois a produtividade será prioridade. Será um governo sem desonerações fiscais a setores com poder de lobby, mas com uma reforma tributária com viés de redução dos impostos sobre o consumo e produção, e de aumento sobre a renda e o patrimônio.

É importante ressaltar que não vejo Marina Silva como grande salvadora da pátria, ou messias sebastianista. Creio que sua eventual vitória trará de fato turbulências políticas que formarão uma poderosa frente à agenda de Marina, e lograr êxito em implementar seu programa será uma tarefa difícil, quiçá impossível. Acredito também que a ex senadora cometerá erros, assim como já cometeu tantas vezes no passado. No entanto, seu projeto de país, possivelmente o único entre as três candidaturas, traz consigo consistência e a esperança de se colocar hoje na democracia brasileira um bom ponto de largada para mudanças cada vez mais profundas.

*Daniel Vasconcellos Archer Duque é graduando em Ciências Econômicas pela UFRJ, membro do comitê de organização da Nova Organização Voluntária Estudantil (NOVE). Filiado ao Partido Verde, também colabora com outros sites e jornais.



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